Texto de Guilherme Valente no Expresso de ontem:
De biologia, o ministro [da Educação] deve saber muito. Do resto, que é tudo, duvido que saiba grande coisa. A educação não se reduz à ciência, mas deve recorrer à ciência. Ora a ciência não propõe o que o Ministro está a fazer. Os seus actos não revelam espírito científico. A que «cientistas», foi buscar a ideia da inconveniência universal dos exames?
Lembro-lhe a asserção de Marx, "análise concreta da situação concreta". Na Finlândia, Japão e confuciana Coreia, onde a educação é vivida como uma religião, não são necessários muitos exames.
Em Portugal, sem exames poucos estudam, menos se ensina, muitos pais deixam de acompanhar o estudo dos filhos.
Os exames não são para "chumbar". Conjugados com outras medidas, são para que haja cada vez mais alunos a transitarem sabendo.
E bastaram três anos para que o resultado se visse: «Chumbos e desistências tiveram queda generalizada no último ano lectivo», (Público 1/7/ 2015)!
Perante esta prova dos factos o que faria um ministro animado pelo espírito científico? Aperfeiçoaria o que resultou, prosseguiria no caminho que a realidade provou acertado.
Fez o contrário. Liquidou sumariamente tudo. Cegueira ideológica? Ou submissão ao projecto, desesperado, do quanto pior melhor?
Foi a brincar, sem exames, que o Ministro entrou em Cambridge?
O consenso actual na educação, informado pelas ciências, é explorar, sem dogmatismo, o melhor de cada uma das várias teorias e práticas, aperfeiçoando as soluções que se revelarem mais fecundas. Excepção para o facilitismo, repudiado universalmente. Como sublinha S. Dehaene*, investigador nas ciências cognitivas, verificou-se que uma exigência forte no início é benéfica para a criança. Logo no pré-escolar, onde as desigualdades devem começar a ser enfrentadas. E as crianças gostam desse desafio, e da recompensa da avaliação. A aquisição precoce de certos automatismos, na língua como na aritmética, permite libertar o cérebro para a compreensão do texto e para outras aprendizagens na matemática. Há na Europa escolas experimentais, públicas e privadas, onde as crianças já sabem ler aos 4 anos. E outras em que terminam o 4º. ano sabendo a gramática e aritmética do ciclo seguinte.
Num exame de Matemática, uma catedrática de Coimbra começou a ouvir um sussurro na aula. Estariam a copiar? Aproximou-se e viu, atónita, que os alunos... soletravam o enunciado dos problemas! Sabe o Ministro de quem é o primeiro registo confirmado de uma leitura mental? Santo Agostinho, quando observou Santo Ambrósio a percorrer com os olhos um texto... sem falar (ano 384)!
A deficiência na leitura comprometia todo o percurso escolar. Por isso era vital um exame no 4º. ano. Em breve se verá o resultado da sua liquidação...
No secundário a mudança deve passar por se personalizarem os percursos, para promover o melhor de cada aluno. Um secundário comum que escolarize todos, mas ofereça diversidade de percursos, que tenha em conta a variedade dos interesses, as potencialidades de cada um. Exactamente o contrário do que o Ministro veio para fazer. Com o resultado no abandono escolar que se verá em breve**.
Na chegada a Portugal, as teorias a que chamámos eduquês apresentaram-se como novas. Não o eram. 40 anos depois são ainda mais velhas! E também entre nós foram uma experiência devastadora.
No delírio ideológico de tornar todos iguais, cavaram um fosso maior entre os mais favorecidos e os outros. Exigência e sucesso para o ensino privado, facilitismo e miséria para o público. Grande esquerda!
Pois são essas ideias decrépitas, fechadas à realidade e aos avanços da ciência, combatidas em todo o mundo, que o Ministro terá sido encarregado de pôr de novo à solta.
Guilherme Valente
*Jean-Michel Blanquer, L' école et lá vie, Odyle Jacob, 2015
** No último ano de Sócrates, 28,3%. No primeiro de Passos Coelho, 23%. Em 2014, 17,4%. Meta europeia, 10% para 2020. Saberemos em breve a percentagem em que Crato o deixou, depois destes breves anos de exigência.
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9 comentários:
O nível de ignorância deste senhor Guilherme Valente é de tal ordem que só isso pode justificar o conjunto de vacuidades deste artigo. Se tem conhecimento do que fala, então é mais grave, porque é intelectualmente desonesto.
Mas conhecemos-lhe a história: gerou o monstro Nuno Crato, que foi apenas o pior ministro da educação da história da democracia e que, por isso mesmo, agora tem de ser justificado, mesmo que para isso seja preciso alterar factos.
Uma vergonha.
Laura Teixeira:
Sim, este senhor - o Papa Anti-Eduquês - é o principal responsável pelo Crato, especialista instantâneo em Educação.
Mas teve muitos acólitos.
Eu já referi aqui um desabafo muito relevante e significativo do especialista instantâneo em Educação Crato.
Foi há anos, num programa que o Francisco José Viegas tinha na TVI24 sobre personalidades ligadas à Ciência, à Literatura e às Artes, à Cultura, em geral.
Entrevistava-as na sua própria biblioteca pessoal de cada entrevistado e falavam dos livros marcantes para cada um.
O dito especialista instantâneo em Educação Crato referiu, então, ter descoberto, havia pouco tempo, um livro de um(a) autor(a) americano(a) que o impressionara muito.
A partir daí e até se ter transformado, primeiro, em especialista instantâneo em Educação, depois, em ministro da paste foi um ápice.
E o panfleto cheio de banalidades e lugares-comuns sobre Educação que o Papa Anti-Eduquês publicou na sua editora – O Eduquês em Discurso Directo - foi a catapulta para este ex-fanático esquerdista, dos tempos do PREC, agora fanático fundamentalista neoliberal dos inquietantes tempos presentes, se ter tornado o maior especialista em banalidades e lugares-comuns sobre Educação.
Ainda se lembram da aleivosia do dito, e das palmas (agora silêncios incomodados, dos deputados da então maioria) quando a criatura disse: sim, quero fazer implodir o Ministério da Educação.
Implodiu ele primeiro, coitado.
Mas deixou parte dos objectivos cumpridos: só o Grupo GPS, dos colégios nas Caldas da Rainha, cidade nde a rede pública de escolas cobre as necessidades, tornando desnecessária aquela máquina de sacar dinheiro do OE, recebeu recentemente 102 milhões de euros.
É obra para um país falido.
Mas neste país falido (excepto em fanatismo ideológico) já nada me espanta.
Num artigo sobre o nosso ministro da Educação e as suas más decisões, os comentadores decidem falar de... Nuno Crato. Pois vale tudo para esconder que o homem que lá está agora em poucos meses já conseguiu destruir mais do que o Nuno Crato em 4 anos. Enfim, e que tal fazerem-se de úteis por uma vez, e falarem daquilo que o artigo diz?
Enquanto muitos professores tiverem medo dos exames e ficarem ansiosos quando os seus alunos são avaliados, não será possível mudar o nosso medíocre sistema de ensino.
Quando os próprios professores têm medo de ser avaliados, está tudo dito sobre a vontade que eles devem ter de avaliar os alunos...
Senhor Anónimo das 22:19, de 18/2,
Vejo que os factos e acusações que refiro o incomodaram.
Mas não os contestou.
Bom sinal.
Já que quer falar de factos, senhor Manuel, que tal falar do tema em questão, e discutir o facto que este ministro em dois meses esqueceu tudo aquilo que lhe foi ensinado enquanto cientista, e foi contra tudo o que os resultados indicavam, destruindo anos de esforços para melhorar o rendimento escolar de alunos? Tudo em nome de quê? Facilitismo? Ideologia de esquerda?
E que tal o facto de ele mudar as regras de uma no lectivo a meio?
Que tal o facto de PS, PCP e BE dizerem que os exames eram traumáticos, quando o abandono escolar tem consistentemente baixado, e as taxas de retenção também são menores?
Se o senhor ministro já destruiu tanto em dois meses, tenho medo de saber o que lhe pode passar pela cabeça ao longo dos quase quatro anos que faltam...
Aqui estão alguns factos. Não "factos" como os seus, mas factos mesmo. Discuta-os se quiser. Se não quiser falar sobre este tema, então está a falar no sítio errado...
E eu a pensar que me tinha enganado no blog ao ler um texto a defender algumas das coisas que o anterior ministro fez, afinal não , os Cerberos dos amanhãs que cantam andem ai ,bem vivos e mordazes a defender o seu tachinho.
P.S. sim é Cerberos mesmo
E ninguém defende o que lá está agora porque não dá... Não há tachinhos que valham ao nosso Ministro da Educação, que de repente deixou de ser cientista.
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