segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Já saiu o meu livro: "A Arte de Criar Paixão pela Ciência"


O livro que acaba de sair na editora Guerra e Paz contém uma longa entrevista comigo feita pelo José Jorge Letria, Presidente da Sociedade Portuguesa de Autores. O livro integra-se numa colecção "O fio da memória" com entrevistas a autores e coube-me a honra de ser o primeiro autor de ciência. 

Transcrevo uma parte da entrevista em que falo do desenvolvimento da ciência em Portugal nos últimos anos;

JJL –  Eu sei que tem tido uma atitude empenhada, combativa e criativa relativamente à divulgação científica e, também, ao modo de encarar as soluções alternativas que, por vezes, se querem sobrepor à ciência. Estou a falar das medicinas alternativas e disso tudo.

CF – Portugal mudou muito depois de 1974 e mudou mais depois da entrada nas Comunidades Europeias, em 1986. E, puxando a brasa à minha sardinha, mudou ainda mais a partir de 1995, quando se criou o Ministério da Ciência e Tecnologia, cujo primeiro titular foi o José Mariano Gago

Eu não sei se foi bem ou mal-usada a maior parte do dinheiro europeu que entrou em Portugal. Nalguns casos, tenho fortes dúvidas se terá sido bem usado. Mas houve um sector em que ele foi bem usado: na formação avançada de pessoas, que era absolutamente necessária. Esses meios permitiram, e é um sucesso indiscutível da nossa democracia, uma mudança completa nas estatísticas da formação de pessoas, aproximando-nos rapidamente dos níveis europeus. Nós, neste momento, ultrapassámos as médias europeias nalguns índices da ciência, designadamente na formação de novos doutores, e, se dividirmos o número de pessoas que formamos com o grau de doutor pelo total da população, verificamos que estamos num lugar muito bom na União Europeia. E essas pessoas publicam. Se considerarmos o número de publicações científicas por habitante, estamos posicionados entre a Alemanha e o Reino Unido. Construímos um sistema de ciência e tecnologia onde ele não existia ou, existindo, era bastante débil.

 Quando eu me doutorei, no ano de 1982, doutoraram-se 130 portugueses, dos quais cerca de 50 por cento, como foi o meu caso, se doutorou lá fora, sendo preciso um reconhecimento nacional, uma equivalência cá dentro. Eu tive um júri em Coimbra que aprovou a minha tese de doutoramento sem saber uma só palavra de alemão, que era a língua em que a tese estava escrita. Nenhum membro do júri sabia alemão, mas teve de se reunir para apreciar a tese e escrever uma acta. E depois falam dos alemães que têm a mania das regras e da burocracia… Hoje em dia, formam-se cerca de três mil novos doutorados por ano e cerca de 80 por cento deles faz o doutoramento cá dentro. É uma diferença da noite para o dia, houve uma explosão, um «Big Bang», da ciência entre nós, com um enorme aumento da nossa capacidade científica.

 Tudo isso se deve, em grande parte, à entrada, como político, do nosso amigo Mariano Gago. Foi um grande choque, para mim, quando ele morreu, pois era uma pessoa não só extremamente inteligente, como muito hábil do ponto de vista político. Já agora, devo dizer que ele teve o forte apoio político do primeiro-ministro António Guterres na fase difícil de arranque do seu projecto. Eu li uma entrevista antiga do Guterres, onde ele dizia qualquer coisa como isto: «Eu gostava de ter sido cientista. No Instituto Superior Técnico, tinha boas notas e o que eu queria era fazer Física. Mas fui para a política e lá fiquei…» Estando na política, Guterres ajudou a ciência de que ele gostava. Ele e o Mariano Gago promoveram um processo de crescimento da ciência que foi interrompida pela crise e pela intervenção da troika. Portugal já teve 1,6 por cento do PIB dedicado à ciência e desenvolvimento e, neste momento, é apenas 1,3 por cento, um valor estável há alguns anos, que está bem abaixo da média europeia.

 Coisa curiosa, o número de novos doutorados em cada ano nunca diminuiu, apesar da troika, o que significa que as famílias não se importam de pagar a formação avançada, reconhecendo o valor da ciência. Mesmo não havendo tantas bolsas – o número de bolsas caiu muito –, as pessoas continuaram a fazer doutoramentos. A maior parte dos novos doutorados é actualmente em ciências sociais e humanas. A expansão da ciência começou por ser nas ciências exactas e naturais e, neste momento, é nas sociais e humanas. O crescimento destas representa o reconhecimento de que também são ciências, ramos do conhecimento, que importa cultivar.

 O Mariano Gago percebeu que a ciência não poderia crescer, progredir, o que exigia uma maior fatia do orçamento, se não estivesse mais presente na sociedade, o que significa maior compreensão pública da ciência. Ele disse-me isso uma vez, quando o visitei no seu gabinete do Terreiro do Paço, mas era óbvio. Ele conseguiu montar um sistema – baseado na Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) – para assegurar e sustentar o crescimento científico-tecnológico, mas fez ao lado uma outra agência, chamada Ciência Viva, para promover a cultura científica e tecnológica entre a população. Ele disse-me: «Ó Carlos, vê lá se ajudas nisto.» E não era preciso ele pedir para eu o ajudar, aliás, nós entendíamo-nos bem sem falar. Não era preciso falar muito. Quando ele me dizia qualquer coisa, escusava de acabar uma frase, que eu já tinha percebido e espero que o mesmo tenha acontecido ao contrário. Portanto, o que é que eu fiz? Houve um esforço meu, que acresceu ao de muitos colegas, no sentido de promover a ciência na sociedade, um esforço que tem de ser continuado e, por isso, continua agora, honrando a memória do José Mariano Gago.


2 comentários:

Anónimo disse...

Ser Doutor em ciências sociais e humanas não é precisamente igual a ter um doutoramento em Física Nuclear!
No século XVII, Portugal tinha muitos poetas que cultivavam o gongorismo fútil e ridículo, enquanto por essa Europa fora irrompia uma revolução científica de que nos vimos arredados, porque "os políticos" da época serviram-se da Santa Inquisição para impor brutalmente uma maneira única de pensar!
Assim, neste primeiro quartel do século XXI, não é com a massificação dos doutoramentos - numerosíssimos, por exemplo, na área das "ciências" da educação, com teses em Supervisão Escolar, ou em Desenvolvimento Curricular e Aprendizagem, que viriam a dar origem a cadeiras universitárias, como as que eu tive de frequentar para ser licenciado e mestre, cuja lecionação por Professoras Doutoras me proporcionaram algumas das gargalhadas mais sonoras da minha vida - que se continuará a verificar um grande desenvolvimento da Ciência em Portugal!
As universidades privadas, como aquelas onde o Sócrates, o Vara e o Relvas se “licenciaram”, no domingo, por equivalência, ou os institutos politécnicos, têm tanta legitimidade para conferirem doutoramentos a granel como as Clássicas de Lisboa, Porto e Coimbra.
Se o ensino livresco não nos abriu as portas das carruagens de primeira classe do Comboio da Ciência, não é a pedagogia do aprender a aprender que nos vai ensinar a dar um grande salto em frente!

Rui Baptista disse...

Subscrevo integralmente este comentário por pôr o dedo na ferida das facilidades actuais em comprar e vender doutoramentos anunciados na Net.

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