quinta-feira, 15 de março de 2018

STEPHEN HAWKING (1942-2018)


Meu artigo no Expresso on-line de ontem:


Era um dos cientistas mais conhecidos do grande público. Foi, de facto, um dos grande nomes da física, alguém que nos fez avançar em questões da astrofísica como os buracos negros, os sítios onde o espaço e o tempo acabam, e o Big Bang, que é uma espécie de grande buraco branco, pois aí o espaço e o tempo começam. Propôs a ideia de que os buracos negros podem afinal não ser negros, por poderem irradiar, uma ideia ainda não confirmada.  Essa previsão de Hawking foi baseada numa união, ainda que limitada, da teoria da relatividade geral de Einstein com a teoria quântica de Planck, Einstein, Bohr e outros. Uma teoria completa desse género, que é chamada “teoria de tudo”, o título de um filme inspirado na vida de Hawking, continua a ser um dos sonhos dos físicos.

Mas, infelizmente,  Hawking ficou sobretudo conhecido não tanto pela sua eficiência como físico mas pela sua grave deficiência física. Os médicos detectaram-lhe uma doença neurológica rara e fatal – a ELA, Esclerose Lateral Amiotrófica, que entre nós vitimou José Afonso – quando ele tinha 21 anos. Disseram-lhe que viveria no máximo mais 5 anos. Contrariando todas as probabilidades – o caso dele é raríssimo!- viveu mais 55 anos. Hawking é um exemplo para todos nós de resistência à adversidade. Tinha um cérebro muito capaz num corpo incapaz. A par de uma vida científica intensa (publicou numerosos artigos, correu o mundo em conferências e formou vários discípulos) teve uma vida familiar e social normal, tanto quanto se pode ser normal vivendo numa cadeira de rodas e só podendo falar com o auxílio de um computador (casou duas vezes e teve três filhos). Hawking ensina-nos que o cérebro pode ganhar ao corpo: é possível conhecer o grande Universo ainda que os nossos sentidos nos falhem.

Talvez por uma questão de necessidade (tinha de pagar às enfermeiras que o assistiam em permanência), o astrofísico britânico virou-se para a comunicação científica. O seu livro “Breve história do tempo” (publicado em Portugal na colecção Ciência Aberta da Gradiva) vendeu mais de 25 milhões de cópias em todo o mundo, traduzido como foi em várias línguas. A esse seguiram-se vários outros livros, incluindo uma autobiografia (“A minha breve história”) e  livros juvenis escritos com a filha Lucy. O seu aparecimento em séries de televisão e no cinema deu-lhe uma fama, que ele aproveitou para aumentar o interesse pela ciência à escala global.

Foi uma voz ética da comunidade científica. Uma das suas últimas aparições foi em vídeo na Websummit em Lisboa, alertando para os perigos da inteligência artificial. Hawking esteve entre nós não apenas em vídeo mas também ao vivo: logo em 1963, o ano em que se declarou a doença, quando ainda era estudante esteve na capital portuguesa num congresso da Gulbenkian, onde ainda se debateu se a teoria do Big Bang estava certa. Em 2014 voltou a Lisboa já reformado da sua cátedra de Cambridge, a mesma que foi ocupada por Newton, como um vulgar turista: passeou pela Baixa e provou os pastéis de Belém. No mesmo ano esteve na Madeira, onde voltou em 2016. Simpaticamente declarou com a sua voz metalizada: “O universo é grande com locais como este.”

Existem mesmo coincidências, ao contrário do que está no título de um romance popular.  Hawking nasceu em 8 de Janeiro, data de aniversário da morte de Galileu (exactamente 300 anos depois, como ele gostava de lembrar) e morreu a 14 de Março, data de aniversário de Einstein (exactamente 139 anos depois). Newton disse que se viu mais longe foi porque estava aos ombros de gigantes. Pois o seu sucessor em Cambridge também viu mais longe aos ombros de Galileu, Newton e Einstein. Outros virão a seguir a ele, talvez inspirados por ele, que verão ainda mais.

5 comentários:

regina disse...

Caro Professor
No meu blogue presto também uma modestíssima homenagem a Hawking. Foi "postada" ontem mas hoje já lhe adicionei uma referência a este texto. Nos dados que colhi, para a data do falecimento encontrei os dias 13 e 14, talvez um problema de fuso horário. Também, ao tentar confrontar os dados de nascimento e morte com os dados relativos a Newton e Einstein, divulgados na comunicação social,encontrei, para o falecimento de Newton, a data de 31 de março. Não que isso seja relevante mas, de qualquer forma, gostaria de saber ao certo quais as datas corretas.
Obrigada desde já
Regina Gouveia

Anónimo disse...

"Breve história do tempo" é uma das melhores obras de divulgação científica que tive a oportunidade de ler. Terá para sempre um lugar de destaque entre os livros que guardo numa bonita estante de parede com portas de vidro.

Anónimo disse...

A propósito de coincidências: Hawking morreu no dia do "pi".
Quanto ao "romance popular", talvez seja um favor do Sr. Professor à autora!

regina disse...

No meu comentário onde referi Newton, queria dizer,obviamente Galileu

Anónimo disse...

"Breve história do tempo" é uma obra-prima, que alia à elegância de um estilo literário despojado de rodriguinhos, uma clareza científica mais límpida que água pura a brotar brota da fonte, pelo que a sua classificação simplista de "recomendado", no Plano Nacional de Leitura, deixa ao livre-arbítrio de cada professor e de cada educador de infância a decisão de usar, ou não, em sala de aula uma ferramenta didática indispensável no ensino/ aprendizagem da Origem e Evolução do Universo, que o génio de Stephen Hawking nos legou.
Em qualquer país minimamente civilizado, do centro ou norte da Europa, "Breve história do tempo" seria o manual básico de leitura, tal como foi, em Portugal, a Cartilha Maternal de João de Deus, por onde aprenderam a ler sucessivas gerações de portugueses!

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