A excelência em determinado domínio não é uma coisa comum.
Nem todos os países têm, a cada momento, algum jogador de futebol
capaz de ganhar a bola de ouro. Nem todos os países têm, a cada momento,
cientistas capazes de ganhar um prémio Nobel. E os que ganham essas distinções
precisam de equipas para as ganhar. O sucesso do indivíduo cada vez mais de
deve à equipa. E o espírito de equipa é algo fundamental que se constrói ao
longo do tempo.
Num texto anterior
escrevi sobre o recente concurso Investigador FCT e o elogio da excelência
feito, a esse propósito, pelo presidente desta entidade.
Numa entrevista
que deu no momento da assinatura dos contratos, pude perceber qual a definição
de excelência em que se apoia nessas declarações: trata-se de um indicador de
excelência “definido pela Direção-geral da
Investigação, Tecnologia e Desenvolvimento da Comissão Europeia e do Joint
Research Center”(JRC) numa publicação
de 2012, e relativo a dados de 2005 e 2009.
Nesse relatório, redigido por dois investigadores do JRC, é feita
uma análise estatística multivariada para tentar definir esse indicador de
excelência. Aí é explicada a opção por determinados indicadores (ou variáveis)
em detrimento de outros e, após alguns testes de robustez do modelo, é
finalmente apresentado o gráfico com os resultados finais (reproduzido abaixo -
a recomendação do autor é a utilização do ‘Framework 3’, o do quadradinho
azul).
Encontro semelhanças entre fazer análises multivariadas e o
cozinhar, onde vamos misturando ingredientes à panela e provando, ajustando
aqui e ali os condimentos, mas com vantagem para a análise estatística onde os
ingredientes e condimentos (variáveis) podem ir sendo também retirados se
necessário.
A primeira leitura que fiz do gráfico foi a de que, ao dividir os
33 países ali representados no eixo dos xis em três grupos com 11 elementos
cada, Portugal (PT) fica na cauda do grupo do meio. Ou seja, não somos os mais
excelentes nem os menos excelentes, estamos ali pelo meio. Uma outra leitura
foi que, comparativamente à média dos 27 países da UE (EU27) estamos ali um bom
degrau de “excelência” atrás, esta na linha da leitura do presidente da FCT.
De seguida entrei um bocado mais no relatório para perceber quais
os ingredientes utilizados para a definição de excelência de investigação, e
esses ingredientes dividem-se em três grandes “pilares”: excelência da
investigação pública, interacções/colaborações e excelência dos ‘actores’
industriais.
No primeiro é avaliada sobretudo a produção científica, e são
usados indicadores de quantidade de publicações e de citações, de posições de
liderança em projectos europeus, e de patentes registadas. O segundo, para
avaliar a internacionalização da actividade científica dos países, usa
indicadores de quantidade de bolsas ERC (bolsas europeias para financiamento de
projectos individuais de investigação) por país e de co-publicações com
cientistas de outros países. Finalmente o terceiro, que avalia a relação com a
indústria, usa indicadores de número de patentes, co-publicação com a indústria,
e investigação em universidades e instituições públicas financiada por
empresas.
Como se percebe, é um conjunto diverso de indicadores, escolhido
de entre um número muito mais alargado pelos autores do relatório, para tentar
compor esse indicador de excelência científica dos países da UE.
Uma análise mais pormenorizada da construção dos resultados com
base nos três pilares atrás descritos (ver gráfico abaixo) mostra que o pilar 2
contribui muito positivamente e o pilar 1 razoavelmente (relativamente ao
resultado final) para a posição da ciência portuguesa neste indicador, sendo o
pilar 3, que se foca na relação com a indústria, aquele que “puxa” o resultado
para baixo.
Há vários indicadores que são considerados, nos pilares 1 e 3, que
estão relacionados com o registo de patentes e aí Portugal está claramente em
desvantagem, com uma história de registo de patentes claramente inferior a
muitos outros países. Bastará comparar o nosso historial aqui, com
os equivalentes dos EUA ou, na Europa, da Alemanha por exemplo.
É também interessante notar que boa parte das patentes de
portugueses, nos últimos anos, são registadas fora do país.
Um último gráfico do relatório que me parece interessante (abaixo)
revela a dinâmica ao longo do tempo na investigação dos vários países, e é
interessante ver Portugal (PT) entre os países “catching up”, com um movimento
positivo neste indicador de “excelência”.
De tudo isto retiro o seguinte:
A posição portuguesa, nesta medida de “excelência” científica, não
é tão débil quanto poderia parecer, apresentando resultados bons em
determinados indicadores e uma tendência de evolução positiva (nessa altura, em
2009);
As colaborações internacionais da ciência portuguesa e a produção científica nacional contribuem de modo positivo para os resultados neste indicador de “excelência”, sendo responsáveis por boa parte dos parâmetros considerados nos pilares de indicadores 1 e 2, e pelo consequente patamar em que se encontra a nossa ciência, contrabalançando o peso muito negativo de uma débil relação com a indústria e pouca quantidade de patentes.
As colaborações internacionais da ciência portuguesa e a produção científica nacional contribuem de modo positivo para os resultados neste indicador de “excelência”, sendo responsáveis por boa parte dos parâmetros considerados nos pilares de indicadores 1 e 2, e pelo consequente patamar em que se encontra a nossa ciência, contrabalançando o peso muito negativo de uma débil relação com a indústria e pouca quantidade de patentes.
Isto vem reforçar a minha ideia, no seguimento do meu texto anterior,
de que é um desperdício não aproveitar o investimento feito ao longo de décadas
na qualificação e financiamento de cientistas em Portugal, que se empenharam no
desenvolvimento do sistema científico que temos, que vestiram a camisola,
contribuindo para a sua evolução extraordinária no contexto europeu.
Por isso, apostar apenas numa suposta “excelência”, desprezando o bom trabalho estrutural de muitos investigadores, é desestruturar e desfalcar consideravelmente a equipa que foi criada ao longo de anos e anos. E, sobretudo, romper a confiança e o espírito de equipa construídos na relação com os investigadores científicos. A moção, surgida na sequência do concurso Investigador FCT 2013 e já subscrita por mais de 1700 investigadores, professores universitários e bolseiros na altura da publicação deste texto, é disso forte indicador.
Por isso, apostar apenas numa suposta “excelência”, desprezando o bom trabalho estrutural de muitos investigadores, é desestruturar e desfalcar consideravelmente a equipa que foi criada ao longo de anos e anos. E, sobretudo, romper a confiança e o espírito de equipa construídos na relação com os investigadores científicos. A moção, surgida na sequência do concurso Investigador FCT 2013 e já subscrita por mais de 1700 investigadores, professores universitários e bolseiros na altura da publicação deste texto, é disso forte indicador.
Termino afirmando que a “excelência” do relatório que analisei não
me parece sê-lo, pelo menos com o significado que lhe atribuo, aquele
partilhado por outras palavras como “óptimo”, “perfeito” ou “excepcional”. Este
meu entendimento de excelência dilui-se ali num conceito utilitário forjado a
partir de uma diversidade enorme de indicadores. E aqui concordo com o comentário
no final do relatório feito por um dos especialistas que o reviu:
“There's just one small comment: I would replace the term
'research excellence' by something more fitting. That's not easy because the selected list
of indicators is so divers. How about 'knowledge creation and utilization'?”
A verdadeira excelência é uma coisa rara e invulgar, e a utilização
extensiva e abusiva desse conceito, vulgarizando-o, tira-lhe significado.
nota 1: está hoje a ser lançado
oficialmente em Portugal o Programa Horizonte 2020, que vai financiar a
ciência europeia nos próximos anos. O primeiro dos três pilares programáticos
intitula-se ‘Excelência Científica’. Obviamente.
nota 2: todas as imagens
foram retiradas do relatório
Vertesy
D, Tarantola S., Composite Indicators of Research Excellence . EUR 25488
EN. Luxembourg (Luxembourg): Publications Office of the European Union, 2012.
JRC72592
disponível online aqui:
http://publications.jrc.ec.europa.eu/repository/handle/111111111/26632
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