Nelson Mandela sobre a sua (primeira) educação formal.
"Acredito que, mais do que a origem biológica,
o que nos molda verdadeiramente o carácter é a educação."
"Tanto o meu pai como outros chefes influentes nutriam imenso respeito pela educação formal, como é frequente entre aqueles que nunca a receberam (...).
À semelhança de todas as crianças xossas, adquiri conhecimentos sobretudo através da observação. Esperava-se que aprendêssemos por via da imitação e da emulação e não das perguntas. Da primeira vez que estive em casa de brancos fiquei espantado com o número de perguntas que as crianças faziam aos pais e com a disponibilidade destes para lhes responder. Na nossa casa, as perguntas eram um incómodo e os adultos transmitiam só as informações que consideravam necessárias (...)
Um dia George Mbekela foi visitar a minha mãe. – O teu rapaz é esperto – disse ele. – Devia frequentar a escola. A minha mãe não respondeu. Na família nunca ninguém tinha ido à escola e ela não estava preparada para a sugestão de Mbekela. Mas falou no assunto ao meu pai, o qual, apesar da sua falta de educação formal – ou talvez por causa dela –, resolveu de imediato que o filho devia frequentar a escola.
Esta era um edifício composto por uma única sala, com um telhado à maneira ocidental, que ficava do outro lado da colina, em relação a Qunu.
Eu tinha sete anos e no dia anterior ao começo das aulas o meu pai puxou‑me à parte e disse que eu tinha de ir decentemente vestido para a escola. Até então, e à semelhança de todos os garotos de Qunu, sempre tinha usado uma manta enrolada à volta do ombro e apertada na cintura. O meu pai pegou num par de calças suas e cortou‑as por altura do joelho. Mandou-me que as vestisse e o comprimento estava mais ou menos bom; o pior era a cintura, demasiado larga. O meu pai pegou então num cordel e cingiu-me as calças.
A minha figura devia dar vontade de rir, mas nunca tive um fato que me orgulhasse mais de vestir do que aquelas calças cortadas pelo meu pai.
No primeiro dia de aulas, a professora, a menina Mdingane, atribuiu a cada um de nós um nome cristão e disse que daí em diante seria por esse nome que teríamos de responder sempre que estivéssemos na escola (...). A educação que recebi foi à maneira inglesa e tanto as ideias como a cultura e as instituições britânicas eram naturalmente consideradas superiores. A cultura africana era uma coisa que não existia."
In Um longo caminho para a liberdade. Planeta, 2012, pp.19-24.
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4 comentários:
Um caminho justo e absurdo, o da Liberdade. Selvático, violento, furioso, com legítimos desejos de identidade (igualdade?). Uma escada para o céu, sendo que não há céu e a coragem do caminho não é mais do que desespero e joelhos feridos.
O Homem não nasce livre. Nasce "com a alma como uma galinha presa por uma perna".(Fernando Persoa)
A propósito de:
"Acredito que, mais do que a origem biológica, o que nos molda verdadeiramente o carácter é a educação."
"MAIS DO QUE..."- seria algo que eu não arriscaria dizer, é importante lembrar a harmonia final do indivíduo como um resultado das intercepções biológica e cultural, é perigoso depreciar assim tanto o que somos como potencial inato, mais tarde, antes do que mais cedo, o inato irá tomar o seu tributo.
Palavras muito bonitas sobre o poder e o papel da educação, mas temos de fazer a pergunta que incomoda:
10 milhões de sul africanos, vinte por cento da população são analfabetos.O ANC está no poder há 19 anos - desde 1994 - sempre com maioria absoluta e o seu líder carismático Nelson Mandela foi o primeiro presidente de 1994 a 1999. O que é que fizeram em termos de educação do povo sul africano?
Palavras bonitas só por si não chega...
Francisco Trindade
O oceano é imenso...
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