O estudo da origem e evolução das células no nosso planeta é
uma das áreas mais estimulantes e fascinantes da ciência. Prende-se não só
sobre compreender a origem da própria vida, mas também sobre como é que a
complexidade celular evoluiu a partir das primeiras células simples para dar
origem às células que compõem os animais, as plantas, os fungos e os
protozoários.
Os animais e as plantas são edificados por células ditas
eucarióticas. Estas são caracterizadas, entre outros aspectos, pelo facto de
possuírem um núcleo rodeado por uma membrana onde se situam os cromossomas com
a informação genética. Também se caracterizam por possuírem no seu interior
organelos como as mitocôndrias e os cloroplastos, e um elaborado e dinâmico
sistema de membranas que formam vesículas, que asseguram um transporte
conveniente de diversas substâncias, não só no interior da célula, mas também
entre o interior e o exterior celular. As células eucarióticas possuem também
um complexo sistema de microfibrilhas proteicas, com várias funções, entre elas
a de formar um citoesqueleto. Como é que surgiram estas complexidades todas ao
longo da evolução celular?
As bactérias são outro domínio celular da vida. São
consideravelmente mais simples do que as células eucarióticas, pois não possuem
compartimentos intracelulares e o cromossoma circular que possuem não está
encapsulado num núcleo. São consideradas muito mais antigas evolutivamente do que
as células eucarióticas
No início da década de 80 do século passado, a bióloga
norte-americana Lynn Margulis (1938 – 2011; foi casada com Carl
Sagan) propôs a teoria endossimbiótica para a origem das células eucarióticas.
Segundo esta, as mitocôndrias e cloroplastos das células eucarióticas teriam
surgido da associação de bactérias que se tornaram
hospedeiras de uma outra célula microbiana. Esta teoria é hoje consensual entre
a comunidade científica. Propõe-se, actualmente, que as mitocôndrias terão
sido originadas de um grupo bacteriano conhecido e relacionado com as
alphaproteobactérias.
Mas qual a origem da célula hospedeira? Teria sido um
outro tipo de bactéria? Não! O conhecimento hoje disponível indica que a célula
hospedeira teria pertencido a um outro domínio celular também muito antigo
evolutivamente e conhecido por arqueia (palavra de origem grega significando
antigo). As arqueias e as bactérias ter-se-ão separado na árvore da vida a
partir de um ancestral comum e divergido evolutivamente.
As diferentes espécies de arqueias que se têm
descoberto nos últimos anos possuem algumas características, principalmente
genéticas, que estão ausentes nas bactérias e que se assemelham mais às das células
eucarióticas. Assim, o conjunto de informação entretanto reunido sobre as
arqueias coloca-as como as principais candidatas a terem sido as células
antepassadas das eucarióticas. E as mais recentes técnicas de sequenciação
genética têm permitido sondar o passado evolutivo na procura dessas
semelhanças.
Neste contexto, foi publicado, no passado dia 19 de
Janeiro de 2017 na revista Nature, um artigo que apresenta uma nova espécie de arqueia com
características genéticas muito interessantes. Neste artigo, que tem como
primeiro autor o sueco Thijs Ettema, os cientistas sequenciaram
material genético recolhido de vários locais e identificaram um novo grupo de
arqueias referido no geral por arqueias de Asgard. Segundo o microbiólogo
António Veríssimo, professor do Departamento de Ciências da Vida da
Universidade de Coimbra, o “novo grupo de arqueias têm duas características
muito interessantes: são muito antigas (do ponto de vista evolutivo) e parecem
partilhar um ancestral comum com as células eucariotas e, para além disso, foram
reconhecidas sequências genéticas que codificarão proteínas consideradas
especificas de eucariotas e relacionadas com a translocação (“transporte”) de
proteínas nas células com compartimentos celulares. Isto sugere que a origem de
sistemas complexos de translocação de proteínas terá evoluído antes das
mitocôndrias ou de outra maneira antes do hospedeiro ter “recebido “ as
bactérias que originaram as mitocôndrias. E é mais uma informação importante
que reforça a ideia que o hospedeiro original terá sido uma célula de tipo
arqueia.”
É preciso referir que os cientistas ainda não
conseguiram isolar estas arqueias de forma a poderem observar directamente as
características relacionadas com os genes identificados no seu genoma agora
sequenciado. Seria muito interessante poder-se observar e comparar as eventuais
estruturas celulares que terão estado na origem da complexidade eucariótica.
De qualquer forma, esta descoberta vem adicionar mais
algumas peças ao puzzle que continua a ser a evolução da vida complexa no nosso
planeta.
António Piedade
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