quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

À procura de espécies crípticas

      
Texto recebido do biólogo José Cerca de Oliveira e colegas no Museu de História Natural de Oslo (na figura):

A aplicação de métodos de sequenciamento de ADN revolucionou a biologia. Ora, numa das suas aplicações mais surpreendentes, estes permitiram encontrar várias espécies dentro de espécies tradicionalmente definidas – equivalente ao príncipio das matrioscas, as famosas bonecas russas - as espécies crípticas.

Estas espécies demonstram, portanto, elevados níveis de divergência genética entre si, mas, surpreendentemente, não se verificam diferenças morfológicas (morfos = forma). Assim foi cunhado o termo ‘espécies crípticas’ (Grego Kryptos = escondido). A ocorrência das espécies crípticas ressalva a necessidade de um bom sistema de organização e classificação dos seres vivos, demonstrando que negligência na catalogação das espécies pode incorrer em problemas tanto a nível do conhecimento biológico das espécies (história evolutiva, ocupação de espaço ecológico, perfil biogeográfico) como também pode ter impactos económicos e na nossa saúde. Ainda assim, nem todos os cientistas estão de acordo com as definições propostas de delineamento de espécies crípticas.

O mosquito Anopheles gambiae é conhecido pelas piores razões: este mosquito é o vector que transmite o parasita protozoário da malária, responsável por milhares de mortes anuais. Recentemente descobriu-se que esta espécie é um conjunto de espécies crípticas. Morfologicamente idênticas, estas espécies parecem ser distintas pela sua preferência de habitat (por exemplo, no uso de poças de água ou campos de arroz no crescimento das larvas). Por um lado, esta descoberta revelou que nem todas as espécies são perigosas para o ser humano, por outro lado, permite a concentração de esforços nas espécies que nos atacam - informação que pode fazer diferença a salvar vidas. No combate à fome descobriu-se que o hemiptero Bemisia tabaci ataca algumas plantas de interesse económico como o algodão, melão, brócolo, repolho e a abóbora. Estudos genéticos demonstraram que esta espécie é composta por 28 espécies diferentes e esta informação abriu portas à identificação e delimitação destas espécies, revelando que distantas espécies do complexo têm diferentes preferências (umas gostam mais de repolho, outras mais de melão, …).

Contudo isto aparenta ser apenas a ponta do iceberg. O termo “espécie críptica” tem ganho popularidade nas últimas décadas e têm-se descoberto espécies crípticas em diversos ramos da árvore biológica. Um dos problemas é o trabalho exigente, especializado e laborioso que envolve a descrição de espécies e que acaba por ser descurado facilmente - muitas das espécies crípticas não chegam a ser formalmente incluídas no sistema de classificação e outras necessitam de verificação e confirmação.

Recentemente descobriram-se 16 espécies dentro do peixe Schindleria praematura. Dez foram encontradas no mesmo local (simpatria), levantando as seguintes questões aos cientistas: Como é que estas espécies evoluíram? Como é que se distribuem no espaço ecológico? Competem por recursos, habitat ou espaço? Será que evoluíram no mesmo local (simpatria) ou em locais diferentes (alopatria) tendo-se juntado mais tarde? Como se mantêm enquanto espécies diferentes?

No meio destas questões, há uma questão que sobressai: como é que estas espécies se mantêm idênticas na presença de processos que, à partida, geram diversidade tais como selecção natural e deriva genética? Possivelmente através de limitações de plasticidade genética ou plasticidade de desenvolvimento; potenciais vantagens em preservar uma certa forma; mudanças a nível fisiológico; ou, em certos casos, tratam-se apenas de espécies irmãs: espécies que se apenas se separaram recentemente e cujas diferenças se acumularão com o passar do tempo.

Com as alterações climáticas, poluição, fragmentação e destruição dos ecossistemas e poluição acentua-se a necessidade de entendermos a biodiversidade e ponderar em como a preservar. Por um lado, a ocorrência de espécies crípticas pode esconder uma parte substancial da biodiversidade mas por outro lado, poderá levar a falhas na conservação de espécies. Porém, nem tudo são favas contadas. Nem todos os cientistas concordam com os termos aplicados até então. O que é necessário para classificar uma espécie de críptica? Qual é o grau de divergência genética necessária para serem classificadas enquanto espécies diferentes? E quão semelhantes devem ser em aparência para serem consideradas crípticas?

No Museu de História Natural de Oslo temos debatido estes temas.

José Cerca de Oliveira
Siri Birkeland
Sonja Kistenich

Trude Magnussen

1 comentário:

Anónimo disse...

Eu chamo criptografia à CDU dos bibliotecários que servem para esconder os livros dos leitores. Quanto às 16 espécies são mesmo iguais? É que os sentidos dos peixes podem ser diferentes dos nossos...tenho dificuldades em engolir essas 10 espécies no mesmo local... Adriano Silva

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