Entrevista sobre homeopatia e efeito placebo do David Marçal e minha a uma revista popular, a propósito do nosso livro Pipocas com Telemóvel e Outras
Histórias de Falsa Ciência, e que nunca chegou a ser publicada
P- Se como dizem no vosso livro a homeopatia é uma fraude, por que é que, na vossa opinião, continuam a ser produzidos e comercializados remédios homeopáticos?
DM-
Não somos nós que dizemos, são numerosos autores de rigorosos estudos científicos.
A homeopatia está bastante estudada e,
quando sujeita aos mesmos critérios de exigência que são usados para aprovar
qualquer tratamento convencional, não consegue provar a sua eficácia para além
de um vulgar placebo. Se conseguisse, não se falaria de “medicina alternativa”
mas pura e simplesmente de medicina. De qualquer modo as consultas e os
medicamentos homeopáticos encontam-se
com facilidade no mercado. E não há dúvida que há procura. Apesar da
falta de provas científicas, a homeopatia conseguiu construir à sua volta um
aura de credibilidade, de várias formas, a começar pela venda de produtos
homeopáticos em farmácias convencionais .Nem sempre os legisladores e
reguladores actuam em coerência com o melhor conhecimento científico. Por
exemplo, não existe nenhum mecanismo automático que faça com que impeçam
fraudes do tipo dos produtos homeopáticos (há, de resto, várias outras...)
de serem comercializadas.
2. P- Segundo escrevem, os comprimidos homeopáticos são
feitos de água e açúcar. Podem pôr em perigo a saúde das pessoas, se os tomarem
de forma regular e prolongada?
CF-
De facto, na maior parte dos casos esses comprimidos não fazem bem nem mal.
Mas as pessoas estão a tomar um remédio que pensam ter um efeito fisiológico
quando este não o tem. Se a doença for grave, o perigo para a saúde é não a
tratar. Por exemplo, se for para uma zona em que a malária é endémica e fizer
apenas uma profilaxia homeopática para a malária está a pôr em risco a sua
saúde. Esta situação não é hipotética, são conhecidos vários casos, como o do
missionário norte-americano Tom Miller, que, em 2004, antes de viajar para a
Nigéria, abdicou da profilaxia habitual para a malária e tomou um produto
homeopático. Acabou nos cuidados intensivos de um hospital, inconsciente
durante sete dias. Sobreviveu, mas não foi graças à homeopatia. Não penso que deve
ser limitada exageradamente a liberdade das pessoas, desde que essa liberdade
não afecte os outros. Cada um poderá fazer o que quer desde que não incomode os
outros. Mas, veja bem, nesse caso o desleixo de uma pessoa foi afectar, de
forma desnecessária, o trabalho de muitas outras, que fizeram tudo o que
puderam para salvar uma pessoa imprevidente.
3. P- Por que é que o efeito placebo aparece associado
às Terapêuticas Não Convencionais, sobretudo à Homeopatia?
DM-
O efeito placebo, a sensação de melhoria quando se está a ser tratado, acontece
em todas as intervenções médicas. No caso da homeopatia, apenas existe o efeito
placebo. Não é por acaso que um dos remédios homeopáticos mais populares seja
para a gripe, que em condições normais passa sozinha. Por acção do próprio
organismo. O remédio homeopático não ajuda embora a pessoa que acredite na
eficácia do remédio pense que sim. Nós,
quando do lançamento do nosso livro sobre pseudociência, tomámos uma embalagem
inteira de um desses medicamentos e não nos aconteceu absolutamente nada. Não
tínhamos gripe. Mas, quer tivéssemos quer não, teria sido contraprudecente ter
tomado de uma só vê uma embalagem inteira de um medicamento. Não tivemos
qualquer receio porque os medicamentos homeopáticos, pelo princípio que apregoam,
são feitos com diluições tão grandes de uma substância supostamente activa que
praticamente no “remédio” não existe nada dessa substância.
4. P- O efeito placebo pode produzir melhorias
clínicas? Nesse caso, poderia ser usado como estratégia terapêutica?
DM-
Sim, o efeito placebo consiste precisamente em produzir uma sensação de
melhoras, que é subjectiva e transitória. Mas não há nenhuma doença séria que
se cure com placebos pela simples razão que não existe neles nenhuma molécula
activa que interfira nos mecanismos de doença. Administrar placebos para pessoas que se
queixam de doenças imaginárias ou reais é uma questão ética, que depende das
circunstâncias e que deve ser avaliada pelos médicos. Na impossibilidade de
outras opções, sem dúvida que um placebo é melhor do que nada.. Mas, havendo a
possibilidade de oferecer um tratamento que tenha também um efeito fisiológico
comprovado, eticamente será preferível.
CF-
Os placebos são usados de forma anónima em testes clínicos para controlar a
eficácia dos medicamentos. Como disse, só são aprovados de acordo com critérios
médicos internacionais, medicamentos cujo efeito seja superior ao do placebo. O
efeito do placebo, apesar de real, é em média pequeno. Por isso, ele é
considerado um limite mínimo de eficácia.
3 comentários:
Para além das multíplas razões que fazem com que se acredite na homeopatia, uma delas reside no facto de se pensar que os medicamentos homeopáticos para além de curarem são mais ou menos isentos de efeitos secundários (alías, julgo que reside aqui o seu sucesso: as pessoas não deixam de acreditar na eficácia dos medicamntos tradicionais, acham é que os "medicamentos" homeopáticos para além de um grau de eficácia semelhante não têm efeitos secundários - ou têm-nos em muito menor grau.). Daí que o facto de alguém tomar uma caixa inteira de um qualquer medicamento homeopático só lhes reforça o "poder da homeopatia": não só "curam" como não fazem mal!
"Para além das múltiplas razões que fazem com que se acredite na homeopatia", os argumentos dos crentes nestas tretas são sempre genéricos. Múltiplas = uma mão cheia de nada.
Agora para os cientistas: estes temas fazem parte dos primórdios da divulgação cientifica em oposição à ignorância, em que Carl Sagan foi um dos pioneiros. Mas o Sec XX já passou, no Sec. XXI os cientistas devem preocupar-se com a credibilidade da ciência que está a dar espaço/voz a estes artistas da treta.
Olhem para dentro, que a sociedade já tem sentido critico para identificar estes aldrabões, mas tem dificuldade em identificar a má ciência feita no seio cientifico.
Em regra, as alternativas surgem no espaço vago da medicina convencional. Melhore-se então está, os fármacos e especialmente a ética na saúde e geral
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