Meu texto, sem as figuras, no livro "Quarenta anos de políticas de ciência e de ensino superior em Portugal" que acaba de sair na Almedina (org. M.L. Rodrigues e M. Heitor)
A revolução
de 25 de Abril de 1974 permitiu desenvolver em extraordinária medida a ciência
em Portugal [1-3]. Tal aconteceu sobretudo após a entrada de
Portugal na União Europeia (à época Comunidade Económica Europeia) em 1 de
Janeiro de 1986, uma vez que ela permitiu que consideráveis fundos europeus
fossem usados para apoiar bolseiros, projectos, unidades de investigação e
infra-estruturas
de ciência entre nós. Portugal era, nesta área, um país muito atrasado e deu,
nestes 40 anos, um passo de gigante para se aproximar da média europeia. Não
alcançou ainda essa posição, mas o lugar actual já não nos envergonha como o
fazia antes. Pode falar-se de um Big Bang da ciência, de uma verdadeira
explosão em todas as áreas do conhecimento, num processo de crescimento que
praticamente não encontra paralelo na Europa
Não há
revoluções sem revolucionários. O maior responsável por esse processo foi o
físico José Mariano Gago [4-7], que, entre 1985 a 1989, dirigiu a Junta
Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (JNICT), organismo que tinha
sucedido ao Instituto Nacional de Investigação Científica (INIC). Foi ele que
nessa qualidade organizou em 1987 as primeiras Jornadas de Ciência e lançou o
Programa Mobilizador de Ciência e Tecnologia (1986-1989), que haveria de dar
frutos. Mas a acção de Mariano Gago não ficou por aqui: foi ele que, num
momento de viragem política, assumiu em 2005 a pasta de ministro do recém-criado Ministério
da Ciência e da Tecnologia no quadro do primeiro governo de António Guterres. Em
1996 o ministro criou a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), que
passou a desempenhar as funções antes atribuídas antes à JNICT. Mariano Gago
passou de gestor de ciência a político de ciência, passando a representar a
ciência à mesa do Conselho de Ministros. Ele acabou por ser um dos ministros
mais longevos dos nossos governos democráticos: não só continuou responsável
pela mesma pasta no segundo governo Guterres, de 1999 e 2002, onde teve lugar
relevante na formulação da chamada Agenda
de Lisboa, como em 2005 foi nomeado ministro da Ciência,
Tecnologia e Ensino Superior no primeiro governo de José Sócrates, cargo em que foi
renomeado no segundo governo de Sócrates, iniciado em 2009, que caiu em 2011
para dar lugar a eleições antecipadas e a um governo de outra cor política,
cuja acção tem sido dominada pela ideia fixa e quase única de executar o “reajustamento”
imposto pela troika.
O sistema nacional de ciência e tecnologia
A criação do
Ministério da Ciência e da Tecnologia foi o marco para a ciência nacional,
talvez o maior do ponto de vista político nesta área nestes 40 anos. A ciência é,
por excelência, um empreendimento internacional e a ciência portuguesa cresceu
abrindo-se: expandiu-se através de um forte e inédito processo de
internacionalização. Saíram do país para formação ou complemento de formação (doutoramento
ou pós-doutoramento) muitos jovens cientistas em todas as áreas e entraram no
país em número significativo investigadores estrangeiros. Mas a transposição de
fronteiras não foi apenas individual, foi sobretudo colectiva. O país passou a
fazer parte de vários organismos científicos internacionais a começar pela
Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN), em 1985, e continuando em
2000 com a Agência Espacial Europeia (ESA) e o Observatório
Europeu do Sul (ESO). Mais tarde, em 2006, foi iniciado um programa de
colaboração de Portugal com algumas das melhores universidades norte-americanas,
como Harvard, MIT, Texas em Austin, e Carnegie-Mellon. Portugal beneficiou
também de programas competitivos de ciência da União Europeia abertos a todos
os países membros, embora aí até agora a contribuição portuguesa tenha sido
maior do que aquilo que recebeu. Em particular, alguns cientistas portugueses
beneficiaram de bolsas do European
Research Council.
Com o
impulso da internacionalização e com a ajuda de financiamento, foram alargadas
várias unidades de ciência já existentes, embora em geral incipientes, e
fundadas muitas outras, expandindo e consolidando o sistema científico-tecnológico
nacional. Para atribuição racional de financiamento e para a emulação geral do
sistema foi estabelecida uma avaliação regular da actividade de investigação, um
processo que foi efectuado por comités de peritos independentes, formados maioritariamente
por cientistas estrangeiros de reconhecida competência nas áreas que analisavam.
Aumentou-se o número de áreas cultivadas entre nós, combatendo assimetrias
existentes no cultivo dos ramos do saber: em particular, as áreas das ciências
sociais e humanas conheceram forte crescimento, que resultou em boa medida da
internacionalização. Nas infraestruturas, construíram-se edifícios destinados
em exclusivo à ciência e instalaram-se neles e noutros equipamentos, alguns dos
quais de grande porte, tendo sido planeado o funcionamento em rede.
Perante a
dificuldade de as universidades nacionais absorverem rapidamente e de modo
adequado os importantes recursos postos à disposição para o crescimento da
ciência (em larga medida como foi dito, vindos da União Europeia) surgiram novas
formas organizativas, como associações privadas sem fins lucrativos. Formadas
por muitos docentes universitários e também por bolseiros e investigadores
contratados, elas passaram a funcionar em articulação maior ou menor com as
universidades (por vezes dentro e noutras vezes ao lado), mas gozando de maior
autonomia. Algumas dessas instituições receberam o selo ministerial de
Laboratórios Associados, uma designação que se fez por analogia com os Laboratórios do Estado,
que já vinham muito de trás (como o Laboratório Nacional de Engenharia Civil –
LNEC, criado com outro nome em 1946). A ideia era a de concentrar em instituições
de maior dimensão actividades de investigação, que não só criassem saber como
prestassem serviços ao Estado. Os primeiros laboratórios associados foram em
2000 o Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra
(CNC), o Instituto de
Biologia Molecular e Celular (IBMC) do Porto, o Instituto de
Patologia e de Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP), e o Instituto de Tecnologia Química e
Biológica (ITQB), em
Oeiras. Em 2001 juntaram-se-lhes o Instituto de Medicina
Molecular (IMM), em Lisboa, o Laboratório de Instrumentação e Partículas (LIP),
em Lisboa e Coimbra, a Rede de Química
e Tecnologia (REQUIMTE), no Porto e em Lisboa, o Instituto de
Telecomunicações (IT), em Lisboa, Porto e Coimbra, com ramos noutros sítios do
país, o Laboratório de Robótica e
Sistemas em Engenharia e Ciência (LARSyS), em Lisboa e no Funchal. o
Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear
(IPFN), em Lisboa, e o Instituto de Ciências Sociais (ICS),
também em Lisboa. Nos
anos seguintes foram criados outros 15 laboratórios, totalizando actualmente
26.
Estas instituições
conheceram um extraordinário dinamismo em contraste com a maioria dos Laboratórios
do Estado, sob tutelas de outros ministérios: apesar de sucessivas tentativas
de reorganização, não se desenvolveram na medida das expectativas e das
necessidades. Os Laboratórios de Estado são nove: o Instituto de Investigação Científica
Tropical (IICT), em Lishoa, o Instituto Hidrográfico (IH), em Lisboa,
o Instituto Nacional de Saúde Ricardo
Jorge (INSA), sedado em Lisboa com centros no Porto e em Águas de Moura, Instituto Tecnológico e Nuclear (ITN),
em Lisboa (hoje integrado na Universidade de Lisboa), o Laboratório Nacional de Engenharia
Civil (LNEC), em Lisboa, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), sedeado
em Lisboa, o Laboratório
Nacional de Recursos Biológicos (INRB), em Lisboa, o Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG),
sedeado em Lisboa com extensões em
S. Mamede de Infesta e Beja, e o Instituto de Medicina Legal (IML), sedeado
em Coimbra com delegações em Lisboa e Porto. Apesar de alguns estarem sedeados
fora de Lisboa, a situação da ciência portuguesa é muito assimétrica do ponto
de vista geográfica, com uma centralização em Lisboa que muitos julgam
excessiva.
No sector privado
da ciência, há a salientar o papel das fundações. Além do Instituto Gulbenkian
de Ciência (IGC), em Lisboa, actualmente bastante forte na área da biologia,
que remonta em 1961, surgiu em 2010 um centro de investigação na área da biomedicina
– Centro de Investigação para o Desconhecido (CID) - na dependência da Fundação
Champalimaud, fundada em 2004.
A economia
portuguesa conheceu várias vicissitudes nos 40 anos de vida democrática. Acabou
por crescer após o solavanco associado ao período revolucionário de 1974. Tendo
havido processos de modernização, ajudado em boa parte por fundos dos vários
programas-quadro europeus, o certo é que a primeira década do novo século foi
um tempo de paragem do crescimento económico, com estagnação do PIB, que
culminou no pedido de ajuda externo apresentado à troika em 2011. O facto de várias empresas baseadas no conhecimento
terem conhecido evidente sucesso não invalida a realidade de o tecido económico
português, baseado em pequenas e médias empresas (PME), não ter forte ligação
com a ciência. No entanto, o governo efectuou uma tentativa de apurar
estatisticamente quais eram as actividades de investigação e desenvolvimento
realizadas em empresas.
Com o prémio de um incentivo fiscal, muitas empresas
responderam à chamada, tendo aumentado significativamente a participação das
empresas no sistema nacional de ciência. No ano de 2007 o sector privado chegou
mesmo a assegurar mais de metade do financiamento total (0,6% em 1,1% do PIB), embora
não deva ser esquecido, para além da margem de erro dos dados estatísticos, que
muitas empresas com práticas de inovação receberam ajudas públicas. A COTEC –
Portugal, Associação Empresarial para a Inovação, fundada em 2003, reúne as
principais empresas portuguesas com actividade de inovação.
Investimento
O notável
crescimento da ciência e tecnologia só pôde ser realizado através de um reforço
nítido do investimento. Os números oficiais estão disponíveis na PORDATA [8],
base de dados sobre Portugal da responsabilidade da Fundação
Francisco Manuel dos Santos (Fig. 1). O investimento na ciência e tecnologia
aumentou, em valores absolutos, de 32,667 milhares de euros, dos quais 10.193 do
lado das empresas, em 1982 (o primeiro ano da série da PORDATA
– ano que corresponde à normalização democrática, com a revisão constitucional
e com o fim do Conselho da Revolução) para 2.321.600 milhares de euros, dos
quais 1.104.000 do lado das empresas, em 2013, tendo atingido um máximo de
2.771.600 milhares de euros em 2009, dos quais 1.311.070 das empresas. Se
referirmos esses valores ao Produto Interno Bruto (PIB) o investimento em
ciência e tecnologia passou de 0,3% em 1982, dos quais 0,1 do lado das empresas.
para 1,4%, dos quais 0,7% das empresas, em 1013, tendo atingido o máximo em
2009 com 1,6%, dos quais 0,9% das empresas. Para comparação
internacional, a média da União Europeia a 28 países em 2013 era 2,0% do PIB em
2012 (estando a Suécia está no topo com 3,2%, logo seguida da Dinamarca e da
Alemanha). Por alturas do 25 de Abril o investimento em ciência não deveria
exceder 0,1% do PIB, pelo que o aumento em 40 anos foi de 14 vezes! Não foram
muitos os crescimentos que atingiram esta ordem de magnitude.
Índicadores de produtividade
Dois indicadores inequívocos sobre os resultados do sucesso desse
investimento em ciência são o número de novos doutorados formados em cada ano e
o número de novas publicações científicas surgidas também em cada ano. Basta,
de novo, consultar a PORDATA.
Foi enorme o
incremento do número de doutoramentos (Fig. 2) feitos no país e fora dele (cada
vez mais no país e cada vez menos fora dele e reconhecidos depois). O número de
doutoramentos, que era em 1974 de 87 (6 realizados em
Portugal e 51 no estrangeiro) em 2013 passou a ser de 2668 (463 em Portugal em
Portugal e 205 no estrangeiro). Em 1974, a maior parte eram de sexo masculino ao
passo que actualmente são de sexo feminino. Se reportarmos esses números ao
total de habitantes, o número de doutoramentos por cem mil habitantes passou
de 1,0 em 1974 para 25,5 em 2013, um aumento de 25,5 vezes, muito maior que o
aumento no investimento. Os actuais números são ainda insatisfatórios, se
almejarmos metas europeias: em 2013,
a Eslováquia tem 40,3, Alemanha 32,7 e a Irlanda 31,5
doutorados por cem mil habitantes.
Também aumentou de modo significativo o número
de artigos em publicações científicas, assim como impacto destas, que é medido
pelo número de citações (Fig. 3). O número de publicações
científicas, que era em 1974 de 368 em valor absoluto (3,9 papers por cem mil
habitantes) no ano de 1982, passou para 17665 (168 papers por cem mil
habitantes) em 2013, cerca de 40 vezes mais. Quer dizer, os resultados na
criação de conhecimento foram ainda superiores aos alcançados na formação de
pessoas. Apesar de ainda não termos atingido valores da média europeia de
produção científica, muito poucos índices subiram tanto em Portugal em tão
pouco tempo!
O problema
da ciência nas empresas
Apesar do crescimento
bem visível nas estatísticas do crescimento do investimento privado na ciência e
apesar do aparecimento de ligações cada vez maiores entre universidades e
empresas (o que se verifica, por exemplo, pela criação de incubadores de
empresas, como o Instituto Pedro Nunes em Coimbra), o certo é que, como foi
dito, não é ainda muito visível o impacto do crescimento da ciência na economia
[9-11]. O número de patentes cresceu, mas ficou ainda muito aquém de índices
com significado internacional. E o contributo para a economia de empresas
baseadas em tecnologia, não é ainda suficientemente visível. Um indicador da
falta de ligação entre sistema académico e empresas consiste é ainda o número
muito baixo de patentes reconhecidas (cresceu, é facto, mas de modo bastante
insuficiente na compita internacional). Outro indicador é o baixo número de
doutorados que são absorvidos pelas empresas: 3%). No entanto, um índice
económico que mostra uma perspectiva animadora é a balança tecnológica, um
índice que mede o equilíbrio entre saídas e entradas de serviços de ciência e
tecnologia, que tendo sido sistematicamente negativa passou a ficar mais ou
menos equilibrada a partir de 2007. .
A cultura científica
A cultura
científica, que é condição indispensável para a sustentação da ciência pela
sociedade, também alastrou de modo impressionante. A Ciência Viva – Agência
Nacional para Difusão da Cultura Científica e Tecnológica, instituição criada
em 1996, alargou o interesse pela divulgação científica, designadamente com a
criação e apoio a vários centros de ciência espalhados por todo o país, o maior
e mais relevante dos quais é o Pavilhão do Conhecimento, no Parque das Nações em Lisboa. Nesses
centros a ciência apareceu em actividades experimentais com um carácter lúdico.
Museus de Ciência também se desenvolveram associadas às Universidades de
Coimbra, Lisboa e Porto. A iniciativa privada ajudou: a editora Gradiva, com a
colecção Ciência Aberta iniciada por
Guilherme Valente no princípio dos anos 80, tem realizado um assinalável
trabalho de difusão científica e cultural através, num processo que de algum
modo emula a Biblioteca Cosmos de
Bento de Jesus Caraça nos anos 40. Os
media começaram a falar de Ciência como nunca tinham falado antes, a
começar pelos jornais de referência como o
Público e o Diário de Notícias, o
Expresso, o Sol e a Visão. Também a
rádio e a televisão, públicas e privadas, passaram a dar mais atenção à
ciência. E surgiu em 1993, a
meio do período considerado, o fenómeno da World
Wide Web, protocolo originado no CERN, e a divulgação da ciência assumiu
desde cedo forte presença no ciberespaço mundial e nacional.
O passado recente e preocupações quanto ao futuro
O governo de Pedro
Passos Coelho, que tomou posse em 2011, uniu a pasta da Educação com a da
Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, tendo o ministro Nuno Crato, por razões
que nunca explicou, dedicado pouca atenção às questões da ciência. A falta de
apoio político à ciência conduziu a uma ruptura na política de crescimento da
ciência. Com o pretexto do aperto da despesa pública imposta pela troika e esquecendo que o pequeno investimento
em ciência é semente de um futuro mais próspero para todos, Nuno Crato pouco
fez para contrariar a queda do investimento na ciência.
É certo que o
abrandamento no investimento já vinha de trás. Desde 2009 que se verificava uma
queda do investimento, mas ela tornou-se com o governo de Passos Coelho brutal:
a diminuição de 2010 a
2013 é de cerca de 436.000 milhares de euros, que foi quase o investimento
total em 1995, quando foi criado o Ministério da Ciência e da Tecnologia. A
queda ocorreu em todos os domínios de investimento: bolsas, projectos,
unidades. A inversão da FCT na concessão de bolsas individuais de doutoramento por
concurso nacional foi muito nítida no ano de 2014 (cerca de 40%), conduzindo a
um enorme protesto dos bolseiros e dos cientistas em geral. A FCT viu-se
obrigada a alargar o número de bolsas concedidas. Olhando para a PORDATA
verifica-se que o número de doutorados continuava em 2013 a subir em bom ritmo,
não acompanhando a queda do investimento público: mas isso deve-se ao financiamento
e nalguns casos endividamento das famílias, que continuam a acreditar nas
vantagens da formação avançada. Em breve será também aí visível o impacte da
queda recente das bolsas de doutoramento. Em 2013 a maior parte dos
doutoramentos (44%) ocorria em ciências sociais e humanidades, uma área que não
exige tanto investimento em meios materiais como outras.
Na PORDATA [8] pode
olhar-se para a evolução recente do número de publicações científicas. Das sete
áreas do conhecimento, só sobem de 2012 para 2013 as Ciências Naturais, as
Ciências Médicas e da Saúde (muito: cerca de 10%) e as Ciências Agrárias. Todas
as outras descem: Ciências Exactas, Ciências da Engenharia, Ciências Sociais e
Humanidades. Deste modo o total de publicações de autores nacionais sobe muito
pouco: abranda o crescimento e a continuar assim o abrandamento, em breve esse
índice dos resultados da ciência estará a descer, pela primeira vez desde 1974.
No ano de 2014 deu-se um
exercício de avaliação desastroso encomendado pela FCT à European Science Foundation, uma instituição sem suficiente experiência
e que estava em dificuldades organizativas [12]. Essa avaliação decorreu com várias
ilegalidades e anomalias, a começar logo por uma cláusula escondida no contrato
que mandava eliminar à partida metade das unidades do sistema científico.nacional
(um processo que foi designado por “poda”). Seguiu-se o incumprimento da lei,
ao prescindir das visitas de avaliação na primeira fase avaliativa que se
destinava a escolher a metade a liquidar. Os próprios regulamentos elaborados
pela FCT não foram cumpridos: os avaliadores nem eram em suficiente quantidade nem
tinham suficiente qualidade (o que se reflectiu na deficiência dos pareceres
emitidos em certas áreas). De resto, a FCT disponibilizou aos júris dados
bibliométricos errados. Finalmente, como cereja podre em cima de um bolo mal
cozinhado, a FCT atribui um financiamento às unidades sem correlação directa e
clara com a classificação atribuída. O principal critério não era afinal a
classificação obtida, mas sim aquilo que elas tinham pedido. Numerosos centros,
tanto na primeira fase eliminatória como na segunda fase, apresentaram recursos,
tendo, para além dos processos internos, entrado acções nos tribunais
administrativos e no Ministério Público. Das 322 unidades iniciais, só 178
passaram à segunda fase, tendo as outras ficado sem meios suficientes para
trabalharem. Das 178 que passaram, 123 recorreram apontando erros e injustiças.
Em Abril de 2015, perante a situação de caos na gestão da ciência nacional e
pouco antes de ser anunciada publicamente a sua situação de acumulação de
funções em Portugal e no estrangeiro, o Presidente da FCT demitiu-se.
A política do governo
para a ciência, se é que existe, está profundamente errada. Por um lado descontinuou
a aposta, que até aí tinha sido politicamente consensual, na formação de recursos
humanos e no emprego científico, uma decisão que tem levado à emigração de
numerosos jovens altamente qualificados que não encontram condições de trabalho
na sua terra natal. Os quadros das universidades e politécnicos não se
renovaram (há ainda debilidades na ligação entre o sistema de ciência e o
sistema de ensino superior) e as empresas não absorveram os numerosos doutorados.
Para se justificar, o governo passou a repetir o chavão da “excelência”,
afirmando em nome dessa ideia que tinha de haver um número reduzido de bolsas,
projectos e centros. Acontece porém que essa noção de “excelência” nunca foi
objectivada e não foi de resto credibilizada por uma avaliação competente. Não
se pode promover a excelência com uma avaliação que o não é. Por outro lado, não
faz sentido limitar a investigação do país, privilegiando disciplinas e locais.
Na prática verificou-se a afirmação de alguns grupos, como a área das ciências
da biomedicina, próxima de alguns responsáveis governamentais. Estranhamente, alguns
centros ligados a fundações privadas na Grande Lisboa (Fundação Gulbenkian e
Champalimaud) passaram a ser subsidiadas, desviando para o sector privado financiamentos
que antes eram dados ao sector público, nas universidades espalhadas pelo país.
Por outro lado, e em claro contraste com esse discurso da “excelência”, o governo
passou a falar da necessidade da investigação em ambiente empresarial, querendo
orientar os fundos comunitários do novo programa comunitário, o Portugal 2020, para esse sector. O certo
é que o governo pouco tem feito para resolver o problema da ligação da ciência
às empresas.
O governo diminuiu o
apoio à cultura científica. A única iniciativa nova, o programa “O Mundo na
Escola”, um conjunto de conferências escolares resultou num fiasco, pois tendo
começado com a Ciência foi interrompida a esperada continuação com a Literatura
e a Arte.
Precisa-se de uma nova
política de ciência e tecnologia, apostando nos recursos humanos qualificados,
que são afinal a nossa maior riqueza, retomando a convergência de Portugal com
a Europa.
Um
testemunho pessoal
Tendo vivido estes 40
anos de expansão da ciência em Portugal, seja-me permitido para terminar um
breve testemunho pessoal. Sendo caloiro da Universidade de Coimbra à data da
Revolução de 1974 e tendo terminado a minha licenciatura em Física cinco anos
depois, pude acompanhar de perto o extraordinário crescimento do sistema
científico-tecnológico nacional, tendo inegavelmente beneficiado dele. Apesar
de não existir quando terminei o meu curso ensino pós-graduado
institucionalizado, tive oportunidade de frequentar em 1978-1979 na
Universidade de Coimbra um curso de pós-graduação de física teórica, enquanto
me iniciava no ensino como assistente. Tendo sido convidado a fazer um doutoramento
na Alemanha, trabalhei na Universidade Goethe, em Frankfurt am Main, entre 1979
e 1982. No ano em que fiz o meu doutoramento só houve 130 doutorados portugueses,
a maior parte dos quais tal como eu obtidos no estrangeiro.
Regressado a Portugal
com 26 anos tive, como professor auxiliar e membro de um centro de investigação
em Física que beneficiava do apoio do INIC, a oportunidade de participar em
lutas pela manutenção e alargamento dos apoios desse instituto. Ainda foi do
INIC que recebi apoio para uma estada sabática na Universidade Tulane, em Nova Orleães , nos
Estados Unidos, em 1990 (não tive, por necessidade de assegurar serviço
docente, oportunidade de fazer pós-doutoramento, como hoje é relativamente
comum). Foi com júbilo que vi o aparecimento do Ministério da Ciência e da
Tecnologia, com a criação da FCT e da Ciência Viva. Em 1998 contribuí para a
criação do Centro de Física Computacional, na minha Universidade, em cujo
âmbito ajudei a criação de um Laboratório de Computação Avançada que tem
albergado os mais potentes supercomputadores nacionais (esse laboratório foi
inaugurado pelo ministro Mariano Gago em 1999).
Interessei-me desde cedo
pela difusão da cultura científica: Participei nos primeiros projectos do
Ciência Viva, com actividades de “Ciência a Brincar”, interessei-me pela
produção e experimentação de software educativo, e no ano de 2008 pude criar,
no quadro da rede de centros Ciência Viva, o Rómulo - Centro Ciência Viva da
Universidade de Coimbra, um moderno centro de recursos educativos. Fui
participando no esforço de difusão na ciência com livros (Física Divertida, saído na Gradiva em 1991 foi um best-seller), com artigos em jornais (Público, Sol, etc.) Um ano
marcante da ciência em Portugal foi 2005 - Ano Internacional da Física, quando
se celebrou o centenário dos principais trabalhos de Einstein. Ajudei como
consultor, a criação e desenvolvimento do Museu de Ciência da Universidade de
Coimbra, aberto ao público em 2006 e premiado internacionalmente.
Interessei-me pela
modernização das bibliotecas, ajudando a concretizar repositórios digitais na
Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra. E interessei-me mais recentemente pela
análise da política de ciência. Primeiro como autor e depois como responsável
pela área do Conhecimento da Fundação Francisco Manuel dos Santos, tive
oportunidade de escrever dois livros sobre o sistema científico nacional (Ciência em Portugal, 2011 [1], e Ciência e Tecnologia em Portugal - Métricas
e impacto (1995-2011), 2015, com Armando Vieira [2]). A actividade empresarial
também me aliciou: ajudei a fundar em 2013 uma empresa – a Coimbra Genomics – instalada no Biocant, em Cantanhede, que visa
aproveitar as potencialidades que a moderna genómica coloca à disposição do
sistema de saúde.
Se muito foi feito,
sinto que há muito ainda a fazer
Bibliografia
[1] Carlos Fiolhais, Ciência em
Portugal, Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos: 2011.
[2] Armando Vieira e
Carlos Fiolhais, Ciência e Tecnologia em
Portugal - Métricas e impacto (1995-2011), Lisboa: Fundação Francisco
Manuel dos Santos, 2015 https://www.ffms.pt/estudo/1005/ciencia-e-tecnologia-em-portugal
[3] Análise SWAT do Sistema de Investigação e Inovação Português,
Lisboa: Fundação par a Ciência e Tecnologia, 2013.
[4] José Mariano Gago, Manifesto para a Ciência em Portugal,
Lisboa: Gradiva, 1990.
[5] José Mariano Gago, Ciência em Portugal, Comissariado para a Europália 91 – Portugal,
Lisboa: Imprensa Nacional. Casa da Moeda, 1991.
[6] O estado das
ciências em Portugal / coord. José Mariano Gago ; org. Comissariado para a
Europália 91-Portugal. 1.ª ed. Lisboa : D. Quixote, 1992.
[7] José Mariano Gago (ed.). The future of
science technology in Europe : setting the Lisbon agenda on track. Lisboa :
Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, 2007.
[8] PORDATA, base de
dados de Portugal da Fundação Francisco Manuel dos Santos, http://pordata.pt
[9] Manuel Mira Godinho,
Inovação em Portugal, Lisboa:
Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2013.
[10] Lino Fernandes, Portugal
2015: uma segunda oportunidade?, Lisboa: Gradiva, 2014.
[11] Augusto Mateus, 25 Anos de Portugal Europeu, Lisboa:
Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2013.
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