J. M. S. Simões Pereira é um matemático e engenheiro
geógrafo natural de Coimbra, com dupla nacionalidade (portuguesa e
norte-americana), que depois de ter feito o doutoramento na Universidade de Coimbra
em 1967 (antes tinha estado no Instituto Gulbenkian de Ciência, onde foi discípulo
de António Gião; a tese que começou sob sua orientação teve de ser retirada por
uma parte estar baseada num artigo do
supervisor que se provou estar errado) foi professor na Universidade de Coimbra
(regressou a Coimbra por razões familiares em 1990, é professor emérito desde
2011) e em várias universidades norte-americanas (Western Michigan University, City
University of New York, onde ficou full professor) e, após a jubilação
portuguesa na Universidade de Delaware em Newark (nos Estados Unidos não há o
nosso limite de idade, por ser considerado “age discrimination”). O seu campo
de investigação foi a Teoria Combinatória,
tendo publicado em várias revistas da área e tendo escrito vários livros, como “Introdução
à Matemática Combinatória (Interciência, Rio de Janeiro, 2013) e “Grafos e Redes
(idem, 2014). Um episódio curioso ocorreu em 2008 quando se descobriu, na
Índia, que um matemático aí conhecido tinha plagiado um artigo de Simões Pereira
de 1972), o que lhe valeu um processo por parte da sua universidade. Simões
Pereira tem tido intervenção cívica: foi fundador e vice-presidente de um
sindicato (SNESup- Sindicato Nacional do Ensino Superior).
Até aqui parece uma carreira normalíssimo de um matemático universitário,
feita em dois países. O que já não será tão normal é o facto de ter fundado uma
editora, “Luz da Vida”, sediada em 2003
em Coimbra, onde, sob o pseudónimo de “Zé-Manel Polido” publicou um livro de
poesia (“Amor Explorado”, 2003), dois ensaios auto-biográficos (“Amor, Solidão
e Fé: cartas e páginas de um diário”, 2004, e “O Norte da Minha Bússola, 2014),
e um livro de crónicas à volta da ciência
(“Convicções e Cepticismos, 2014). As poesias e as obras auto-biográficas terão
resultado de um drama familiar, que o autor não disfarça: a sua separação dos
filhos após divórcio. E depreende-se que a auto-edição tenha sido a saída
perante a dificuldade de publicação por editores comerciais. A mesma editora
publicou obras científicas “Matemática discreta: Tópicos de Combinatória” (2006),
“Matemática Discreta: Grafos, Redes, Aplicações” (2009) e “Topologia: Introdução e Deambulação Incomuns" (29012). Não é nada normal, convenhamos, que uma editora pessoal imprima tanto
poesia, como biografia como ainda matemática avançada, todas elas do mesmo autor.
Por amável oferta do autor tenho desde há algum tempo (só agora
os pude ler) “O Norte da Minha Bússola” e “Convicções e Cepticismos”. O primeiro é uma
compilação de textos auto-biográficos. Alguns capítulos são mesmo poemas, de
estilo marcadamente clássico, e que não sou competente para avaliar (embora
confesse o meu gosto vá, entre os autores modernos, para textos mais modernos).
Dou um exemplo para o leitor perceber melhor:
NEM O SAMARITANO ME
AJUDOU
Sonhei que ia seguindo
o meu caminho,
Confiante, mas quem
sabe? Já perdido.
Vieram malfeitores que
me atacaram,
Fui troçado, despojado
e agredido.
Caí no pó, da berma e
ali fiquei…
Dos passantes ninguém
para mim olhou.
Exangue,
ensanguentado, todo ferido,
Nem o samaritano me
ajudou.
À mercê dos silêncios
eu jazi,
Por socorro gritei!
Quem ouviu?
Nem eu próprio entendi
que morri!
Mas, morri? Alguém
viu?
Não, porque revivi!
Não, porque revivi!
Ocorreu-me ao ler que cientistas famosos que protagonizaram progressos nos seus campos foram ultra-conservadores nos seus gostos
artísticos. Einstein, por exemplo, na música gostava de Bach e Mozart, mas o
seu gosto só chegava até Schubert. Nada de Debussy ou Tchaikovsky. No Cap. 9, o autor queixa-se da indiferença de
um laureado Nobel da Literatura, o irlandês Seamus Heaney, a quem entregou uma
tradução em inglês de um poema também motivado por uma dor pessoal. E queixa-se também da indiferença de
professores de Literatura...
Por outro lado, “Convicções e Cepticismos” é um conjunto de
textos, também muito diferentes, mas desta vez menos ligados à vida do autor. Apesar
de tudo, são textos, como o título indica, em que ele expressa as suas
certezas e as suas dúvidas. Por exemplo, ao abordar de início a poesia, critica
abertamente António Ramos Rosa e Fernando Pessoa por terem poesias que ele considera
incompreensíveis (“não se devia chamar poesia”). Vários temas da ciência são discutidos em seguida, em estilo mais de crónica do que de ensaio, como
o darwinismo (no qual o autor vê falhas, falando mesmo em título do “endeusamento
pateta de Darwin”), o ambiente, a futurologia
(o controlo da gravidade, a incerteza de Heisenberg, a digitalização da
matéria), a cosmologia, as ciências sociais e humanas (ciências da educação, que
para o autor são artes e não ciências, ciências políticas, sociologia e
economia) e, por último, a relação da ciência com a religião (para o autor são “irmãs
gémeas iguais”). São textos de opinião, que em geral vêm contra opiniões
aceites. Só me pronuncio sobre questões da física e química. E aí o autor
parece-me pouco informado, por exemplo quando conjectura no Cap. 3 que, além
das forças fundamentais, deverá existir uma "quinta força", responsável pelos fenómenos da vida. É uma
posição vitalista, que contrasta com a
moderna biologia molecular, que tem explicado a biologia inteiramente com base na física e a
química. E o mesmo quando coloca a velha questão de a vida não se poder formar
por auto-organização: tudo indica que pode. Essa tal “quinta força” da Biologia
constituiria, para o autor, uma excepção às leis da Termodinâmica: ora não
conhecemos qualquer excepção às leis da Termodinâmica. Para Einstein esse é até o
ramo da Física mais sólido. Os sistemas vivos são abertos e, considerados com o
ambiente à sua volta, têm um comportamento perfeitamente compatível com a
Termodinâmica que conhecemos desde o século XIX.
Em resumo: Simões Pereira, cujo currículo matemático é
indiscutível, expande nos seus livros auto-editados opiniões
heterodoxas sobre temas de ciências que não deve conhecer tão bem quanto a
matemática. Tem todo o direito à sua opinião, mas, como acontece com outros cientistas,
não se pode dizer que a sua autoridade nas matérias da sua especialidade seja
extensível a outras áreas.
1 comentário:
Oh, meu caro Fiolhais, só hoje, 22 de maio de 2016, por indicação de um amigo, é que li o que tinhas aqui escrito sobre a minha escrita… Quero dizer-te o quanto isso me alegrou e enviar-te um grande obrigado.
Quem me dera que muitas pessoas escrevessem sobre os meus livros, mesmo que fossem críticas violentas, justas ou até injustas. Não esqueço a opinião do Letria, quando presidente da SPA, “o que mata é o silêncio!”
Enfim, não deixo de te recordar o que digo na página 8, linhas 7 a 13 do meu livro “Convicções e Ceticismos”: não afirmo que descubro erros, reconheço, sim, que não compreendo muitos aspectos dos discursos oficiais. Tal como muitas outras pessoas (não especialistas, entenda-se), por isso julgo termos direito a explicações mais claras pelos peritos das respetivas áreas.
Quanto ao poema, reproduzes tudo bem exceto a última quadra que é: À mercê dos silêncios eu jazi. / Por socorro gritei! Quem é que ouviu? / Nem eu próprio entendi que já morri! / Mas morri, só que ainda ninguém viu…
Mas olha, ao acrescentares da tua lavra que eu revivi, só dás mais uma prova de que és um bom amigo!
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