quinta-feira, 22 de março de 2018

PENSAR COMO UM MACACO



Meu artigo de opinião, publicado hoje no diário "As Beiras”:

     “Sente-se perdido na sua própria abundância. Com mais meios, mais saber, mais técnica do que nunca, afinal de contas o mundo actual  vai, como o mais infeliz que tenha havido, puramente à deriva”-  Ortega y Gasset.

Reporto-me ao texto intitulado “Em defesa da Gramática: Vargas Llosa  contra linguagem da Net”, publicado no “Expresso” (30/04/2011). Numa espécie de libelo civilizacional  escreveu este festejado literato:
“Os jovens que abreviam palavras nas redes sociais e nos SMS ‘pensam como macacos’, considera o escritor peruano Mário Vargas Llosa. O Nobel da Literatura de 2010 considera, numa entrevista à revista uruguaia ´Búsqueda’, que a Net ‘liquidou a gramática´, gerando uma espécie de barbárie sintática’. E justifica: ‘Se escreves assim, é porque falas assim; se falas assim, é porque pensas assim, e se pensas assim pensas como um macaco. Isso parece-me preocupante. Talvez as pessoas sejam mais felizes assim. Talvez os macacos sejam mais felizes do que os seres humanos. Não sei.”
A utilização dos computadores por gerações escolares deve ser havida como uma espécie de arma de dois gumes por promover, em minha opinião, aspectos positivos em determinadas idades e negativos em idades muito jovens, facto reconhecido pelo insuspeito Steve Ballmer, ex-presidente da Microsoft, ao confessar: “Eu testo, mas não uso no dia-a-dia. Mais importante, meus filhos não usam". Os meus filhos não utilizam computadores, eles são bons meninos!"

Entretanto, em nosso tempo, certas aprendizagens escolares não envolvem suficientemente, e em devido tempo,  não só a motricidade fina exigida pela escrita manual (como sentenciou J. Bronowski, “a mão é o lado afiado da mente”) em prol do desenvolvimento dos respectivos centros cerebrais e, simultaneamente, descuram o aumento da capacidade da memória que pode ser considerada como uma biblioteca privada a que se recorre sempre que necessário. Hoje, estas funções  são substituídas pela consulta permanente, abusiva e viciosa ao Google. Como tenho escrito, com amarga ironia, várias vezes, corre-se o risco de ao perguntar-se hoje a um aluno quem foi o 1.º  Rei de Portugal se obter a resposta: "Um momento, vou ver ao Google”!

Por outro lado, pela servidão aos jogos computacionais (para utilizar um lugar comum, acrescida pelas horas e horas passadas frente aos écrans da televisão) os jovens deixaram de ler bons autores que são a base de bem escrever na adultícia. Minha falecida Mãe, senhora de invulgar cultura, defendia o esforço na aquisição das aprendizagens. Recordo-me, a propósito, que sempre que lhe pedia para me dar o significado de uma palavra mais difícil me dizer: "Vai ver ao dicionário"! A que eu contrapunha, “agora não posso por estar atrasado para a entrada nas aulas”. Sem desarmar, retrucava-me: "Então, escreve a palavra num papel e quando regressares das aulas consultas o dicionário". Estou convencido que o meu domínio, mais ou menos, satisfatório da língua pátria a ela o devo!

Ocorre-me, outrossim,  como li algures,  a opinião de um outro autor que se antecipando-se no tempo, escreveu: “Eu não tenho medo que os computadores venham a pensar como nós, temo  é quando nós viermos a pensar como os computadores!”. Esta previsão, traz-me à memória o livro “2001, Odisseia no Espaço”, que serviu de guião a um filme do mesmo nome de Stanley Kubrik, que resumidamente nos conta a viagem de habitantes  terráqueos a um planeta distante anos-luz de uma nave espacial que obrigava s seus viajantes a hibernarem sendo a nave orientada, entretanto, por um computador, de seu nome, “Hal”, comandado da terra, que, a páginas tantas, se revolta assumindo de motu proprio o  respectivo destino. Aliás, uma espécie de antevisão de uns tantos automóveis actuais dirigidos unicamente  por computadores.

Não quero, com isto, tornar-me num espécie de bota-de-elástico, avesso a “Um Admirável Mundo Novo” (Aldous Huxley) que permitiu ao homem voar e, milénios depois, as viagens espaciais, a exemplo de  Ícaro, figura da Mitologia Grega, que ao libertar-se da força da gravidade teve o fim funesto de ver as suas  asas de cera  derretidas por se ter aproximado demasiado do Sol.

Honra à era computacional! As viagens espaciais nunca teriam sido possíveis sem os complexos cálculos efectuados pelos computadores actuais. Ou seja, como tudo na vida, a utilização dos computadores nas aprendizagens escolares deve ser feita com  conta, peso e medida tendo sempre presente o receio  de Einstein: “Temo o dia em que a tecnologia se sobreponha à humanidade. Então o mundo terá uma geração de idiotas!

4 comentários:

F.C. disse...

Robótica

Puramente, à deriva,
Num espaço branco, sem céu,
Planam pássaros sem vida,
Mecânicos, como eu...

Abrem asas no vento
De um comando inventado.
Rangem de tempo lento,
Não poisam em nenhum lado.

Num mar de marés lunares,
Por cima de ondas e espuma,
Enferrujam, circulares,
Não caem em parte nenhuma.

Ficam presos no suspenso
Do espaço... que escureceu,
Ao canto de um voo imenso,
Avariados, como eu...

F.C.

Rui Baptista disse...

Versos alusivos maravilhosos. Obrigado!

Anónimo disse...

O sr. Baptista, como sempre, na vanguarda da silly season, eis que a decreta ainda com uns pinguitos de chuva.

Rui Baptista disse...

Quem tem o guarda-chuva da razão, não teme pinguitos de chuva de anónimos. Obrigado, portanto, pelo seu comentário que justifica palavras de Jules Renand: "O homem livre é aquele que não receia ir até ao fim da sua razão".

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