sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

A excelência como análise multivariada

A excelência em determinado domínio não é uma coisa comum.
Nem todos os países têm, a cada momento, algum jogador de futebol capaz de ganhar a bola de ouro. Nem todos os países têm, a cada momento, cientistas capazes de ganhar um prémio Nobel. E os que ganham essas distinções precisam de equipas para as ganhar. O sucesso do indivíduo cada vez mais de deve à equipa. E o espírito de equipa é algo fundamental que se constrói ao longo do tempo.

Num texto anterior escrevi sobre o recente concurso Investigador FCT e o elogio da excelência feito, a esse propósito, pelo presidente desta entidade.
Numa entrevista que deu no momento da assinatura dos contratos, pude perceber qual a definição de excelência em que se apoia nessas declarações: trata-se de um indicador de excelência “definido pela Direção-geral da Investigação, Tecnologia e Desenvolvimento da Comissão Europeia e do Joint Research Center”(JRC) numa publicação de 2012, e relativo a dados de 2005 e 2009.

Nesse relatório, redigido por dois investigadores do JRC, é feita uma análise estatística multivariada para tentar definir esse indicador de excelência. Aí é explicada a opção por determinados indicadores (ou variáveis) em detrimento de outros e, após alguns testes de robustez do modelo, é finalmente apresentado o gráfico com os resultados finais (reproduzido abaixo - a recomendação do autor é a utilização do ‘Framework 3’, o do quadradinho azul).



Encontro semelhanças entre fazer análises multivariadas e o cozinhar, onde vamos misturando ingredientes à panela e provando, ajustando aqui e ali os condimentos, mas com vantagem para a análise estatística onde os ingredientes e condimentos (variáveis) podem ir sendo também retirados se necessário.

A primeira leitura que fiz do gráfico foi a de que, ao dividir os 33 países ali representados no eixo dos xis em três grupos com 11 elementos cada, Portugal (PT) fica na cauda do grupo do meio. Ou seja, não somos os mais excelentes nem os menos excelentes, estamos ali pelo meio. Uma outra leitura foi que, comparativamente à média dos 27 países da UE (EU27) estamos ali um bom degrau de “excelência” atrás, esta na linha da leitura do presidente da FCT.

De seguida entrei um bocado mais no relatório para perceber quais os ingredientes utilizados para a definição de excelência de investigação, e esses ingredientes dividem-se em três grandes “pilares”: excelência da investigação pública, interacções/colaborações e excelência dos ‘actores’ industriais.
No primeiro é avaliada sobretudo a produção científica, e são usados indicadores de quantidade de publicações e de citações, de posições de liderança em projectos europeus, e de patentes registadas. O segundo, para avaliar a internacionalização da actividade científica dos países, usa indicadores de quantidade de bolsas ERC (bolsas europeias para financiamento de projectos individuais de investigação) por país e de co-publicações com cientistas de outros países. Finalmente o terceiro, que avalia a relação com a indústria, usa indicadores de número de patentes, co-publicação com a indústria, e investigação em universidades e instituições públicas financiada por empresas.

Como se percebe, é um conjunto diverso de indicadores, escolhido de entre um número muito mais alargado pelos autores do relatório, para tentar compor esse indicador de excelência científica dos países da UE.

Uma análise mais pormenorizada da construção dos resultados com base nos três pilares atrás descritos (ver gráfico abaixo) mostra que o pilar 2 contribui muito positivamente e o pilar 1 razoavelmente (relativamente ao resultado final) para a posição da ciência portuguesa neste indicador, sendo o pilar 3, que se foca na relação com a indústria, aquele que “puxa” o resultado para baixo.




Há vários indicadores que são considerados, nos pilares 1 e 3, que estão relacionados com o registo de patentes e aí Portugal está claramente em desvantagem, com uma história de registo de patentes claramente inferior a muitos outros países. Bastará comparar o nosso historial aqui, com os equivalentes dos EUA ou, na Europa, da Alemanha por exemplo.
É também interessante notar que boa parte das patentes de portugueses, nos últimos anos, são registadas fora do país.

Um último gráfico do relatório que me parece interessante (abaixo) revela a dinâmica ao longo do tempo na investigação dos vários países, e é interessante ver Portugal (PT) entre os países “catching up”, com um movimento positivo neste indicador de “excelência”.


De tudo isto retiro o seguinte:
A posição portuguesa, nesta medida de “excelência” científica, não é tão débil quanto poderia parecer, apresentando resultados bons em determinados indicadores e uma tendência de evolução positiva (nessa altura, em 2009);
As colaborações internacionais da ciência portuguesa e a produção científica nacional contribuem de modo positivo para os resultados neste indicador de “excelência”, sendo responsáveis por boa parte dos parâmetros considerados nos pilares de indicadores 1 e 2, e pelo consequente patamar em que se encontra a nossa ciência, contrabalançando o peso muito negativo de uma débil relação com a indústria e pouca quantidade de patentes.

Isto vem reforçar a minha ideia, no seguimento do meu texto anterior, de que é um desperdício não aproveitar o investimento feito ao longo de décadas na qualificação e financiamento de cientistas em Portugal, que se empenharam no desenvolvimento do sistema científico que temos, que vestiram a camisola, contribuindo para a sua evolução extraordinária no contexto europeu.

Por isso, apostar apenas numa suposta “excelência”, desprezando o bom trabalho estrutural de muitos investigadores, é desestruturar e desfalcar consideravelmente a equipa que foi criada ao longo de anos e anos. E, sobretudo, romper a confiança e o espírito de equipa construídos na relação com os investigadores científicos. A moção, surgida na sequência do concurso Investigador FCT 2013 e já subscrita por mais de 1700 investigadores, professores universitários e bolseiros na altura da publicação deste texto, é disso forte indicador.

Termino afirmando que a “excelência” do relatório que analisei não me parece sê-lo, pelo menos com o significado que lhe atribuo, aquele partilhado por outras palavras como “óptimo”, “perfeito” ou “excepcional”. Este meu entendimento de excelência dilui-se ali num conceito utilitário forjado a partir de uma diversidade enorme de indicadores. E aqui concordo com o comentário no final do relatório feito por um dos especialistas que o reviu:
“There's just one small comment: I would replace the term 'research excellence' by something more fitting. That's not easy because the selected list of indicators is so divers. How about 'knowledge creation and utilization'?”

A verdadeira excelência é uma coisa rara e invulgar, e a utilização extensiva e abusiva desse conceito, vulgarizando-o, tira-lhe significado.

nota 1: está hoje a ser lançado oficialmente em Portugal o Programa Horizonte 2020, que vai financiar a ciência europeia nos próximos anos. O primeiro dos três pilares programáticos intitula-se ‘Excelência Científica’. Obviamente.

nota 2: todas as imagens foram retiradas do relatório
Vertesy D, Tarantola S., Composite Indicators of Research Excellence . EUR 25488 EN. Luxembourg (Luxembourg): Publications Office of the European Union, 2012. JRC72592
disponível online aqui: http://publications.jrc.ec.europa.eu/repository/handle/111111111/26632

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