quinta-feira, 18 de outubro de 2018
Sobre os rótulos dos alimentos: algumas reflexões sobre uma palestra pedagógica
O meu filho teve na escola uma palestra da DECO sobre como decifrar rótulos. Muito bem, pensei! Haver um rótulo é muito bom pois há imensas coisas que não têm rótulo e não sabemos o que está lá. Só não imaginava era que além de informações úteis também serviu para reforçar os lugares-comuns e mitos, uma boa parte inexactos ou mesmo errados, que circulam actualmente. Não sei se a palestra foi bem assim, mas o resultado prático foi esse. Dou alguns exemplos.
O meu filho começou por referir os “truques”. Por exemplo usar vários nomes para açúcares, como dextrose, sacarose, fructose, etc. e assim parecer que os alimentos têm menos açúcar. Não se trata, em geral, de um truque: alguns alimentos têm mesmo vários tipos de açúcares, ou poderá ser um esforço para criarem produtos mais próximos da “composição natural.” Não vi o rótulo em causa, mas isso acontece naturalmente se o produto incluir cereais e frutas, por exemplo. Para contrariar esse “truque” penso que é obrigatório, actualmente, referir o teor total de hidratos de carbono e de açúcares.
Outro “truque” será usarem doses irrealistas nos cálculos nutricionais. Por exemplo indicar 30 g como dose recomendada para cereais de pequeno-almoço ou batatas fritas, quando as pessoas em geral comem muito mais do que essa dose. Sem querer parecer cínico, não são os fabricantes que dizem às pessoas para comerem mais do que a dose recomendada, e, se comem a mais, podem re-calcular os valores nutricionais. É muito importante que se refira esta questão e que se eduquem as pessoas em relação a este aspecto fundamental, mas chamar-lhe um “truque” está ao nível da má-fé que se atribui aos fabricantes. E já agora: não existem aditivos “mágicos” especificamente para tornar os produtos alimentares viciantes e as pessoas comerem mais. O que se passa é que nos tornámos “doidos” por açúcares, gorduras e salgados, por proteínas ligeiramente tostadas e aromas específicos como o da carne assada ou fumada, baunilha e morango, etc. algo que os fabricantes, como a McDonalds, Burger King, Coca Cola, Pepsi, Nestlé, etc. exploram com sucesso, mas que, felizmente, vai tendo cada vez mais controlo e preocupação nutricional tanto pública como interna.
Em seguida o meu filho referiu os “truques” dos “produtos light.” Podem ter menos uma das coisas problemáticas, por exemplo gorduras, mas nada impede que tenham mais das outras, como sal ou açúcares. Essa informação é relevante e deve ser ponderada pelos consumidores, claro. Entretanto, o principal “truque” dos produtos light é serem um excelente negócio. Por exemplo, vende-se manteiga com menos 30% de gordura e mais 30% de água, que é muito mais barata, por um preço que pode ser 30% mais alto!
Finalmente, a cereja no cimo do bolo: contribuir para a desconfiança em relação aos aditivos E. “Mas não é mau ter És!?”, pergunta o meu filho. Não, digo eu, em geral são compostos que são adicionados para uma função útil, como conservar. “Mas de quem é o interesse disso? Da indústria!” Sim, mas os consumidores esperam que os produtos não se alterem ou deteriorem rapidamente e que não se tornem perigosos para a saúde. Todos esses És de que as pessoas desconfiam de forma desnecessária têm um controlo muito apertado e são, em geral, produtos naturais. A designação E está relacionada com ser adicionado e não com a origem ou a forma de produção. Por exemplo a vitamina C, ácido ascórbico, é o E-300 que e é um anti-oxidante, mas pode também aparecer com outras funções. Por exemplo no pão pode aparecer como "agente modificador da farinha." Podem dar-se muitos outros exemplos de aditivos fundamentais para a qualidade e valor nutricional dos alimentos.
“Mas não há És desnecessários ou que causem alergias?” podemos perguntar. Sim, alguns, como os corantes e aromatizantes, poderiam não ser precisos e, outros, para um pequeno grupo de pessoas, são suspeitos de causar alergias. No primeiro caso são os consumidores que os preferem assim: coloridos e com sabor ou aroma a algo reconhecível. Por exemplo, uma gelatina ou um rebuçado coloridos com aroma de morango em vez de uma gelatina ou rebuçado sem cor e sem sabor. Embora atractivos, esses produtos podem perfeitamente ser evitados. Devemos educar os jovens para que os evitem e ninguém é obrigado a comprá-los.
Quanto a poderem causar alergias: se for comprovado que as causam, os aditivos serão naturalmente retirados do mercado (como já aconteceu). De notar que essa possibilidade de alergias devidas a aditivos nada tem que ver em termos de risco potencial com aquelas alergias graves que algumas pessoas podem ter a alguns frutos secos, risco esse que deverá ser claramente indicado nos rótulos.
Finalmente, não é saudável tratar a indústria alimentar como potenciais vigaristas que nos querem enganar. E se alguma indústria pode parecer assim, ou se já o foi no passado, não quer dizer que o seja agora, ou que não tenha mudado de atitude. Felizmente, actualmente, existe um conjunto de regras muito apertadas que a indústria tem que cumprir e a opinião pública, para a qual a DECO contribui, é muito forte e vigilante. Ser alvo de campanhas negativas ou de desconfiança é um dos grandes receios destas indústrias. Por isso, a indústria tem códigos de conduta e mecanismos de controlo interno muito estritos, quanto a segurança e qualidade, mas também em relação à transparência.
O cepticismo é saudável e devemos ser críticos, mas passar da credulidade inconsciente para a confiança na desconfiança cega não é boa ideia. Devemos refectir sobre tudo o que nos dizem, tanto a indústria como os seus críticos, e, em particular, o mercado do "saudável" e do "sem químicos" deve ser alvo do nosso juízo crítico. Há alguma razão lógica para confiarmos mais em quem nos diz para desconfiarmos?
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