Sem autorização nem cerimónia, reproduzo abaixo um texto de Ricardo Araújo Pereira e um desenho de João Fazendeiro, publicados na revista Visão, no dia 14 de Janeiro (e republicado on line no dia 21). Explico-me.
Desenho de João Fazenda |
Essa componente - que de modo algum se pode confundir com doutrinamento - faz todo o sentido no currículo, bem como faz todo o sentido a orientação que a tutela lhe deu: a educação para os direitos humanos.
Efectivamente, no sítio da Direcção Geral da Educação pode ler-se: "a educação para a cidadania visa contribuir para a formação de pessoas responsáveis, autónomas, solidárias, que conhecem e exercem os seus direitos e deveres em diálogo e no respeito pelos outros, com espírito democrático, pluralista, crítico e criativo, tendo como referência os valores dos direitos humanos."
O problema (trata-se de um verdadeiro problema) está na concretização dessa deliberação em diversas áreas (educação para a saúde, educação para o risco, educação financeira, educação para o empreendedorismo, etc.) que são, nada mais nada menos, a sua negação! Elas, sim, vivem do doutrinamento, puro e duro!
Porém, como se abrigam sob a designação de "Educação para a cidadania", por mais atentatórias que sejam dos direitos humanos (e são-no), as críticas que sobre elas poderiam recair afrouxam, e se alguma é esboçada imediatamente alguém trata de a atacar: então não é importante ensinar os meninos e as meninas a pouparem dinheiro para depositar no banco, a terem uma alimentação saudável, a protegerem-se de doenças sexualmente transmissíveis, a evitarem a gravidez na adolescência, a defenderem as mais diversas minorias, a evitarem todos os consumos nocivos... a descobrirem os afectos!?
Argumentos não bastam para enfrentar tal aparato, garanto (até porque a quem ele beneficia, e não são os alunos, e quem o constrói, desde o "documento curricular" ao "hino", sabe o que faz, é especialista)! Por isso, bendito o humor! Ainda que, digo eu, no meu cepticismo, nem com humor se consiga, para já, tornar a "educação para a cidadania" educação para a cidadania.
Leia, então, o leitor o texto de Ricardo Araújo Pereira
Poupança, mothafucka!
De vez em quando, um grupo de publicitários tem a incumbência de criar uma campanha dirigida àquele grupo que certas pessoas costumam designar por "a malta nova".
O uso dessa expressão costuma excluir imediatamente aqueles que a proferem desse mesmo grupo. Curiosamente, a malta nova nunca diz "a malta nova". Esse é um dos primeiros equívocos: as pessoas que desejam dirigir-se à malta nova cuidam falar a linguagem da malta nova, e acabam por fazer uma figura tão trágica como um espanhol que cuida falar inglês.
A estratégia habitual dos publicitários que pretendem seduzir a malta nova consiste na transmissão de uma mensagem aborrecida através de música rap. O efeito costuma ser involuntariamente humorístico, porque não é habitual que as músicas rap se debrucem sobre as características de um produto.
Mas a mais recente campanha publicitária que recorre à música rap talvez seja a primeira em que o género musical se acomoda perfeitamente ao conteúdo.
Refiro-me ao tema "A dança da poupança", com o qual um banco tenciona atrair o dinheiro das crianças.
Há um subgénero do rap chamado gangsta rap, que descreve o estilo de vida dos bandidos. Creio que qualquer rap sobre actividades bancárias deve ser incluído neste subgénero. Jay Z canta fugas à polícia e 50 Cent faz rimas acerca dos gandulos que lhe deram uns tiros.
Tendo em conta o que aconteceu no BPP, BPN, BES e BANIF, qualquer movimentação bancária parece ser hoje uma actividade de risco, muitas vezes até criminosa. Faz sentido, portanto, que seja publicitada através de um gangsta rap. O rapper do anúncio chama-se Silver MC.
É um porquinho mealheiro, mas em vez de ser cor-de-rosa, é cor de prata metalizada. Ou seja, trata-se de um porquinho pimp. Vê-se que é um desses porquinhos que bebem vodka Grey Goose pela garrafa, usa uma corrente de ouro ao pescoço e tem um tigre de estimação. É ele que canta a dança da poupança.
Sabendo o que tem sido o comportamento da banca nos últimos anos, é possível que a dança da poupança produza os mesmos resultados que a dança da chuva. De uma coisa, porém, os depositantes podem ter a certeza: estamos perante verdadeira poupança. Aquele dinheiro não vai ser mal gasto.
Pelo menos, pelo seu legítimo proprietário. Talvez seja altura de mães de todo o mundo actualizarem as suas advertências às crianças. Em vez de "não aceites doces de ninguém", mudar para "não aceites contas-poupança de ninguém."
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