Resumo da minha próxima conferência no IAC, em Angra do Heroísmo:
Fernando Pessoa, sob o heterónimo de Álvaro de Campos, escreveu em 1935 um poema sobre a relação entre a ciência e a arte: "O binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo. / O que há é pouca gente para dar por isso". Esta separação é o famoso problema das “duas culturas”: o cientista e escritor inglês Charles Snow notaria em 1959 que desconhecer a segunda lei da termodinâmica equivalia a desconhecer Shakespeare.
Contrariando esta separação, serão dados vários exemplos de encontros entre a ciência e a literatura, em verso e em prosa, incluindo não só grandes nomes do cânone português como, além de Pessoa, Luís de Camões, Eça de Queirós e Camilo Castelo Branco, mas também autores nacionais mais recentes como António Gedeão, Gonçalo M. Tavares e Adília Lopes. Será dada particular atenção a escritores açorianos como Antero de Quental e Vitorino Nemésio. O primeiro é, por exemplo, autor de um notável soneto intitulado “Evolução”, marcado pela perspectiva darwinista, e o segundo de vários poemas, incluídos no livro “Limite de Idade”, claramente influenciados pela física e biologia modernas.
A conclusão será que ciência e literatura têm mais pontes do que normalmente se crê. A literatura alimenta-se, por vezes, da ciência. Sem a ciência algumas das grandes páginas da literatura não teriam sido possíveis. E, em contrapartida, como mostra a concretização de algumas utopias da ficção científica, a ciência também por vezes se alimenta da literatura. Como disse o biólogo Thomas Huxley; “Ciência e literatura não são duas coisas diferentes, mas dois lados da mesma coisa”.
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3 comentários:
A literatura (da poesia ao ensaio, passando pelo romance e pela profecia, adivinhação, ladainha, canção, fado, escárnio, maldizer, drama de faca e alguidar, relatos, de viagens, de todo o tipo de crónicas e de policiais, até às orações e sermões e elogios...)permite uma expressão verbal, praticamente sem limites, de todo o tipo de representação ou signo, sem condicionamentos de lógica, sentido, significado, noção, conceito, moral, licitude, virtude, respeito, dever, etc. À literatura nada é vedado, nem a invenção, nem a mentira, nem a verdade, sobretudo aquela verdade em que tanto se vive, que é uma verdade feita de falsidades, hipocrisias e mentiras. Na minha biblioteca de filosofia e de ciência e mesmo de uma grande parte da literatura (bem comportada) é tudo tão convencional, tão conceitual, tão voltado para o objeto que pouca diferença faz ler um livro escrito há mil anos ou um acabo de sair. Dá a impressão de que a vida e a história, as traições, as trapaças, o assédio, o incesto, as vigarices, os roubos, as violações, as escravaturas, as guerras ocultas, os ódios inconfessáveis, os fantasmas invencíveis que atormentam até os mais esclarecidos filósofos e cientistas, as verdadeiras dores e misérias humanas, da guerra e da discriminação que tantas pessoas sofrem...dá a impressão de que nada disso acontece. Tudo é transformado em conceito abstrato, ou seja, em nada mais do que ideia.
A literatura pode, e muitas vezes tem-no conseguido, "falar" da vida como ela é, sem estar subjugada sequer a qualquer dever de "falar" e, menos ainda, de "falar" como deve ser.
Tudo é susceptível de ser utilizado, tocado, tratado ou maltratado, incorporado, atacado, "destruído", pela literatura, que pode ser usada como arma impiedosamente letal de religiões e de costumes e, quantas vezes, de pessoas já mortas, ressuscitando-as em memórias para as poder matar as vezes que for preciso...
Na minha biblioteca de filosofia e de ciências só alguns livros de literatura me falam da verdadeira vida e do pensamento e das ideias e dos fantasmas, dos medos e das tormentas e das injustiças irremediáveis, da dor que impede os humanos de serem felizes e da grandeza, da magnanimidade daqueles que, apesar de tudo, garantem, com o seu trabalho e a sua virtude e o seu talento, a vitória da vida sobre a morte e do bem sobre o mal. Ela denuncia as podridões e os heroísmos dos justos, ela nos mostra o verdadeiro rosto por trás das máscaras, despertando-nos de ingenuidades perigosas e inocências fatais, chamando as coisas pelos nomes...porque as palavras são, quase sempre, a única arma de que dispomos no conflito interminável com os demónios e os deuses e também é com palavras que podemos construir as nossas asas e as nossas praças fortes, os nossos tribunais e os nossos paraísos de procura e encontro de sentido para os problemas...
A literatura mostra, patenteia, ostenta, incorpora pelas palavras tudo o que quiser e puder a imaginação do escritor. Muitas vezes até faz um aproveitamento desmesurado da importância de certos assuntos, acontecimentos, realizações, artes, monumentalidades, indo buscar brilho ao próprio objeto. Muitos livros de notáveis escritores são constituídos em 90% de "materiais" artísticos, ou potencialmente estéticos, alheios, seja o convento de Mafra, sejam as personagens bíblicas...
Um homem com a sua ciência e a sua filosofia pode não precisar de uma religião, mas precisa de literatura para sair do deserto.
A Termodinâmica, bem estribada como está nos dados da experiência, é uma teoria científica muito sólida, mas é muito difícil de apreender pela maioria das pessoas, das quais eu sou um bom exemplo, porque quando tentei estudá-la não a compreendi e, presentemente, no meu dia a dia profissional, finjo que a ensino a quem também não a entende!
"Romeu e Julieta", sendo uma linda fantasia, não encaixa bem nas teorias científicas, a não ser no pormenor do veneno mortal que tem a ver com a química, mas faz emocionar a maioria das pessoas, porque é uma história de amor!
Na subida à montanha do conhecimento humano, os cientistas preferem a vertente do material, onde há muitos caminhos de pedras, e os escritores a vertente do espiritual, onde se pode pairar acima das experiências físicas que, por vezes, são muito rudes.
Para ser mais objetivo, diria que jamais haverá uma teoria científica capaz de definir o que são o bem e o mal!
Não se apoquente por ensinar o que não sabe a quem não entende - acontece mais frequentemente do que se imagina. De resto, só aprendemos, não é coisa fácil ensinar, principalmente se o ouvinte tem outros interesses e prioridades que não o assunto da aula. Lembro-me de um professor que, a meio de uma exposição, fez uma longa pausa que deixou os alunos estupefactos um longo período, dizendo, quando quebrou o silêncio - Há vinte anos que ensino isto e só agora é que percebi.
Não se apoquente igualmente com o bem e o mal que são de carácter normativo, não da área científica!
(Já o imagino a dizer que discorda, que o bem e o mal são valores absolutos [??])
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