Há poucos dias foi notícia o caso, que se tem tornado recorrente, de pedidos que estudantes universitários americanos e ingleses fazem aos responsáveis pelos seus cursos para não serem obrigados a ler obras clássicas que contenham alguma passagem ou expressão capaz de ferir as suas "sensibilidades".
Ao que parece as suas "sensibilidades" são muito sensíveis, sensíveis ao ponto de não conseguirem tolerar qualquer referência a coisas tão comuns como a morte, a tortura, a opção sexual, o incesto, a cor da pele ou outras características do corpo, a etnia, a desigualdade de género, a religião... E fico-me por aqui na lista, que é do tamanho de um comboio!
Condicionados e recondicionados ao longo de uma escolaridade light, morna, imbecilizante, batalhada (e conseguida!) por "agentes educativos" da mais inimaginável natureza e intransigência (onde, espantosamente, se incluem pais e professores), esses jovens adultos são incapazes de perceber que uma obra, se é uma grande obra, fere sensibilidades.
Todas as grandes obras da literatura incomodam, todas! Ao interrogarem a condição humana (é isso que as distingue) expõem-nos, interrogam-nos, solicitam o que de mais ancestral e profundo está em nós, sabe-se lá onde; abanam-nos, dão-nos murros... Quem lê sabe bem que esses murros doem, e muito!
A literatura, sendo do campo da arte, não trata do bonitinho, do fofo, do giro, trata do que somos, do que sempre fomos e do que havemos de continuar a ser. Exercício essencial se tencionarmos, nesta breve passagem pela vida, entender... a vida, ainda que, na certa, não o consigamos.
O que os estudantes americanos e ingleses pediram será em breve pedido pelos nossos estudantes, pois, também por cá, os tais "agentes educativos" têm feito um trabalho exímio, de modo que, na escola, as nossas crianças e jovens pouco contacto têm tido com textos literários. Os poucos que lhes são dados a ler, se vistos por alguém como "controversos" ou "difíceis", passam por um processo de manipulação, sobretudo por supressão de passagens ou de palavras, de modo que o que fica é o que resta de uma ceifa inqualificável. Compreende-se, pois, que um dia destes reajam.
Bem acolhidos há décadas pelo Ministério da Educação, esses grupos têm ganho segurança e protagonismo ao ponto de se manifestarem como se pode perceber no artigo de Joana Gorjão Henriques intitulado Queixas de racismo e discriminação em manuais escolares, saído hoje no Público.
O artigo é desencadeado por textos que constam em manuais escolares do 1.º ciclo do ensino básico e que são considerados uma afrontam contra... alguma coisa. Entre eles estão dois ou três de Luísa Ducla Soares.
Além de mães e outros queixososs, estão implicados, porque questionadas directamente, editoras de manuais escolares e a Provedoria de Justiça, e, porque questionados indirectamente, o Plano Nacional de Leitura, o Alto Comissariado para as Migrações, a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial, o SOS Racismo, a Secretaria de Estado para a Cidadania e Igualdade, o Ministério da Educação.
Se a resposta do Ministério da Educação não for firme, como deve, não haverá texto literário que se salve!
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