Minha crónica no Público de hoje:
No
final do século XX a Time escolheu Albert
Einstein para “pessoa do século”. De facto, poucos nomes simbolizam tão bem o
poder da mente humana para compreender o mundo. Com o recente anúncio urbi
et orbi da descoberta, no observatório
LIGO, de ondas gravitacionais, mais uma das suas extraordinárias previsões foi
confirmada. Neste século só encontro outros dois momentos de importância
equivalente em ciência - o anúncio em 2003 da sequenciação total do genoma
humano (três anos após o pré-anúncio feito por Clinton e Blair), que abriu a
porta a revolucionárias inovações na medicina, e o anúncio em 2012 da
descoberta no CERN da partícula de Higgs, que levou à atribuição no ano
seguinte do prémio Nobel aos físicos Peter Higgs e a François Englert, que a
tinham previsto quatro décadas antes.
Apesar
de ser uma enorme proeza científica, a descoberta das ondas gravitacionais não
foi uma surpresa para os físicos. Esperava-se que mais esta previsão de Einstein
fosse confirmada, após o mesmo ter acontecido a tantas outras. Mas é uma
coincidência curiosa que essas ondas tenham aparecido no ano do centenário da sua
previsão, realizada no quadro da teoria da relatividade geral, que descreve a
força da gravidade através da deformação do espaço e do tempo em torno dos
astros. Trata-se de uma teoria não só bela – para alguns a mais bela teoria
científica - mas também verdadeira.
O
LIGO estava em funcionamento nos Estados Unidos desde 2002 em duas instalações
gémeas muito afastadas. São "antenas" em forma de L, com braços de
quatro quilómetros, nas quais se mede com luz laser o afastamento entre
espelhos. Ora este afastamento oscilou um bocadinho de nada em 12 de
Setembro último, quando a experiência recomeçou a funcionar após revisão
cuidada. Não foi um camião a passar perto, ao qual um detector é sensível, pois
o mesmíssimo sinal foi recolhido em ambos os sítios. A explicação só podia ser a
colisão de dois enormes buracos negros, que teve lugar há mais de mil milhões
de anos, quando a vida na Terra se resumia à forma bacteriana. Era uma onda gravitacional
que chegava após uma longa viagem no cosmos!
Buracos
negros são concentrações tremendas de matéria, à volta das quais o espaço e o
tempo se encurvam vertiginosamente em obediência à bela equação de Einstein. Um
par deles, após bailarem em espiral, fundiu-se num só, com cerca de 60 vezes a
massa do Sol, apesar de o seu raio ser menor que 200 quilómetros. O espaço e o
tempo abanaram com esse brutal cataclismo, tendo o abano chegado há cinco meses
à Terra. Não vemos os buracos negros, precisamente porque eles são negros:
engolem tudo, incluindo a luz. Mas deles chegou-nos informação directa. É como
um sino que ouvimos sem ver. Reconhecemos que é um sino, pois sabemos como
tocam os sinos. Do mesmo modo, sabemos que ocorreu o acasalamento de dois
buracos negros porque os nossos computadores calcularam o padrão de ondas que eles
criam. Na verdade, nunca tínhamos tido uma prova tão directa desses sorvedouros
cósmicos.
Além
de se colocar uma coroa de glória na fronte de Einstein abre-se uma nova janela
para observar o Universo. Até agora só se via o espaço através de luz (de
vários tipos, visível ou invisível). Passou-se também a recolher o
"som" do espaço, que é como quem diz as vibrações não de nenhum meio
material mas do próprio espaço-tempo, graças a acontecimentos singulares que
sacodem o “tecido” geométrico do mundo. De facto não se trata de som, porque as
ondas gravitacionais viajam através do vazio. E os espelhos não se moveram: o
espaço entre eles é que variou. A partir de agora haverá uma observação atenta
e permanente de ondas gravíticas. Como disse um dos cientistas envolvidos, só
tínhamos olhos para o espaço, agora temos também "ouvidos". Assistíamos
a uma peça cósmica em que só víamos e não ouvíamos. Agora ouvimos “sons” vindos
de sítios escuros. E concluímos que o espaço não é um sítio de pasmaceira, é um
cenário de acontecimentos violentos, que fornecem feéricos espectáculos de luz
e som.
Ao contrário do genoma mas tal como no caso da partícula de Higgs, é pouco
provável que tenhamos consequências directas das ondas gravitacionais no nosso
dia a dia. Usamos ondas electromagnéticas, ou luz, porque é fácil construir fontes
dessas ondas (as antenas, onde cargas são sacudidas por forças eléctricas). Mas
não temos maneira de criar ondas gravitacionais, que também viajam à velocidade
da luz, uma vez que não é fácil originar ondas gravíticas, muito mais fracas do
que as electromagnéticas. Em contrapartida, já é provável que haja
consequências indirectas: a maquinaria complexa e delicada que foi construída
para confirmar a ideia de Einstein poderá levar a desenvolvimentos úteis para
todos. Quando foram criados relógios atómicos para medir o tempo com precisão
ninguém pensou que eles seriam hoje usados nos nossos aparelhos de GPS...
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