domingo, 3 de fevereiro de 2019

Em memória de uma Colega, de uma Amiga

Maria Cristina de Almeida Mello, que academicamente se assinava como Cristina Mello, foi professora do ensino secundário, doutorou-se em Literatura Portuguesa pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Durante trinta anos aí investigou e ensinou Teoria da Literatura, Literatura Portuguesa, Literatura Contemporânea, Didáctica da Literatura, Ensino da Literatura.

Conhecemo-nos nessa Faculdade, quando leccionávamos, na formação inicial de professores, disciplinas complementares, ela de Didáctica, eu de Pedagogia. Adiámos e voltámos a adiar projectos que ligariam as duas áreas; conseguimos estar num que acabou por ir a avante.

Deixo o leitor com palavras que escreveu, palavras de alguém que se preocupou autenticamente com a educação, com os professores e, evidentemente, com os alunos. Ao transcrevê-las fico ainda com a sua voz.
"Por vezes não fazemos de modo diferente, porque não sabemos fazer. Mas se aqueles que, de entre nós, sentem a necessidade de operar uma inflexão no discurso dessorado sobre a falta de capacidades dos alunos puderem contribuir para a reflexão, certamente construiremos as condições para a mudança. 
Mas só poderemos pôr de pé um novo funcionamento do edifício educativo com o consórcio dos professores que estão no terreno, em parceria com profissionais do ensino superior.
Imagem recolhida aqui.
A todos cabe um papel fundamental na explicitação das necessidades de mudança e na construção de soluções que se coadunem com as realidades particulares (...). 
No entanto, apetece perguntar:quantos professores sentem hoje, em tempos de resistência ao pensamento problematizante, a necessidade de pensar questões como «para quê e como ensinar?» 
E quantos profissionais do ensino superior estão dispostos a dedicar algum do seu esforço para trabalhar com os professores do ensino básico e secundário? 
É urgente fazer-se alguma coisas nesse sentido, porque a investigação produzida na universidade e no politécnico tem enormes potencialidades para abrir caminhos (...) A acesa discussão sobre a falta de meios para fazer a diferença também serve, muitas vezes, como desculpa para que não nos demos ao trabalho de «arregaçar as mangas». 
Mas quem, na atmosfera de descoroçoamento em que vivem os professores, em que vivemos todos, sente o desejo de mudança? 
Num momento em que vivemos uma grande apatia profissional em virtude do descrédito da educação (o maior bem público das nações), talvez valesse a pena começar por nos interrogarmos acerca do alcance e das finalidades dos saberes, dos valores (...)." pp. 30-31. 
Mello, C. (2004). Paradigmas literários e ensino da literatura hoje. Vértice, n.º 120 (Novembro-Dezembro), pp. 22-38.

3 comentários:

Anónimo disse...

Cristina Mello, conforme nos é apresentada por Helena Damião, teve o grande mérito, na perspetiva de um professor descoroçoado do ensino secundário, como eu sou, de pôr o dedo na ferida da educação:
"No entanto, apetece perguntar:quantos professores sentem hoje, em tempos de resistência ao pensamento problematizante, a necessidade de pensar questões como «para quê e como ensinar?"
Assim inspirado, deixem-e atirar uma pequena pedra para as águas estagnadas do ensino atual nas
nossas escolas EB 1,2,3 + S + JI:
-Se o ensino escolar formal praticamente já não serve para nada, posto que saber tirar bem um cafezinho, com muita espuma, tem tanto valor académico como saber aplicar o teorema de Pitágoras - veja-se a filosofia das Novas Oportunidades !- e dado que o novo passo, já anunciado por um senhor reitor, será estender a escolaridade obrigatória e inclusiva à Universidade, como se poderá explicar aos humildes enfermeiros que eles continuam a ser profissionalmente diferentes de professores do ensino secundário e de médicos?! Evidentemente que, aos auxiliares de ação médica, bem como aos senhores das limpezas, atualmente já só faltam dois ou três anos de frequência de um curso superior politécnico, oficialmente reconhecido, onde nada aprenderão sobre a profissão que já exercem, para serem licenciados, assim podendo aceder, também, a todos os direitos e regalias atualmente reservados aos senhores doutores enfermeiros!
Não!...Se a escola não serve para os professores ensinarem e os alunos aprenderem, então haja a coragem de a transformar numa repartição pública de emissão a esmo de pseudo-diplomas científico-humanísticos!
Haja dinheiro!

Helena Damião disse...

Prezado Leitor Anónimo
A diferença que cada um faz na vida é, reconheçamo-lo e aceitemo-lo, muito pouca. Cristina Mello não fez, nem fará, tal como nós, grande diferença no sistema educativo. Mas, na dupla qualidade de investigadora e professora, teve, como diz, a coragem (que nela era serenidade) de pôr o dedo na (grande) ferida que é educação. Se o artigo em causa não provocar outro impacto que não seja o de nos interrogar, esse já é o bastante, eu diria, é o fundamental. Nem que tivesse apenas e só escrito o extracto que aqui publiquei, o seu trabalho académico já teria valido a pena: outros que a lerão, continuarão a interrogar-se.
Cordiais cumprimentos,
Maria Helena Damião

regina disse...

Drª Helena
Obrigada pela partilha de um texto tão lúcido.
Regina Gouveia

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...