"(...) temos o fado triste da escola dos meninos pobres, que aí vão em busca da comida e do afecto que muitos não têm em casa, e dos professores-missionários dedicados a uma causa que, embora podendo somar todos os dias pequenas vitórias está, no seu todo, invariavelmente perdida. Porque a luta contra a pobreza, a fome, o desemprego, a marginalidade, a violência doméstica e outras realidades que enchem o quotidiano destes alunos não se combate na escola. As refeições escolares, os apoios sociais e psicológicos, os programas de tutoria, os mediadores culturais, tudo isto são paliativos que tentam remediar, mas não resolvem os problemas de fundo.
Claro que este fadinho do professor-missionário encaixa bem na lógica economicista e neoliberal do “menos Estado”: para quê ambiciosas políticas sociais, se podemos resolver os problemas todos através da escola, com professores faz-tudo, que tanto dão a sopa como tentam ensinar a tabuada e, com sorte, ainda vão a casa saber do menino quando ele não aparece na escola?
Afinal de contas, estes miúdos pobres não têm os “sonhos”, as “ambições” dos outros, os dos colégios da Linha, pelo que alimentá-los e entretê-los na escola já parece um programa satisfatório – pelo menos será melhor do que o ambiente que têm em casa
Em boa verdade, os professores não têm de ser missionários, muito menos de fazer de pais ou mães dos alunos carenciados. Tal como todas as crianças têm direito a uma família que as ame e que cuide delas, e se demasiados miúdos a não têm, crescendo negligenciados e desamparados, então são o Estado e a sociedade que estão a falhar. E o desemprego, a doença, as dificuldades das famílias monoparentais com baixos rendimentos, as carências habitacionais nas grandes cidades, tudo isto são problemas sociais que requerem respostas prontas e adequadas – mas não é a escola que as pode dar.
Os professores destas escolas – cujo trabalho é incomparavelmente mais difícil do que o das que lutam pelos primeiros lugares dos rankings – fazem o que podem pelos seus alunos. E fazem bastante. Mas o muito que fazem fica muito aquém daquilo que são as exigências de um currículo nacional a que estes alunos não conseguem aceder. Como as médias negativas dos resultados dos exames claramente demonstram.
A escola convertida em centro de assistência social não cumpre a sua verdadeira missão com estes alunos – limita-se a tentar fazer, de forma insuficiente e limitada, a intervenção que caberia a outras entidades.
E não, ao contrário do que afirma João André Costa, esta não é a melhor escola do país. Mas poderá sê-lo – no dia em que se puder dedicar realmente a educar e instruir os seus alunos, em vez de se preocupar em saber se passaram bem a noite ou tomaram o pequeno-almoço."
1 comentário:
Nas escolas portuguesas, em reuniões de conselho de turma de avaliação, que ainda seguem em linhas gerais a ordem de trabalhos comum desde os tempos de Salazar e Caetano, quando eram feitas com uma seriedade e rigor perfeitamente incompatíveis com a balbúrdia em que, atualmente, se transformou o ensino, ouve-se dizer com muita frequência: " Ó colega, nem pense em ensinar matérias tão rebuscadas a este tipo de alunos. Do que eles gostam é passar dias inteiros a dar marteladas em chapas de aço! Mesmo assim, é melhor estarem dentro da escola do que andarem aí pelas ruas a drogarem-se ou a fazerem coisas piores!" Ou seja, as pessoas, incluindo os governantes, sabem que na escola, em Portugal, já pouco se ensina e aprende-se ainda menos, mas, curiosamente, procura-se atalhar o mal estar evidente fugindo para a frente. Se os alunos aprendem pouco, aumenta-se a escolaridade obrigatória e o tempo diário passado dentro da escola, para poder mostrar aos países do norte da Europa que não somos tão preguiçosos como eles dizem! As orientações da política educativa mais recente, com destaque para as Aprendizagens Essenciais com Flexibilidade na Escola Inclusiva, vão todas no mesmo sentido de protelar, para as calendas gregas, a procura de soluções para os graves problemas da educação.
Mesmo acreditando na boa fé dos altos funcionários do ministério, é evidente que a solução para a regeneração do nosso debilitado sistema de ensino exige medidas de sentido oposto àquelas que prescrevem que o sucesso escolar será uma realidade ao alcance de todos quando acabarem com os exames e com a prerrogativa dos professores poderem avaliar negativamente os seus alunos.
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