sábado, 20 de fevereiro de 2016

"O rapaz magro e a rapariga gorda"

Na sequência de texto anterior: este será, por certo, mais um poema de Luísa Ducla Soares que, em breve, alguém contestará. Afinal, as palavras "gordo" e "magro", também foram excluídas do dicionário "politicamente correcto", cada vez mais magro, coitado!

O rapaz magro e a rapariga gorda

Era uma vez um rapaz tão magro,
tão magro, tão magro,
que passava sem se molhar,
entre as gotas da chuva.

Era uma vez uma rapariga tão gorda,
tão gorda, tão gorda,
que às vezes, lhe chovia sobre o braço direito,
enquanto o esquerdo apanhava sol.

O rapaz magro, nos dias de Verão,
punha-se à espera que regassem a rua.
Então, muito satisfeito, ia tomar banho
nos carris dos eléctricos...

A rapariga gorda, nos dias de Verão,
ia à praia refrescar-se.
Mal entrava dentro de água,
subia o mar até à estrada...

O rapaz magro tinha a boca tão estreita
que só comia fios de ovos e aletria.
Chupava água por uma palhinha,
copo mais grosso não lhe servia.

A rapariga gorda tinha a boca tão larga
que comia numa dentada
um pão saloio mais um peru.
Por copo usava um alguidar.

O rapaz magro dormia numa cama original:
era uma cana cortada ao meio.
Fez-lhe almofada, fez-lhe colchão
com um maço de algodão.

A rapariga gorda também dormia numa cama original,
era o casco de um navio.
Fez-lhe almofada, fez-lhe colchão
com mil sacos de lã trazidos de camião.

O rapaz magro era canalizador.
Entrava pelos canos dentro
com um fósforo nas mãos
e desentupia-os na perfeição.

A rapariga gorda era empregada da fábrica de puré.
Sentava-se numa montanha de batatas cozidas e elas
transformavam-se logo em puré

O rapaz magro sonhava com raparigas gordas.
A rapariga gorda sonhava com rapazes magros.

Até que uma rabanada de vento atirou o rapaz magro pelos ares.
Foi chocar na rapariga gorda.

Amaram-se à primeira vista.
Casaram e tiveram muitos meninos, nem gordos nem magros.

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