segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

A FÍSICA E A BIOLOGIA DA COR E DA VISÃO

Tradução do meu artigo que acaba de sair em inglês no livro electrónico "Lights On" (ed. Paula Menino Homem) que constitui as actas de um congresso sobre luz, herança cultural e museus realizado no Ano Internacional da Luz (2015) na Faculdade de Letras da Universidade do Porto:


RESUMO

Descreve-se a cor, a partir do fenómeno do arco-íris estudado por Newton, como um fenómeno associado ao maior ou menor desvio da luz, ligado por sua vez ao comprimento de onda da luz. A luz branca compreende todas as cores ao passo que uma luz laser é monocromática. Existe uma ampla gama de luz invisível, à qual não associamos cores: está para lá do violeta e para cá do vermelho, as duas cores que balizam a gama do visível. Atendendo à nossa história evolutiva perto do Sol, que emite principalmente luz visível, vemos apenas a luz desse tipo. A identificação das cores efectua-se na retina humana por receptores chamados cones, dos quais possuímos três tipos diferentes, associados à captação de luz vermelha, verde e azul. Os primatas vêem, em geral, de maneira semelhante a nós, mas existe toda uma variedade de espécies animais cuja visão não é tricromática: essa variedade vai do monocromatismo das baleias ao pluricromatismo extremo, com 16 tipos de cones, dos estomatópodes, que são crustáceos marinhos. São os genes que codificam, em última análise, os cones de cada espécie, sendo um domínio de investigação actual a descoberta da história genética que permitiu o aperfeiçoamento da visão nuns animais e não noutros. Funciona a teoria de Darwin: a adaptação ao ambiente foi fundamental no processo que levou ao desenvolvimento da visão em cada espécie.


Vemos por todo o lado cores na Natureza, seja na Terra seja no Céu, não apenas as sete cores tradicionalmente atribuídas ao arco-íris mas todos os cambiantes entre elas. É um defeito muito raro aquele que impede alguém de ver as cores, limitando-o a ver o mundo a preto e branco. Vemos também as cores nos objectos artificiais,  que colocamos na Natureza, por exemplo os quadros pintados pelos grandes artistas e que admiramos hoje nos museus.

De um ponto de vista da Física, a cor está associada ao comprimento de onda da luz. Desde o tempo do físico inglês Isaac Newton (1642 ou 1643 conforme o calendário adoptado, juliano ou gregoriano – 1726 ou 1727, idem), que criou, com o auxílio de um prisma de vidro, o arco-íris em sua casa, que sabemos que a luz branca, designadamente a luz do Sol, é uma mistura de luzes de várias cores. Numa experiência realizada pelo grande sábio em 1765 ou 1766, a  luz solar vinda de uma janela entrava num prisma e, dentro do vidro, surgiam as cores do arco-íris, ao mesmo tempo que o feixe sofria um desvio. À saída verificava-se novo desvio, ampliando-se o desdobramento das cores. Se se colocasse um segundo prisma no qual incidisse apenas a luz vermelha, convenientemente isolada da luz das outras cores, o feixe vermelho entrava no novo prisma, era desviado por ele, mas saia um feixe ainda vermelho. A explicação só podia ser que a luz que era branca, antes de entrar no primeiro prisma, era composta por luz de todas as cores, que depois de manifestavam no interior do vidro. Newton concebeu uma teoria corpuscular da luz, segundo a qual as diferentes cores corresponderiam a partículas de luz diferentes, mas, no século XIX, para explicar os fenómenos da difracção e da interferência, vingou a teoria ondulatória da luz. Percebeu-se que eram possíveis vários comprimentos de onda. A sobreposição de ondas de vários comprimentos de onda obedecia ao princípio geral da decomposição das ondas. Duas ondas podem anular-se mutuamente. Em 1865, fez no Ano Internacional da Luz 150 anos, o físico escocês James Clerk Maxwell (1831-1879) percebeu que as ondas luminosas eram ondas electromagnéticas, isto é, a propagação no espaço de uma perturbação periódica dos campos eléctrico e magnético, os dois ligados um ao outro.

A luz pode ser visível ou invisível conforme os nossos a vejam ou não. A parte visível, corresponde a uma faixa de comprimentos de onda entre 3900 e 7000 Angstrom (isto é, entre 390 e 700 nanómetros, usando o nanómetro, unidade do Sistema Internacional, que se define como um milionésimo do milionésimo do milímetro), não passa de uma pequena parte do espectro total. Antes de Maxwell já se conheciam as ondas infravermelhas e as ondas ultravioletas. A luz ou radiação infravermelha foi o primeiro tipo de ondas invisíveis a ser descobertas, tendo o seu primeiro observador sido o astrónomo e físico anglo-germânico William Herschel (1738-1822), que, em 1800, com  o auxílio de um prisma e de um termómetro, numa experiência semelhante à realizada por Newton, detectou uma radiação com comprimento de onda maior do que o vermelho à qual chamou “raios caloríficos”, uma vez que o termómetro assinalava na zona infravermelha do espectro uma temperatura maior que a da vizinhança. A radiação ultravioleta foi descoberta um ano depois pelo físico e químico alemão Johann Wilhelm Ritter (1776-1810), que notou o escurecimento do cloreto de prata colocada na zona do espectro para além do violeta, isto é, na região de luz com comprimentos de onda menores que o da luz de cor violeta: chamou-lhes “raios oxidantes”. Como o comprimento de onda é um número que valia continuamente, deduz-se que existe luz de todos os comprimentos de onda, quer dizer, de todas as cores, entre o vermelho e o ultravioletas, que estão nos extremos do visível. Depois de Maxwell, descobriram-se outras luzes invisíveis, como, do lado do vermelho, as ondas de rádio e microondas (pelo físico alemão Heinrich Rudolf Hertz, 1857-1894, em 1886),  e, do lado do violeta, os raios X (pelo físico alemão Wilhelm Conrad Roentgen, 1845-1923, em 1895) e os raios gama (pelo físico francês Paul Ulrich Villard, 1860-1934, em 1900). Podemos dizer que o século XIX foi o século da descoberta da radiação invisível, tendo começado com a radiações infravermelha e ultravioleta e encerrado com a radiação gama, no início da era nuclear: Aprendemos no século XX, com o desenvolvimento da teoria quântica, que a maior parte da radiação pode vir de transições electrónicas nos átomos, moléculas e sólidos, mas que a radiação gama vem necessariamente dos núcleos atómicos. No século XX foram aperfeiçoados os processos de captação da luz proveniente das estrelas: esses astros já se viam com luz visível, usando os chamados telescópios ópticos. Passaram a ser vistas também com luz invisível, que pode ser infravermelha, ultravioleta, rádio e microondas (radiotelescópios), raios X e raios gama. Os telescópios de raios ultravioletas, de raios X e  de raios gama têm de ser colocados em satélites em órbita terrestre, pois a atmosfera bloqueia a radiação de comprimento de onda inferior ao violeta, dita ionizante, que é prejudicial para a vida (se a atmosfera não existisse, a vida existiria na Terra, pelo menos tal como a conhecemos, baseada no código genético que reside no  ADN).

O nosso olho é cego para toda a luz com comprimentos de onda que não estejam compreendidos entre os que correspondem ao vermelho e ao violeta. Existe pouca variação na espécie humana na capacidade de captação de luz visível. É curioso que, num ambiente escuro, se realize uma rápida adaptação do olho para poder ver mais um pouco ao lado do vermelho. É impossível ver ultravioleta, pois o próprio globo ocular está feito para não deixar passar essa radiação mais energética e, por isso, perigosa. De resto, a atmosfera terrestre defende-nos dos raios ultravioletas do Sol através da camada de ozono. Situações que violam essa regra ocorrem em doentes que foram sujeitos a cirurgia das cataratas. Um caso que que costuma ser referido neste contexto é o do pintor impressionista francês Claude Monet (1840-1926), que fez uma cirurgia desse tipo em 1923, e que passou a pintar com cores algo diferentes, designadamente com os azuis mais vivos. Provavelmente passou a ter parcialmente uma visão ultravioleta.

O Sol emite luz de todos os comprimentos de onda mas tem um pico pronunciado, atendendo à temperatura de 6000 kelvins à sua superfície, no meio da luz visível. A luz do Sol é branca porque vemos uma mistura de todas as cores. É evidente que nos adaptámos ao longo do lento percurso de evolução biológica a captar ao máximo a luz que a nossa estrela, o Sol, emite ao máximo. Se acaso tivéssemos vivido nas vizinhanças de uma estrela que emitisse principalmente luz infravermelha, muito provavelmente os nossos olhos seriam semelhantes a câmaras de infravermelhos, capazes de ver no escuro. Não vemos da Terra o disco do Sol exactamente branco, porque a atmosfera capta uma parte da luz que nela incide, mas os astronautas em órbita da Estação Espacial Internacional vêm o Sol como um disco de uma brancura muito intensa.

Preferimos a luz branca para trabalhar e uma lâmpada de luz branca imita, ainda que  de um modo imperfeito, a luz do Sol: as lâmpadas de incandescência foram já substituídas na iluminação corrente por lâmpadas fluorescentes compactas e estas estão a ser substituídas por lâmpadas LED, por serem muito mais eficientes e duradouras. Hoje dispomos de lâmpadas laser, com imensas aplicações, que emitem luz com um comprimento de onda bem determinado, que tanto pode ser visível como invisível (os primeiros lasers foram de microondas, mas já há, por exemplo, lasers de raios X; ainda não há lasers de raios gama).

Visão humana

No ambiente do nosso planeta, os nossos olhos adaptaram-se lentamente, no caminho de evolução biológica, a distinguir as cores. Os olhos não passam de câmaras fotográficas naturais, existindo no globo ocular uma lente (cristalino, mesmo atrás da pupila, protegido pela córnea) e uma película fotográfica (a retina,  a membrana mais interna do olho, na qual se forma uma imagem invertida). Os responsáveis pela percepção cromática são células situadas na retina chamadas cones e bastonetes. Estes não passam de fotoreceptores ou sensores, que convertem a luz que, entra pelos olhos, em corrente eléctrica, que é conduzida ao cérebro, que descodifica o sinal transmitido. Os cones, em número de seis milhões em cada olho, são de três tipos. Cada um deles capta melhor cada uma das três cores básicas – o vermelho (559 nanómetros ou L de long, longo), o verde (531 nanómetros, ou M, de medium, médio) e o azul (419 nanómetros, ou S, de short, curto) – com as quais se podem criar todas as outras. Por outro lado, os bastonetes, centrados no verde, são capazes de captar luz muito menos intensa: são, por isso, os sensores por excelência da visão nocturna. Como, ao contrário dos cones, os bastonetes, em número muito maior do que os cones (são cerca de 120 milhões!), se podem situar na periferia, são grandes auxiliares da visão periférica. Diz o povo que de noite todos os gatos são pardos uma vez que só os conseguimos ver com a ajuda dos bastonetes, que não permitem grande discriminação cromática.

No conjunto dos nossos dois olhos existem, portanto,  cerca de 250 milhões de sensores (basta somar o número de cones com o número de bastonetes nos dois olhos). Esse valor corresponde a 250 megapixels, uma resolução muito superior à de uma moderna câmara digital que consegue, se for de suficiente qualidade, apenas uns 18 megapixels. Ainda por cima, a nossa vista possui mecanismos naturais de interpolação entre os pixels, semelhantes aos que algumas câmaras utilizam por via de algoritmos desenvolvidos pelo homem.

O daltonismo de algumas pessoas, isto é, à “cegueira” a algumas cores, deve-se a diminuição do número ou deficiência de funcionamento de alguns cones. Os daltónicos  não conseguem distinguir algumas cores, principalmente o verde e o vermelho. Com o azul não há,  por via de regra, problemas. O daltonismo, que abrange cerca de oito por cento dos homens (alguns não têm consciência do defeito embora existam testes simples para diagnosticar o daltonismo, constituídos por padrões formados por círculos de diferentes cores), mas apenas 0,4 por cento das mulheres. Trata-se de um defeito genético, associado ao cromossoma X, um cromossoma que surge sozinho nos homens (XY) mas emparelhado nas mulheres (XX). Existem vários tipos de daltonismo, pois os cones podem estar afectados, no seu número ou no seu funcionamento, de várias maneiras. A proveniência genética do daltonismo era completamente desconhecida no século XVIII, quando o químico, meteorologista e físico inglês John Dalton (1766-1844), um dos percursores da teoria atómica, estudou a anormalidade que detectou nele próprio e que é além de congénita incurável. Mas, modernamente, foi possível fazer um exame genético de células de Dalton que confirmou, sem margem para dúvida, o seu daltonismo, esclarecendo até o seu tipo.

O defeito extremo de visão consiste na cegueira completa à variedade de cores. Acontece quando os cones ou não existem ou não funcionam. As pessoas ditas monocromatas (vêem basicamente a “preto e branco”, quer dizer, em tons de cinzento) só vêem tipicamente com os bastonetes. Não passam de 0,003 por cento da população, respectivamente uma em cada 30000 pessoas. O neurocientista, médico e escritor inglês Oliver Sacks (1933-2015), no seu livro A Ilha das Pessoas sem Cor, falou deste tipo de defeito de visão, referindo o caso de uma atol da Polinésia, onde 5% dos habitantes estão afectados. Mas, embora muito incomuns na espécie humana, existem monocromatas atípicos, que só vêem com um tipo de cones. De resto, podem faltar ou falhar um dos três tipos de cones (vermelhos, verdes e azuis), dizendo-se as pessoas afectadas por esse defeito dicromatas.

A cor cuja percepção surge no cérebro, resulta de três factores: a fonte de luz, o objecto em si que reflecte ou difunde parte da luz que recebe (a diferença entre reflexão ou difusão depende da regularidade da superfície do objecto, normalmente ocorrem os dois tipos de fenómenos, embora prevaleça um) e os nossos olhos, que podem ver melhor ou pior as cores. Um quadro hoje visto num museu com luz artificial mostra ao visitante cores diferentes das que oferecia ao seu autor ou aos seus primeiros espectadores que tinham outro tipo de iluminação. E, como as pessoas não vêem de forma exactamente igual, cada quadro proporciona uma experiência estética diferente a cada observador. Não só a percepção da cor é diferente na retina, como também pode haver diferente processamento cerebral. Quando, através do nervo óptico, que liga a retina às zonas do cérebro mais associadas à visão, o sinal eléctrico que contém informação sobre a luz, chega ao cérebro, a sensação de cor que se forma é necessariamente subjectiva. São conhecidos casos muito interessantes de “sinestesia”, isto é, etimologicamente junção de sensações, no caso aparecimento de sensações de sons motivada por estímulos visuais. O poeta francês Arthur Rimbaud (1854-1891) fala, em versos, das cores das vogais: “A negro, E branco, I rubro, U verde, O azul, vogais, / Ainda desvendarei seus mistérios latentes.”(soneto Vogais, de 1871). Independentemente das patologias, sempre curiosas, facto é que a nossa percepção das cores tem um lado eminentemente cultural, pois sempre associámos cores a factos e sentimentos. Quer dizer, as cores têm histórias culturais.

Visão animal

Os outros animais também vêem cores, como pode ser facilmente verificado por testes simples, mas, em geral, não possuem os três tipos de cones de que somos dotados e que  permitem, nas pessoas sem defeitos, ver cerca de um milhão de cores. De facto, só alguns animais têm uma visão semelhante à nossa: o grupo mais óbvio é formado por alguns primatas, que são como nós tricromáticos. Mas nem todos os primatas são tricromáticos. A evolução conduziu a desenvolvimentos separados: muitos macacos do Novo Mundo só têm visão dicromática, porque seguiram uma linha evolutiva diferente. Os cangurus e as abelhas também têm uma visão tricromática, embora o caso das abelhas seja muito particular, pois elas não vêem o vermelho, tal como nós, vendo antes em vez dele o ultravioleta, conseguindo por isso localizar a posição do Sol no céu, mesmo num dia de espessa névoa. A visão do ultravioleta não é exclusiva das abelhas, sendo própria de outros insectos e até outras ordens (os peixinhos dourados, por exemplo, conseguem ver o ultavioleta).

A esmagadora maioria dos mamíferos não  primatas têm visão dicromática: não conseguem distinguir entre o vermelho e o verde, isto é, são daltónicos. E existem mamíferos de visão monocromática como alguns animais marinhos: é o caso das baleias, que vivem no mar alto e que por isso não necessitam de um sentido da cor. Mas muitos animais têm mais tipos de cones do que os seres humanos: várias espécies de répteis, anfíbios, peixes, aves e insectos têm maior capacidade de reconhecimento de cores do que os humanos pois a sua visão é tetracromática. Alguns insectos – como certas espécies de borboletas – e algumas aves – como provavelmente os pombos – são mesmo pentacromáticos, Como dispõem de cinco tipos de cones, o mundo é, para eles, bem mais colorido do que para nós: uma espécie pentacromática poderá, pelo menos em princípio, distinguir até dez mil milhões de cores.

O caso mais extremo de capacidade de visão cromática conhecido no mundo animal é constituído por estomatópodes (chamados lacraias do mar, no Brasil), que são crustáceos marinhos que captam de um modo muito eficaz as suas presas (camarões, caranguejos, pequenos peixes, etc.)  graças ao seu muito apurado sentido da visão. Têm 16 tipos de cones, 12 tipos de cones sensíveis à luz e quatro tipos que filtram a luz permitindo detectar luz polarizada, isto é, luz com plano de vibração do campo electromagnético bem definido).  Esses animais conseguem ver luz ultravioleta, mas não é ainda claro se conseguem ver luz infravermelha (tal como algumas serpentes, que possuem visão nocturna).

História evolutiva

Os mecanismos evolutivos para se conseguir ver melhor certas cores tiveram, em geral, a ver com a captura de alimentos. Uma boa visão do vermelho foi muito útil para os nossos antepassados pré-históricos para apanharmos certos frutos, que são dessa cor, ao passo que, para as abelhas, que não a vêem (nem é preciso, porque não há muitas flores vermelhas), foi e é muito útil a visão do ultravioleta na polinização de campos de flores. Tal como para as abelhas, a visão ultravioleta é também muito útil para algumas aves.

 As aves são, entre todos os animais, aqueles que têm maior capacidade visual, tanto no discernimento de formas como de cores. Não é por acaso que se fala em “olho de águia”: este é quatro a oito vezes mais capaz do que o olho humano. A extraordinária visão dessas aves não tem apenas a ver com a variedade de cones (o grau de cromatismo), mas também com o número de cones e bastonetes (o tal número de megapixels) e, evidentemente, com o tamanho e a sofisticação da  restante óptica do olho, uma vez que, para se obter uma boa fotografia, importam não só os sensores mas também as lentes, assim como os dispositivos de controlo destas. Uma águia ou um falcão são aves da rapina: conseguem ver um minúsculo rato num prado quando estão a voar a mais de um quilómetro de altitude, já que o tamanho dos seus globos oculares é enorme para o tamanho do seu corpo e dispõem de bons sistemas de focagem visual durante o voo.  Também não é por acaso que se fala do “olho de lince”, que na linguagem popular é equivalente a “olho de águia”. De facto, estes felinos são animais com capacidade visual muito desenvolvida, embora a expressão “olho de lince” possa ter mais a ver com a capacidade de visão sobrenatural atribuída a esse animal pela mitologia grega (esse aspecto mitológico ressalta no nome “Accademia dei Lince”, a primeira academia científica em todo o mundo, criada em 1603, da qual o físico italiano Galileu Galilei, 1564-1642, foi membro). Tanto no ar como na terra, a visão foi evoluindo no mundo animal ao longo de milhões de anos no mundo para que cada espécie conseguisse encontrar mais facilmente os seus alimentos e, além disso, pudesse ver as suas presas sem ser visto pelos seus eventuais predadores, garantindo assim a sua sobrevivência. A visão das cores pelos animais, em particular nos pássaros, desempenha também um papel importante na selecção sexual.

A história evolutiva que conduziu à visão da cor no mundo animal é extraordinária, ainda encerrando numerosos mistérios. A variedade de situações é enorme, porque há toda uma variedade de histórias genéticas. Um antepassado muito remoto dos primatas deve ter sido tetracromático, mas, a certa altura, no tempo dos dinossauros (que viveram entre o Triásico, há 231 milhões de anos, e o Cretácico, há 66 milhões de anos), os antepassados dos actuais mamíferos perderam, por uma mutação (modificação ocasional do ADN no processo de duplicação), uma boa parte da visão da cor, ao ficar só com dois dos quatro cones existentes. Os primatas readquiriram mais tarde, no Terciário Inferior, há mais de vinte milhões de anos, alguma da sua capacidade de ver a cor, por um fenómeno chamado duplicação de genes (mecanismo de duplicação de uma região do ADN que contém um gene). Paleontólogos, geneticistas, biólogos, físicos e químicos trabalham hoje em conjunto para esclarecer os mistérios que permanecem acerca da origem da nossa fantástica capacidade de ver o mundo colorido. Apesar de muitos aspectos permanecerem por esclarecer, todos os avanços têm corroborado  a teoria do grande naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882), segunda a qual, após a ocorrência de mutações que definem novas espécies, é crucial a adaptação ao meio. 

REFERÊNCIAS

 Indicam-se algumas obras, tanto científicas como de divulgação científica, que permitem aprofundar as matérias aqui brevemente expostas. Segue-se a ordem alfabética em cada secção.

 Sobre a física da cor:
 - Mota, Paulo Gama (coord.), Museu da Ciência, Luz e Matéria, Coimbra: Universidade de Coimbra, 2006.
 - Weiss, Richard Weiss, A Brief History of Light and Those that Lit the Way, Singapore: World Scientific, 1996.
 - Tito de Mendonça, José, Uma Biografia da Luz: A triste história do fotão cansado, Lisboa: Gradiva, 2015.
 - Wyszecki, Günther and Stiles, W. S.. Color Science: Concepts and Methods, Quantitative Data and Formulae (2nd ed.). New York: Wiley Series in Pure and Applied Optic, 2000.

 Sobre a visão humana:
 - Bucklow, Spike, Red: The Art and Science of a Colour, London: Reaktion Books, 2016
 - Eckstut, Joann and Eckstut, Arielle, Secret Language of Color: Science, Nature, History, Culture, Beauty of Red, Orange, Yellow, Green, Blue, & Violet, New York, Black Dog; Leventhal, 2013
 - Ings, Simon, A Natural History of Seeing: The Art and Science of Vision, New York and London: W. W. Norton; Company, 2008.
 - Kernell, Daniel, Color and Color vision, An Introductory Survey, Cambridge: Cambridge University Press, 2016.
 - Palmer, Stephen E., Vision Science: Photons to Phenomenology, Cambridge, Mass.:The MIT Press; 1999.
 - Rameau, Henri, Os Olhos e a Visão, Lisboa: Estúdios Cor, 1971.
 - Sacks, Oliver, A Ilha sem Cor, Lisboa: Relógio d’Água, 2008.
 - Vavilov, Sergei Ivanovitch, Os Olhos e o Sol, Lisboa: Arcádia, 1963.

 Sobre a visão animal e a história evolutiva:
 - Ali, Mohamed Ather and Klyne, M. A.. Vision in Vertebrates. New York: Plenum Press, 1985.
 - Bischof, Hans-Joachim and Zeigler, H. Philip, (eds.) Vision, brain, and behavior in birds. Cambridge, Mass.: MIT Press, 1993.
 - Darwin, Charles, A Origem das Espécies, Oeiras: Lello Editores, 2010.
 - Johnsen, Sönke, The Optics of Life: A Biologist's Guide to Light in Nature, Princeton: Princeton University Press, 2011.
 - Hubel, David H., Eye, brain and vision, New York: Scientific American Library, 1988.
 - Land, Michael F., and Nilsson, Dan-Eric, Animal Eyes, Oxford: Oxford University Press, 2002.

1 comentário:

Anónimo disse...

Muito bom.

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