quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016
HABEMUS ONDAS GRAVITACIONAIS!
Hoje, com a publicação na Physical Review Letters de um artigo da equipa LIGO (com cerca de 1000 autores) em que é anunciada urbi et orbi a descoberta de ondas gravitacionais, previstas por Einstein há cem anos, é um grande dia para a ciência. Para pormenores leia-se o artigo do escritor de ciência Dennis Overbye no New York Times: aqui. O astrónomo real britânico Martin Rees já tinha feito uma antevisão para o Daily Telegraph: aqui.
Neste século só encontro dois outros momentos grandes da ciência - o anúncio em 2003 da sequenciação total do genoma humano (com o preanúncio feito por Clinton e Blair em 2000) e o anúncio em 2012 da descoberta da partícula de Higgs no CERN (o Higgs é a particula responsável pela massas das partículas elementares e a parte que faltava ao modelo padrão de partículas), que deu o prémio Nobel a Higgs e Englert em 2013), A sequenciação do genoma humano começa a ter aplicações na vida prática, o que está longe de ser o caso da partícula de Higgs...
A descoberta das ondas gravitacionais não é nada inesperado para os físicos. Todos eles esperavam, mais tarde ou mais cedo, que mais esta previsão de Einstein se viesse a confirmar. Mas é uma ironia da história que ela tenha sido feita escassos dois meses após o centenário da teoria da relatividade geral de Einstein, que tão bem descreve os fenómenos gravíticos através de uma deformação do espaço-tempo em volta de corpos com massa. Até agora todas as previsões da relatividade geral de Einstein bateram certo. É uma teoria não só bela - uma das mais belas teorias científicas - mas também verdadeira, muito verdadeira.
A experiência LIGO, financiada pela National Science Foundation, estava em funcionamento há alguns anos nos Estados Unidos repetida em dois locais muito afastados: os estados de Washington e de Louisiana, no noroeste e no sul. Trata-se de duas "antenas" com a forma de L com a extensão de poucos quilómetros, nas quais se pode detectar através da luz laser o afastamento entre dois espelhos. Ora os espelhos afastaram-se um bocadinho, um bocadinho minúsculo, em 12 de Setembro passado, quando a experiência começou a funcionar após uma melhoria dos equipamentos (durante anos e anos não se viu absolutamente nada!) devido à colisão de dois buracos negros que deu, muito longe de nós, há mais de mil milhões de anos. O sinal foi o mesmo nas duas antenas: um match perfeito, impedindo que a explicação fosse outra. It is a wave: e é uma onda que veio do espaço!
Além de se confirmar uma teoria abre-se uma nova janela para observações do espaço. Até agora só se via o espaço através de luz (luz de vários tipos, visível ou invisível). Agora passa-se a recolher o "som" do espaço, que é como quem diz as vibrações não de nenhum meio material mas do próprio espaço-tempo, graças a acontecimentos singulares mas não muito raros que são grandes cataclismos cósmicos. Como disse um dos cientistas envolvidos, até agora só tínhamos olhos para o espaço, Agora temos também "ouvidos". E o espaço não é um sítio de pasmaceira, é um cenário de acontecimentos violentos, que nos fornece feéricos espectáculos de luz e cor.
Tal como para a partícula de Higgs, é muito pouco provável, que tenhamos para já quaisquer consequências práticas no dia a dia. Usamos ondas electromagnéticas, porque temos fontes dessas ondas (que são cargas a abanar). Mas não temos maneira de enviar informação por ondas gravíticas, que viajam à velocidade da luz, uma vez que não temos maneira de produzir ondas gravíticas: não podemos colocar buracos negros a colidir uma explosão violentíssima, originando o sinal muito fraco que foi recolhido pelo LIGO, não podemos colocar massas gigantescas a abanar.
Mas agora haverá uma observação permanente, em Terra ou no espaço (a ESA tem uma experiência recente), de ondas gravíticas. Abre-se uma nova janela na astronomia! Vão-se ver melhor os buracos negros e as galáxias, muitas vezes com gigantescos buracos negros no centro, como a nossa Via Láctea. A descoberta que abre uma nova era merece o Nobel e Einstein já cá não está para o receber pela segunda vez. Mas os autores principais da experiência estão vivos. Aposto que Kip Thorne, o teórica da relatividade geral que aconselhou Carl Sagan para escrever o "Contacto" e que ajudou a fazer os efeitos especiais do filme "Interstellar", designadamente a imagem do buraco negro, vai ganhar um Nobel. Só falta saber quando.
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4 comentários:
Ora isto é ao que chamamos de um 'grande buraco negro'! Por acaso não encontrar ainda electricidade no Espaço?
« Sim, sim. Sabemos que há correntes eléctricas no Espaço mas elas não fazem nada. »
https://www.youtube.com/watch?v=JST8NHoAAcA (entre o 3ºe o 7º minutos)
Boa tarde ao Carlos Fiolhais e aos demais membros do De Rerum Natura.
Obrigado pela notícia. Venho pesquisando a relação entre teoria e experimentação na física contemporânea. Penso que a física relativística e a mecânica quântica são dois casos limites em que, via de regra, os grandes avanços são feitos a partir de um trabalho teórico muito abstrato, que Einstein chamou de "livre especulação do espírito". O resultado é que a teoria tem antecipado, em muito, a confirmação experimental. No caso da descoberta (99% de probabilidade) do bóson de Higgs, por meio do LHC no CERN, a teoria antecipou a confirmação experimental em 50 anos, criando um verdadeiro programa de pesquisa em Big Science. No presente caso, a teoria foi ainda mais visionária, tendo antecipado em um século o experimento que a confirmou. A Filosofia da Ciência, por sua vez, foi, quicá, na direção contrária, e os novos estudos de ciência, como os Science Studies, buscaram superar uma visão de ciência com foco na teoria em detrimento de uma concepção de ciência com ênfase nos experimentos - com vida própria - e nos laboratórios, como os locais, por excelência, da prática científica. Todavia, casos como o do Bóson de Higgs e das ondas gravitacionais talvez sirvam para nos alertar que não esgotamos ainda o tema das teorias científicas, de sua fecundidade e poder preditivo. Os fatos, quem sabe, acabarão por nos forçar a novamente voltarmos nossa atenção para o processo de criação teórica como força condutora da ciência. Uma Filosofia da Ciência com ênfase na teoria não somente ainda seja possível, como necessária. Todavia, é bem verdade que a dicotomia teoria-experiência é falsa. Não são faces conflitantes da ciência, mas processos interdependentes que se reforçam.
Vinícius Carvalho da Silva
PPGFIL-UERJ
Mais uma vitória para a Relatividade Geral, a mais testada teoria da Física (a par da Mecânica Quântica). Que esta confirmação seja verificada de novo, e que abra portas a novas experiências.
«Mas não temos maneira de enviar informação por ondas gravíticas, que viajam à velocidade da luz, »
Temos sim, chamem o Surfista Prateado!
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