segunda-feira, 26 de março de 2018

STEPHEN HAWKING (1942-2018)


Minha crónica no último "As Artes entre as Letras", revista cultural do Porto:


Faleceu no dia 14 de Março Stephen Hawking, o astrofísico britânico que nos deixou contributos originais sobre alguns dos maiores mistérios do Universo: o início de tudo (Big Bang) e o fim de tudo (buracos negros) e também um dos mais bem sucedidos divulgadores de ciência do nosso tempo, tendo contribuído como poucos para a educação científica global.

No domínio mais estritamente científico, Hawking propôs uma ligação entre a teoria da relatividade geral de Einstein, que descreve tanto o Big Bang como os buracos negros, e a teoria quântica de Planck, Einstein, Bohr, Heisenberg e Schroedinger. Essas teorias, surgidas ambas no início do século passado, assentam em pressupostos diferentes e têm objectos distintos: a teoria da relatividade geral visa descrever o fenómeno da força da gravidade, em particular as suas manifestações em grande escala no Universo ao passo que a teoria quântica visa descrever o mundo em pequeno escala, a escala das partículas fundamentais, núcleos atómicos, átomos e moléculas, um mundo onde a força da gravidade não desempenha papel relevante. Mas, no início do mundo, de acordo com a teoria do Big Bang, segundo a qual o Universo está em expansão desde o seu primeiro instante, o grande era pequeno, pelo que deve haver uma teoria unificada, isto é, uma teoria que combine a teoria da relatividade geral com a teoria quântica. Teorias desse género são vulgarmente designadas de “teorias de tudo” e as “teorias de cordas” ou “de supercordas” enquadram-se nessa categoria. Sem ter chegado ele próprio a uma teoria completa desse género, Hawking juntou alguns ingredientes da teoria quântica à teoria da relatividade geral, tendo chegado a uma conclusão assaz paradoxal. Os buracos negros, as estrelas extremamente densas que atraem tudo à sua volta incluindo a luz, poderão afinal, graças a efeitos quânticos, emitir radiação, feita de partículas ou de luz. Portanto, os buracos negros podem afinal não ser negros. E mais: em vez de aumentarem constantemente a sua massa por tudo “engolirem” poderão “evaporar”, encolhendo ao longo do tempo. Contudo, essa previsão de Hawking não foi até hoje confirmada pela observação astronómica, existindo até bons motivos para esse défice de evidência: para os buracos negros cuja massa é de algumas vezes a massa do Sol essa radiação é insignificante. Sobra o caso hipotético de miniburacos negros, buracos negros muito pequenos eventualmente formados no Big bang. Mas esses já se podem ter evaporado completamente...  

Por outro lado, e em paralelo com a sua carreira científica, Hawking desenvolveu uma carreira de divulgador de ciência. É paradoxal que um cientista sem voz, devido a uma doença neurológica progressiva que se manifestou aos 21 anos, se tenha tornado num dos maiores comunicadores de ciência. Numa fase mais avançada da ciência, o astrofísico só podia comunicar por um meio de um sistema electrónico que fazia soar uma voz robótica com sotaque americano. Stephen Hawking conseguiu alcançar um êxito global através de livros, de filmes e, claro, da Internet. A sua obra principal é Breve História do Tempo. Do Big Bang aos buracos negros, que é considerado o livro de ciência mais popular de todos os tempos por terem sido vendidas, em mais de 50 línguas, mais de 20 milhões de cópias. Em Portugal foi publicado pela Gradiva em 1988, no mesmo ano em que saiu em Inglaterra, como n.º 27 da colecção Ciência Aberta, tendo sido um dos livros mais vendidos dessa colecção. Estando esgotada a primeira edição, está à disposição do público português uma versão ampliada deste livro que é comemorativa do 10.º aniversário do aparecimento da obra (Gradiva, 2000), existindo também uma edição de capa dura em bom papel e ricamente ilustrada (Gradiva, 1996). A partir do livro original foi ainda preparada pelo autor, em colaboração com o físico Leonard Mlodinow, uma versão mais curta, intitulada Brevíssima história do tempo (Gradiva, 2007). Hawking não morreu no sentido em que o podemos encontrar nestes e noutros seus livros, entre os quais devem ser destacados os dois mais recentes: O grande desígnio (Gradiva, 2011, escrito em colaboração com Mlodinow), onde actualiza alguma da informação que tinha sido dada em Breve História do tempo, e A Minha Breve História (Gradiva, 2014), que como o próprio nome indica é uma autobiografia pouco extensa.  

Os leitores mais jovens podem aprender com Hawking nos cinco livros que a sua filha Lucy escreveu com ele e que entre nós estão publicados pela Presença: A Chave Secreta para o Universo (2008), Caça ao tesouro no espaço (2009), George e o Big Bang (2012), George e o código secreto do universo (2017) e George a Lua Azul (2017).

E acrescem ainda vários filmes sobre a obra e a vida de Hawking. Na primeira categoria é de salientar A Brief History of Time, de Errol Morris, de 1992, um documentário contendo depoimentos de várias pessoas que nunca estreou entre nós em salas comerciais mas que pode ser encontrado no youtube na íntegra, e nos segundos A Teoria de Tudo, do realizador britânico James Marsch, que estreou em 2014 e que deu em 2015 um óscar de melhor actor ao também britânico Eddie (Edward) Redmayne. Este último filme é baseado na obra biográfica da primeira mulher do cientista, Jane Hawking (nascida Jane Wilde), intitulada Viagem ao Infinito (Marcador, 2015). De facto, o enredo deste filme, embora baseado no livro, é bastante romanceado, de modo a reforçar o interesse cinematográfico. As apreciações do filme foram bastante favoráveis, tendo essa obra artística contribuído para a expansão da fama de Hawking.

Na Internet, a fama de Hawking está desde há muito em expansão. Colocando “Stephen Hawking” no Google encontra-se um total de 84,7 milhões de resultados, o que excede o resultado para “Albert Einstein”, que é apenas de 64,6 milhões. Assim, se o lugar cimeiro de Einstein na história da ciência não foi de modo nenhum arredado por Hawking, já o seu lugar na ribalta dos media terá sido ultrapassado. Stephen Hawking prestou um enorme serviço à ciência ao afirmar-se como um extraordinário comunicador de ciência. Através da sua figura icónica, a ciência – as grandes questões sobre o Universo e o método para as enfrentar – chegou, neste canto do Universo, a muito mais gente.

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