Artigo de opinião de Guilherme Valente no Público de 05-02-16:
A escola exigente quer nivelar por cima, quer dar as mesmas
oportunidades de sucesso a todos. É o ascensor cultural e social mais
poderoso até hoje inventado.
“Um atleta não pode chegar à competição motivado se não tiver treinado muito”
Séneca
1.Nem o exame de Cambridge escapou à sanha liquidatária dos que não
gostam dos factos. Exame com validade internacional, arma preciosa para a
vida, beneficiaria este ano todos os alunos de inglês do 9.º ano. Agora
é só para quem o puder pagar no ensino privado.
E que dizer da decisão, à medida, de retirar às escolas a
possibilidade de terem uma voz na contratação de professores? Ao
contrário do consenso internacional, da prática dos países com maior
sucesso educativo.
Só falta acabar, secar de recursos, o ensino profissional (o
vocacional já está a arder na fogueira). E teremos o abandono escolar
medonho do tempo do eduquês puro e duro
2.Qual é a verdadeira razão do ódio aos exames?* Expliquei-a durante
anos, e iluminou-a cabalmente V. P. Valente no PÚBLICO de 18/1. É a
crença fanática de que a escola “burguesa”**, da cultura “erudita”**,
reproduz as desigualdades. Para supostamente o impedirem não hesitaram
em nivelar por baixo, idiotizando todos. E assim tornaram mais pobres os
pobres, mais desiguais os desiguais.
Pelo contrário, a escola exigente quer nivelar por cima, quer dar as mesmas oportunidades de sucesso a todos. É o ascensor cultural e social mais poderoso até hoje inventado.
3.Os exames não são para “chumbar”. Com o apoio e métodos
personalizados para os alunos com dificuldades, segundas chamadas com
período especial de acompanhamento, tal como foram introduzidos por Nuno
Crato, os exames são, pelo contrário, para que haja cada vez menos
alunos a precisar de ser retidos, para que todos passem sabendo.
Na Finlândia e no Japão, p.e., não são necessários muitos exames
(embora no Japão continuem a ser muitos). Nem na confuciana Coreia, onde
a educação é vivida como uma religião (80% dos alunos têm uma segunda
“escola”, até às 22h00!).
Em Portugal, é o contrário. Sem exames estuda-se menos, ensina-se
pior, muitos pais deixam de se preocupar com o estudo dos filhos. Se o
Ministro fosse o homem culto que penso não ser, perceberia porquê.
A propósito do estudo CNE/Fundação FFMS *** sobre a evolução dos
resultados dos alunos portugueses nos testes PISA 2002-2013, comento
alguns destaques da notícia do PÚBLICO (26/1), que bem interpretados
confirmam o que sempre sustentámos:
a) Portugal é o país da Europa “que mais associa chumbar a um baixo
estatuto económico e cultural da família”***. Ora, tendo presente o
período a que se refere o estudo, 2002-2013, relevante é perceber o
seguinte:
A escola permissiva, o facilitismo, o fim dos exames, ”o aprender a
aprender”, a desvalorização do papel do professor, etc.etc., não diminuíram, mas, pelo contrário, agravaram a
desigualdade de oportunidades entre as crianças de baixo e de alto
estatuto social e cultural. É isto que revelam os números do estudo
agora divulgado. Agravamento que se traduziu sempre num aumento das
desigualdades sociais.
b) Os alunos que repetiram “têm resultados abaixo dos que nunca
repetiram”. O inverso é que surpreenderia! Por alguma razão esses alunos
não tiveram sucesso na primeira avaliação.
Alunos que, por isso, deveriam ter podido beneficiar de
acompanhamento e apoio personalizado. Tal como viria a ser intensificado
com Nuno Crato, com créditos adicionais associados aos programas de
recuperação e de sucesso. Ou ter podido beneficiar da oportunidade de
prosseguirem a sua formação numa outra via de ensino. Oportunidade que
nos três últimos anos, de 2013 a 2015, foi alargada e reforçada.
Impõe-se, ainda, a interrogação seguinte: se não tivessem sido
retidos, ficariam a saber o que deviam ter aprendido e não aprenderam?
Isto é, acabar com os chumbos e as más notas torna os alunos sábios?
Prepara-os para o exame, muito mais duro, da vida? Aprender, qualificar,
exigência e oportunidade de sucesso para todos, não devem ser estes os
desafios da escola?
c) Entre os alunos de 15 anos, revela ainda o estudo, Portugal viu a
percentagem de chumbos aumentar de 30% em 2003 para quase 35% em 2009. E
porquê? Porque se quase não havia exames (apenas a farsa das aferições)
e havia pressão para passar toda a gente, teria de haver menos chumbos.
Sem avaliação séria, sem exigência, nem treino, nem desafio, com um
número dramático de alunos a saírem do primeiro ciclo do Básico sem
saberem ler, deveria esperar-se, claro, com a introdução de exames por
David Justino, que num primeiro momento as retenções aumentassem.
Particularmente no 9.º ano, a que os alunos chegam com cerca de 15 anos.
Curiosamente, começaram logo a diminuir em 2012, embora ligeiramente.
Com as alterações introduzidas pelo Governo de Passos
Coelho, nomeadamente o aumento do número de exames, em especial o do
quarto ano, a valorização da oferta do ensino profissional e a criação
do ensino vocacional, as alterações nos programas, a pressão de
exigência na formação dos professores, etc., a tendência inverteu-se
absolutamente, com os chumbos, no último ano, a diminuírem, e o abandono
escolar a baixar significativamente.
“Chumbos e desistências tiveram queda generalizada no último ano
lectivo”, título do meu insuspeito jornal PÚBLICO, 1 de Julho de 2015!
Mais factos!
Quanto ao abandono escolar, era de 28,3% no último ano do Governo de
José Sócrates. Logo no primeiro ano do Governo de Passos Coelho baixou
para 23%. Em 2014, 17,4%! A meta europeia é 10%, para 2020. Ver-se-á a
percentagem em que Nuno Crato o deixou, depois destes breves anos de
maior exigência. Para muito em breve, mais factos, portanto! Quando irá o
INE divulgar esses números referentes a 2015?
Note-se que a Holanda, no período em causa, com exames, antecipando
alguns anos as mudanças educativas ocorridas entre nós, diminuiu o
número de retenções, “conseguindo praticamente uma paridade de chumbo
entre alunos de classes sociais mais e menos abastadas”.
Tal como entre nós se começou verificar já em 2015, graças às medidas adoptadas nos últimos três anos.
Se olharmos para a percentagem de retenções no 12.º ano, onde há mais
tempo existem exames, veremos como o sistema se adaptou com sucesso à
exigência… Ainda mais factos…
d) Finalmente, quanto à tão badalada preocupação com os custos das
retenções – preocupação hipócrita, pois desperdiçaram rios de dinheiro
durante todos esses longos anos em que brincaram com o destino das
nossas crianças – ocorre dizer o seguinte: se o objectivo é oferecer um
diploma de qualificação a quem não tenha aprendido nada, então a solução
mais económica será acabar com a escola. Não será mais um facto?
Com franqueza.
*A ex-secretária de Estado Ana Benavente – que nas trevas
que agora se adensam regressou do passado com um artigo assombrador
(PÚBLICO, 11/1) – quis mesmo impedir a participação dos alunos
portugueses no PISA (se o tivesse conseguido não haveria dados para o
estudo em análise…). Ver G.V. e Carlos Fiolhais, “A governante que não
quer ser avaliada”, PÚBLICO, 24/1/2001. Outro regresso do passado, é do também ex-secretário de Estado Joaquim Azevedo, este com um amontoado de trapalhada e vazio. (DN , 25/1).
** A distinção tão culta (ou “culta”?) e as expressões tão operativas são de Ana Benavente, in Educação, Ciências Sociais e Realidade Portuguesa…, Porto, Afrontamento, 1991.
*** As citações são todas da edição referida do PÚBLICO.
Guilherme Valente
Ensaísta, autor de Os Anos Devastadores do Eduquês, Lisboa, Presença, 2012
4 comentários:
Caro Dr Guilherme Valente,
Subscrevo novamente. A "terapia" que nos querem propor é semelhante à de um médidco que, confrontado com a febre do doente, prescreve que se parta o termómetro. Assim, a febre "acaba", o principal indicador desaparece e "todos ficam felizes"!
Apagam-se os indicadores problemáticos e mata-se a possibilidade de detecção de novas febres.: uma variante do portuguesíssimo acto de varrer o lixo para baixo do tapete.
GA
Mas que disparate: "Em Portugal, é o contrário. Sem exames estuda-se menos, ensina-se pior, muitos pais deixam de se preocupar com o estudo dos filhos." Não tem qualquer sentido, nem é conhecido que tenhamos falha genética. A obsessão ideológica não deixa ver que o que tem sucesso noutros países (poucos exames, muita investigação educacional, adequados recursos nas escolas) tambem funcionará por cá, se os verdadeiros conhecedores puderem organizar o ensino.
Não é "falha genética" Sr. Vasco Gama,mas é sem dúvida uma questão cultural e social. Se isso dos "verdadeiros conhecedores" for verdade e se por cá eles estiverem forem dirigentes da FENPROF, então podemos estar descansados.
O que é estranho nisto tudo é que, estando o insucesso no nosso sistema de ensino intimamente ligado ao “baixo estatuto económico e cultural da família” dos alunos, como todos os estudos quantitativos sobre o assunto aliás o revelam, seja a chamada “esquerda” (por definição defensora dos mais desfavorecidos), que mais defende este sistema e tem impedido, por formas por vezes muito agressivas, qualquer mudança de fundo, nomeadamente as que têm a ver com o rigor e a exigência.
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