Com a devida vénia, transcrevo o introdução do escritor José Jorge Letria, Presidente da Sociedade Portuguesa de Autores, a um livro que acaba de sair na editora Guerra e Paz, que contém uma entrevista que ele me fez em Maio passado. Claro que agradeço as considerações que faz a propósito do meu trabalho, que são decerto exageradas:
Carlos Fiolhais é um comunicador envolvente e entusiástico que não esconde a admiração profunda que, desde cedo, nutre pela obra e pela vida de Albert Einstein, judeu alemão galardoado com o Prémio Nobel da Física e uma das personalidades mais marcantes e influentes do século xx.
Falando do criador da Teoria da Relatividade, o físico teórico português, que nasceu em Lisboa e estudou em Coimbra e em Frankfurt, na Alemanha, não hesita em associar a sua indiscutível genialidade à curiosidade apaixonada que sempre caracterizou a sua relação com a ciência, a vida e o mundo.
Para Carlos Fiolhais, o génio é precisamente o fruto luminoso dessa curiosidade apaixonada que um cientista nunca deve deixar de ter e que lhe abre as portas para grandes descobrimentos e revelações, por vezes em momentos de verdadeiro assombro. De resto, falar de
Einstein, falecido nos Estados Unidos, onde viveu, investigou
e ensinou, é também falar da importância que ele
atribuía à imaginação, apontada como um dos traços
mais marcantes da nossa tão contraditória, mas sempre
fascinante humanidade.
Tal como Einstein, Carlos Fiolhais, um apaixonado
por livros e pelos debates que envolvam o confronto de
grandes ideias, nunca deixou ou deixará de ser um
curioso apaixonado que, como outros bibliómanos, não
se importa de comprar duas vezes ou mais o mesmo
livro, só para poder ter o prazer de o reencontrar e reler,
o que lhe acontece com frequência nas muitas livrarias
que frequenta em Portugal e no mundo, gostando de
apontar para a mochila que o acompanha e onde guarda
as suas mais recentes «descobertas». Não por acaso, foi
director da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra,
que alberga a Biblioteca Joanina.
Nasceu em Lisboa, na Maternidade Alfredo da Costa,
onde veio ao mundo a grande maioria dos actuais lisboetas.
Vem de uma família modesta com raízes no Norte.
Gostou de viver nas proximidades do Tejo, com vista para
as águas do rio e para os monumentos da zona de Belém.
Tinha vocação para desenhar e pintar, mas foi inclinação
que não aprofundou, embora mantenha uma grande
admiração pelo trabalho de grandes pintores, designadamente os expressionistas alemães, cujas obras pôde ver em museus enquanto se doutorava na Alemanha.
A actividade do pai como militar da GNR levou-o a mudar-se com a família para Coimbra, onde fez o liceu e se licenciou em Física. Tem outro irmão com a mesma licenciatura e outro com o curso de Direito. Viveu de forma intensa e apaixonada o período revolucionário do 25 de Abril, mas nunca deixou de se assumir como independente, com ideias claras e livres sobre tudo aquilo que o envolve e o desafia.
Também podia ter sido jornalista se não fosse um prestigiado académico. Fez jornais e continua a colaborar no espaço da comunicação escrita, sobretudo por ser um comunicador apaixonado e por gostar de ver o efeito da partilha das ideias que ajudam a mover o mundo e a transformar a vida. Escreveu numerosos livros, entre os quais Física Divertida e Nova Física Divertida. Dirige a colecção «Ciência Aberta» da Gradiva.
Apesar de ser um independente convicto e assumido, apoiou as candidaturas de Jorge Sampaio e de António Sampaio da Nóvoa à Presidência da República e também a candidatura do ex-bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, à Câmara de Coimbra, cidade que gostava de ver mais moderna, dinâmica e criativa.
Confessa a sua admiração por José Mariano Gago, ministro durante doze anos e cientista, cuja obra e acção como decisor político e defensor da ciência muito
admira, lamentando a sua morte prematura.
Também faz questão de referir António Manuel Baptista,
físico e professor como ele, grande comunicador e
cooperador da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA),
pelo exemplar trabalho de divulgação científica feito
durante anos e anos na rádio e na televisão em Portugal.
Esse tipo de intervenção deveria ser continuado e reinventado.
Carlos Fiolhais, que viveu na Alemanha rigorosa e
disciplinada, onde se trabalha com exigência, concorda
com a necessidade de um espaço na televisão em Portugal
em que se possa abordar temas da ciência com rigor
e profundidade, mas também com imaginação e participação.
Hão-de surgir oportunidades nesse sentido.
É também conhecida a sua prontidão para denunciar
as manifestações de falsa ciência que tão expandidas se
encontram em livros, jornais, revistas e também noutros
espaços mediáticos de grande consumo, como a televisão
e a Internet. Para ele, a ciência é e deve ser de todos,
já que só ela está, de facto, em condições de encontrar
respostas que podem prolongar e melhorar as nossas
vidas.
O seu grande poder de comunicação fortalece o
modo como se bate por ideias que considera justas e
inadiáveis. Uma delas é de que o Acordo Ortográfico não tem razão de ser e deve tornar-se, com urgência, um capítulo encerrado na vida nacional.
Também não se importa de falar de futebol. É adepto da Académica e tem um filho assumidamente portista. Atento às coisas da vida e do mundo, não deixa que nenhum tema lhe seja estranho. O seu sentido da contemporaneidade é panorâmico e abrangente. É daltónico, mas gosta de ver o mundo com todas as cores, incluindo as cores que a imaginação lhe faculta.
Foi condecorado com a Ordem do Infante D. Henrique, por Jorge Sampaio, e não tem qualquer dificuldade em assumir-se como autor, um autor que continua sempre a escrever em nome daquilo que sabe e daquilo em que acredita.
Conversar com Carlos Fiolhais, homem de ciência e de cultura, que nunca foi dado à acomodação e à resignação, é um exercício apaixonante dado o seu apelativo poder de comunicação. Conversámos longamente sobre a sua vida, o seu trabalho e a visão que tem deste tempo e do nosso mundo, sempre com a serena convicção de que a ciência deve marcar o rumo e estar sempre ao nosso alcance, para nos dar respostas e nos levar a fazer novas perguntas, mesmo as mais inesperadas e inquietantes. Com Carlos Fiolhais, livre e intensamente contemporâneo, o diálogo e o debate tornam-se uma festa, como festa é também a referência entusiástica que ele faz a Einstein e à mudança que ele protagonizou para a
ciência e para a humanidade.
Lisboa, 30 de Junho de 2018
José Jorge Letria
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