terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Literatura e Ensino do Português

Prefácio da autoria de Carlos Fiolhais a "Literatura e Ensino do Português",, de José Cardoso Bernardes e Rui Mateus, que acaba de sair na Fundação Francisco Manuel dos Santos: 

A Fundação Francisco Manuel dos Santos tem como principal objectivo conhecer melhor a realidade portuguesa, nos seus múltiplos aspectos, com liberdade e independência. E tem pugnado para que os portugueses tenham uma opinião sobre essa realidade e a sua transformação baseada na mais amplo e melhor conhecimento. Um dos aspectos da realidade portuguesa que mais tem interessado a Fundação tem sido o ensino e, dentro do ensino, o do Português. 

Com efeito, logo em 2010 quando começaram as “Conferências-Chave sobre Problemas de Educação”, um dos temas escolhidos foi precisamente “Como se Aprende a Ler?”. Juntámos reconhecidos especialistas nacionais e estrangeiros na Língua e no Ensino da Língua com outros da Psicologia e das Ciências Cognitivas para tentar compreender melhor como é que entre nós se aprende a ler, em comparação com outras experiências internacionais. Dessa conferência saiu um pequeno livro com o mesmo título, contendo as comunicações principais, que foi prefaciado por José Morais, professor de Psicologia português da Universidade de Bruxelas. E sobre o título “O ensino da leitura no 1.º Ciclo do Ensino Básico: crenças, conhecimento e formação dos professores” iniciámos um projecto, em fase de conclusão, coordenado por João Lopes, professor de Psicologia da Universidade do Minho.

 Por outro lado, também significativo da atenção que a Fundação quis dar ao Ensino da Língua Portuguesa foi o lançamento como primeiro número da sua colecção de Ensaios do livro “O Ensino do Português”, de Maria do Carmo Vieira, professora de Português do Ensino Secundário, que logo se tornou um best-seller não só pela relevância e actualidade do tema, mas também pela inovação que a colecção representava. Nessa obra, muito crítica sobre o nosso statu quo, analisava-se um vasto leque de questões do ensino da língua materna em geral, muito para além dos aspectos da aprendizagem inicial da leitura e da escrita. Defendia-se, por exemplo, o primado da Literatura no ensino da língua em relação aos textos utilitários ou corriqueiros. 

 Com a publicação da presente obra, a Fundação mostra o seu continuado interesse pelo tema do ensino da língua portuguesa. Desta vez lançamos um foco mais concentrado sobre a Literatura na sua relação íntima com a Língua Portuguesa. José Augusto Bernardes e Rui Mateus, respectivamente professor de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra (e também Director da Biblioteca Geral da mesma Universidade, uma casa que este ano comemora o seu quinto centenário) e professor de Português no ensino secundário numa escola de Castelo Branco, proporcionam-nos um olhar, rigoroso e inteligente, alicerçado na sua variada e rica experiência lectiva, sobre o papel da Literatura no ensino de Português e sobre a necessidade de desenvolvimentos que permitam reforçar esse papel. 

 Como os autores bem assinalam na sua introdução, o ensino da língua materna tem sido atravessado por de questões cuja relevância encontra eco em acaloradas discussões públicas. Todos se lembram, por exemplo, da polémica da nova terminologia da gramática (mais conhecidas pela respectiva abreviatura: TLEBS), assim como todos têm assistido à polémica, que parece longe de estar esgotada, em torno do Novo Acordo Ortográfico. Mas essas são, embora de maneiras diferentes, questões do foro normativo. Tão ou mais importantes serão, porém, as questões, que também têm concitado a atenção não só dos professores como da opinião pública, dos conteúdos e metodologias da disciplina de Português. Que Português ensinar? Como ensinar Português? As “Metas de Português” para o ensino básico recentemente aprovadas pelo Ministério da Educação e Ciência, às quais se irão seguir, as “Metas de Português” para o ensino secundário, prefiguram um caminho de maior atenção a aspectos nucleares dos conteúdos, como são decerto a função da Literatura Portuguesa na aprendizagem da língua materna.

 Está, portanto, em debate o papel das Belas Letras nas Letras Nacionais. Os autores defendem, com argumentos cuidadosamente pensados e expostos, que não há nem pode haver Letras sem Belas Letras. Que não se pode ensinar Português sem se ensinar também, obviamente na medida certa, Literatura. E também defendem que a medida actual está bastante aquém da medida certa. Por medida não se deve entender apenas a quantidade mas também e sobretudo a qualidade. Interessa o “quanto” e interessa o “quê” e o “como”. Será necessário, nesta como noutras áreas, que sejamos mais exigentes para connosco próprios. 

Os professores, os estudantes mais avançados e as famílias são convidadas, com a leitura deste livro, a reflectir sobre o papel da escola como mediadora desses bens inestimáveis e perenes que são a língua e a cultura nacionais. Se o fizerem, a Fundação terá dado mais um passo no cumprimento da sua missão. 

Carlos Fiolhais (Responsável pelo programa de Educação da Fundação Francisco Manuel dos Santos)

2 comentários:

Acrescentos disse...

Interessante, Professor. Espreitarei.
Deixe-me só acrescentar o excelente trabalho desenvolvido no âmbito da docência do Português no ensino básico por Inês Sim-Sim, Ana Cristina Silva, Clarisse Nunes, Inês Duarte, Luís Filipe Barbeiro, Luísa Álvares Pereira, Maria João Freitas, Otília Sousa, Adriana Cardoso, Encarnação Silva, entre outros. Tudo gente com historial de formação inicial e contínua de professores, beneficiando de um contexto privilegiado de contacto entre a investigação e os contextos de sala de aula, com livros publicados que apresentam reflexões sustentadas sobre o complexo processo da aprendizagem da leitura e da escrita e que constituem um enorme potencial para explorações pedagógicas de qualidade.
Boas vendas!

José Fontes disse...

O relatório PISA de 2015
Começaram hoje a ser divulgados os resultados do Relatório PISA de 2012, que avalia a literacia e o desempenho dos alunos em três domínios-chave: Matemática, Ciências e Leitura. O inquérito é realizado de três em três anos nos 34 países membros da OCDE, tendo em 2012 abrangido ainda outros 31 países de zonas económicas que não fazem parte da organização.
O balanço feito pelos peritos da OCDE, para lá do horizonte mais estreito da comparação entre 2009 e 2012, é uma muito positiva avaliação externa (e independente) dos últimos dez anos de políticas educativas em Portugal. Como assinala o jornal Público, o relatório hoje divulgado recorda que o país estava, em 2003, no que à Matemática diz respeito, abaixo do Luxemburgo, dos Estados Unidos, da República Checa, da França, da Suécia, da Hungria, da Espanha, da Islândia ou da Noruega, para acrescentar que, em 2012, Portugal «alcançou» níveis de resultado idênticos aos observados nestes países. Os ideólogos extremistas do «eduquês» e da narrativa da «década perdida», que ajudaram a instalar o ministro Nuno Crato na 5 de Outubro, fazendo do «privatês» e da mediocridade subdesenvolvimentista a política oficial para a educação, têm que confrontar-se, uma vez mais, com a evidência de alguns destes factos. Mais: a tão aclamada Suécia - exemplo supremo das supostas virtudes do «cheque-ensino», que Nuno Crato se prepara para implementar entre nós - afunda-se novamente na cauda dos rankings da OCDE.
Valerá a pena analisar com detalhe toda a informação contida no relatório hoje divulgado e que volta a assinalar o impacto negativo que o background familiar e social tem nos níveis de desempenho escolar dos alunos portugueses (ver figura). Este será aliás, muito provavelmente, um dos aspectos que melhor demonstrarão, no futuro PISA de 2015, a devastação resultante da passagem de Nuno Crato pelo Ministério da Educação. Retenham pois o balanço que este relatório nos permite estabelecer: ele corresponde ao retrato de um ciclo que o ministro, empenhadamente, tem procurado encerrar. Porque se é certo, como refere a OCDE, que «os alunos portugueses mostram como em pouco tempo é possível melhorar», não o é menos que, também em pouco tempo, se podem destruir os avanços alcançados ao longo de mais de uma década.

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