domingo, 15 de janeiro de 2017

"Não consigo responder às perguntas sobre os meus próprios poemas"

A ideia de que as escolas devem "prestar contas" tem feito proliferar inúmeras entidades externas especializadas em avaliação sumativa (provas, testes, exames), oficiais ou particulares (das quais não estão excluídas empresas) de carácter local, regional, nacional ou transnacional.

Esta nota diz respeito apenas à avaliação da aprendizagem por parte dessas entidades.

Focalizadas no que se encontra prescrito no currículo - o que está certo - e respeitando exigências de objectividade - o que também está certo -, descuidam "subtilezas" que fazem toda a diferença. Uma delas é a natureza do próprio conhecimento: o conhecimento, mesmo dentro da mesma disciplina, não pode ser medido todo da mesma maneira nem com o mesmo grau de objectividade porque a sua natureza é diversa.

Por exemplo, no âmbito da língua materna, uma coisa é medir o domínio de regras gramaticais outra, bem diferente, é medir a análise de um poema.

Em termos de itens, se o domínio de regras gramaticais pode ser testado objectivamente através de escolha múltipla, a análise de um poema requer perguntas de resposta aberta, sempre mais subjectivas. Nestas, especialistas de grande prestígio vão mais longe e dizem que o texto literário, sendo da ordem da arte, não pode ser objecto de avaliação sob pena de o seu sentido - fruição - ser desvirtuado.

Estas considerações são a propósito de uma notícia que li no jornal Expresso da semana que passou, e que foi originalmente publicada no The Huffington Post na qual se contava que certa professora e escritora norte-americana, Sara Holbrook, viu um dos seus poemas integrado num exame do ensino básico de carácter estatal - do estado do Texas -, realizado por uma das entidades a que acima me referi - o STAAR: The State of Texas Assessments of Academic Readiness. Declara ela que tentou responder às questões mas, obviamente, não conseguiu:
Perguntas como “porque é que o autor fez uma pausa” em determinado local ou “porque utilizou maiúsculas naquele verso” e muitas outras, são para Sara Holbrook um absurdo. “O que é que isto mostra da capacidade de leitura de um miúdo?”, questiona. Estas são perguntas válidas, no entender da escritora, única e exclusivamente em discussões e não em testes de escolha múltipla (...) “Qualquer teste que questione as motivações do autor sem lhe ter perguntado primeiro, é um disparate. Quem constrói os testes faz isto sobretudo com autores que estão mortos e não podem protestar. Mas eu não estou morta." (in Expresso).
E não conseguiu responder porque não eram perguntas ajustadas ao tipo de conhecimento que constaria no currículo e que eventualmente teria sido ensinado e aprendido.

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