quarta-feira, 13 de abril de 2016

“É PROIBIDO... MAS PODE-SE FAZER”


Meu artigo no Público de hoje:
O humorista brasileiro Millôr Fernandes respondeu assim à pergunta sobre se um químico pode tomar decisões "precipitadas”: pode, mas não é uma "boa solução". Começou mal o novo ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, bioquímico de formação, ao tomar a decisão de acabar com os exames no ensino básico antes do 9.º ano, introduzindo “provas de aferição” a meio dos ciclos desse nível de escolaridade. A sua mudança foi apressada. Não houve nenhum estudo fundamentado nem nenhum debate público. Foi uma medida tomada apenas com base em preconceitos, de natureza ideológica, que vingam em certos sectores do PS e dos seus parceiros. Confrontado com opiniões contrárias, o ministro ainda se desdobrou em reuniões com directores de escola, mas não escapou à censura presidencial: a sua tão urgente e radical reforma acabou por ser matizada pelo Presidente da República. As escolas, querendo, podem afinal realizar exames. Com Marcelo Rebelo de Sousa ficou uma coisa do tipo “é proibido, mas pode-se fazer”.

Critico o ministro a contragosto. Quando tomou posse, escrevi, com não disfarçada alegria, que “o novo ministro da Educação é novo”. Era alguém que vinha de fora, de uma geração que não tinha encontrado futuro no país mas que queria contribuir para o futuro do país. Os professores tinham sofrido desilusões com os ministros anteriores: Maria de Lurdes Rodrigues originou uma impressionante manifestação de professores e Nuno Crato, que tinha ido a ministro nos braços dos professores, acabou no chão sem um braço que lhe acudisse. Acreditei que o novo titular da pasta ia procurar redignificar os professores, uma profissão que conheceu nas últimas décadas um processo de proletarização. Teria feito bem se tivesse mobilizado os professores, que são o esteio da escola, pedindo-lhes ajuda no caminho a tomar. Em vez disso, seguiu as vozes mais extremistas dos partidos no poder, que reclamavam, com justificações delirantes, o fim imediato dos exames, vistos como um mal absoluto. Uma das razões era que os exames prejudicavam os infantes que, coitadinhos, não podiam ser expostos a esforços intelectuais mais intensos (como se a escola não fosse o meio que a sociedade criou para preparar para a vida e como se a vida fosse fácil). Outra era que tinha voltado a quarta classe de antigamente, existindo uma malvada intenção governamental de exclusão precoce (nada mais errado já que os exames só contavam com 30 por cento para a nota do aluno). Outra ainda dizia que os exames eram antipedagógicos, pois a boa pedagogia dispensaria a avaliação (os emissores dessa opinião são, como é óbvio, contra qualquer forma de avaliação).

O timing escolhido para a alteração não podia ser pior. Não faz qualquer sentido mudar as regras a meio do jogo, isto é, do ano lectivo. O ministro prosseguiu a nossa má tradição, que consiste em cada novo governante querer recomeçar tudo. Além disso, não explicou suficientemente: Por que razão não deu uma entrevista em que explanasse a sua visão  em vez de se refugiar atrás de um comunicado?  E por que não nomeou um grupo de trabalho  que apurasse as vantagens de substituir umas  provas nuns anos por outras noutros anos? As “provas de aferição” vão ser inúteis, pois as crianças não se vão preocupar com provas que não contam para nada (não havendo provas que contem, ninguém estuda!) e também porque não existe qualquer registo histórico para comparar os resultados.  De resto, a prova no 2.º ano parece-me particularmente absurda, pois as crianças nessa fase ainda não lêem nem escrevem com fluência. Já uma prova no 4.º ano, ainda que não contasse para os alunos, poderia  indicar sobre se as escolas estavam a cumprir a sua missão, designadamente formando leitores capazes.

O nosso sistema educativo precisa de estabilidade. Os professores e os alunos precisam de fazer o seu trabalho em paz, sabendo atempadamente o que os espera.  Agora, com a legislação promulgada, está instalada a entropia nas escolas. Umas vão fazer o que já faziam, outras vão fazer outra coisa, adoptando novas provas preparadas à pressa. O argumento de que a escolha do modelo de avaliação, o antigo ou o novo, assenta na autonomia das escolas não passa de uma desculpa esfarrapada. Em primeiro lugar, porque essa autonomia tem sido uma palavra vã e, em segundo, porque fivou um regime  transitório de provas e, para o ano, a proclamada autonomia já não vai existir. Receio que as escolas vão, moldadas como estão ao centralismo, alinhar com o Ministério.  

“Provas de aferição” é um termo de eduquês. O "eduquês", que sempre foi inimigo da avaliação, está de volta, mais forte do que antes. Nuno Crato, revelando inabilidade política, tornou os exames no ícone da sua política, esquecendo que eles são um meio e não um fim. Agora não me admira nada - nem deve admirar a ele -  que seja a vez dos iconoclastas.


*Professor universitário (tcarlos@uc.pt)

7 comentários:

Unknown disse...

Os meios não se podem separar dos fins. E Nuno Crato sabe e sabia isso. Dizer que considerava os “exames um meio e não um fim” é uma invenção dos que o atacavam. A frase não passa aliás de um sound bite. É mais uma daquelas frases sem significado que depois são repetidas até à exaustão por quem não reflecte sobre o que ouve. Da sua preocupação para que houvesse programas e currículos sérios, e para cumprir (metas) ninguém fala. Também não é verdade que Nuno Crato tenha acabado “no chão sem um braço que lhe acudisse”. Nuno Crato caiu porque resolveu enfrentar o sindicado dos professores, ou melhor, a FENPROF, porque sabe e sabia que sem um processo exigente de formação e selecção dos professores, o ensino será sempre medíocre. E caiu também porque resolveu enfrentar os poderes (cada vez menos) ocultos, de que é exemplo o caso Relvas.

Rosa disse...

Se por um lado concordo que a decisão de mudar as regras dos exames a meio do jogo não faz sentido, ou que deixar às escolas a decisão de os fazer ou não também não o faz, não posso deixar de perguntar qual a importância dos exames para uma melhor aprendizagem. Há dados que comprovem que os alunos ficam a saber mais? Mal vai uma escola em que os alunos apenas estudam para/nos anos de exame. Mas para que servem eles, afinal, se não influenciam as notas dos alunos? Para criar pressão naqueles - poucos - que os levavam a sério, ou para os rankings que medem todas as escolas por igual, independentemente da área socioeconómica em que se integram? A questão fundamental passa, a meu ver, pela consciencialização de todos para a importância do saber e que esse saber começa (mas não se esgota) na escola, para a curiosidade que a escola deve ser capaz de despertar nos alunos. O que é preciso é mudar a escola e a forma como se ensina. Mudar avaliações e manter tudo na mesma parece-me que em nada ajudará. Assim, mais vale acabar com os exames.
Agora quanto ao ministro: ainda não tenho opinião formada, mas está a decorrer neste momento um inquérito - lançado pelo ministério da educação, via DGE - a todos os professores sobre as metas curriculares e programas das suas disciplinas. Já respondi e pareceu-me que há preocupação (pelas perguntas que encontrei) em que estes se tornem exequíveis e adaptados aos alunos. Neste contexto, não posso deixar de me congratular por - pela primeira vez - um ministro querer ouvir todos os professores. E isto é, em meu entender, "pedir ajuda no caminho a tomar".

Unknown disse...

"não posso deixar de perguntar qual a importância dos exames para uma melhor aprendizagem". Tem uma maneira simples de obter a resposta: imagine que para ter carta de condução não necessitava de exame mas apenas de ter um determinado número de lições. Qual seria diferença?

João Boavida disse...

Os benefícios e malefícios dos exames estão estudados há muito. Têm várias vantagens e vários inconvenientes. Ver só os inconvenientes,como o fizeram os militantes do politicamente correto e os divulgadores das ideias feitas é um perfeito disparate. É claro que muitos dos nossos governantes ainda pensam que ficarão na história refazendo tudo, mesmo o que estava a ser bem feito. Neste domínio o PS é especialista. Não se livra de que se pense que andou mais uma vez a reboque da Frenprof. Andamos nisto há anos e anos! Uma coisa é certa, o esforço é necessário à aprendizagem, e não é nivelando todos por baixo que os mais desfavorecidos se libertam e desenvolvem. Finalmente, a avaliação é uma componente indispensável de qualquer aprendizagem, deve levar-se muito a sério porque sem ela o processo está incompleto.

Rosa disse...

" imagine que para ter carta de condução não necessitava de exame mas apenas de ter um determinado número de lições. Qual seria diferença?" - Dado que estamos a falar de exames do ensino básico: Imagine que, para ter carta de condução, um determinado número de lições determinava 70% da mesma e o exame apenas 30%. Qual seria, então, a diferença? Para que serviria o exame?

Unknown disse...

Para nada! Portanto o que é necessário é inverter as coisas: aumentar, e não reduzir, o peso dos exames (a sério).

Rosa disse...

Não me parece que concorde consigo.
Quanto a mim o ensino básico é um tempo de autoconhecimento; de criação de hábitos de trabalho; um tempo para desenvolver técnicas e métodos de estudo; um tempo para perceber qual melhor forma de estudar (porque não é igual para todos).
Os alunos não deixam de ser avaliados porque não fazem exames.

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