sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

OS JESUÍTAS E A GLOBALIZAÇÃO CIENTÍFICA




Trecho ligeiramente adaptado do meu livro "História da Ciência em Portugal", que acaba de sair na Arranha Céus (na imagem, Observatório Astronómico em Pequim):

O século XVII, que entre nós ficou marcado pela acção dos Jesuítas, em particular pela obra desse grande jesuíta que foi o Padre António Vieira, foi, em Portugal, um século relativamente pobre do ponto de vista científico. O Império foi alvo de apetite por outras grandes potências marítimas, pelo que não pode deixar de ser considerado um feito militar e político a recuperação do Brasil pela coroa portuguesa após a Restauração.

Os jesuítas desempenharam um relevante papel na chegada da Revolução Científica a Portugal e ao mundo. A Ordem de Santo Inácio de Loyola, fundada em 1534, que se instalou em Portugal em 1540, haveria de desempenhar um papel determinante na Ciência e na Cultura, não só na metrópole mas também no Império português, ao longo de muito tempo, antes de ter sido extinta em Portugal por ordem do Marquês de Pombal, em 1579, facto que haveria de levar à sua extinção em todo o mundo. No grupo inicial dos companheiros de Loyola estava, além do português Simão Rodrigues, o basco Francisco Xavier – que veio para Portugal a fim de embarcar para o Oriente, onde ganhou jus à santidade. E foi em Portugal que se estabeleceram os primeiros colégios da Ordem. O Colégio de Jesus foi fundado em 1542, um ano antes da publicação dos famosos livros de Copérnico e Vesálio. No mesmo ano foi fundado o Colégio das Artes,  mas, passados sete anos, esta escola, que era gerida por humanistas oriundos de Bordéus (os mestres bordaleses, eivados dos ideais renascentistas, liderados por André de Gouveia) foi entregue aos jesuítas, que construíram um novo edifício na Alta da Cidade, ao lado do Colégio de Jesus, formando um amplo complexo, que esteve ligado por um refeitório comum. Os dois colégios, com a excepção da Igreja (hoje Sé Nova), pertencem actualmente à Universidade de Coimbra. O antigo edifício do Colégio das Artes, contíguo ao Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, foi, por sua vez, entregue à Inquisição, passando a funcionar como seu tribunal e nessa cidade.

Em Lisboa os jesuítas estiveram primeiro, a partir de 1542, em Alfama, no Colégio de Santo Antão o Velho e, depois, em 1579, passaram para o Colégio de S. Antão-oNovo, onde hoje é o Hospital de S. José. Em Évora estabeleceramse no Colégio do Espírito Santo, onde foi e ainda hoje é a Universidade de Évora. A acção científica dos Jesuítas em Portugal, apesar de notável, não pode ser considerada uniforme no espaço e no tempo. Por um lado, em Coimbra, com algumas notáveis excepções, a Ordem estiolou no final do século XVI e nos séculos XVII  e XVIII, tendo procurado o regresso à escolástica, num movimento que se inseriu na corrente mais vasta da ContraReforma (o Concílio de Trento, terminado em 1543, teve imediatos reflexos em Portugal).

Ficaram famosos os Conimbricenses, comentários a Aristóteles publicados em Coimbra, alguns dos quais da pena de Pedro da Fonseca, o professor mais importante desse período, e que haveriam de ser preponderantes no ensino jesuítico no mundo. Por exemplo, o matemático e filósofo francês René Descartes estudou por eles em jovem, num colégio jesuíta na Bretanha, não tendo gostado muito do que leu. Numa carta ao físico francês Padre Mersenne escreveu: “Os Conimbricenses são longos, sendo bom que fossem mais breves.”

Mas, por outro lado, os jesuítas que ensinavam na famosa Aula da Esfera no Colégio de S. Antão, em Lisboa, foram os principais responsáveis pela recepção de Galileu em Portugal, escassos anos após as primeiras observações deste em 1609 com o telescópio. Nesse ano, Galileu, usando uma luneta que tinha vindo da Holanda, olhou pela primeira vez para o céu e viu coisas verdadeiramente notáveis, como  montanhas e crateras na Lua que faziam sombras, tal como na Terra (o que indiciava que as leis da física eram as mesmas na Terra e fora dela), as manchas do Sol, as fases de Vénus e, principalmente, os satélites mais próximos de Júpiter, o que abonava em favor da veracidade da audaz hipótese de Copérnico e, portanto, contra o antigo modelo geocêntrico de Aristóteles e Prolomeu.

Alguns jesuítas em Roma comprovaram aquelas observações (o jovem Galileu tinha visitado o jesuíta Clavius, professor de Matemática no colégio central dos jesuítas, em Roma, em 1611, tendo os dois ficado amigos), embora não tivessem chegado ao ponto de darem razão a Galileu no que respeita ao heliocentrismo. Clavius afirmou simplesmente que, se as observações de Galileu estivessem certas, elas não deixariam de vir a ser incorporadas pelos astrónomos, em mais um aperfeiçoamento do modelo ptolomaico, como aliás já tinha havido tantos outros ao longo dos tempos. Clavius faleceu, porém, muito antes do caso Galileu.

É bem conhecido o processo que a Inquisição romana levantou a Galileu em 1633. Mas, bem antes disso, alguns jesuítas capazes de montar telescópios e de observar os céus com eles chegaram a Portugal. Entre eles estavam o austríaco Christophoro Grienberger e os italianos Giovanni Lembo e Christophoro Borri. Os dois primeiros foram interrogados pelo cardeal Belarmino no quadro do processo movido a Galileu. E todos foram intimados a renunciar às concepções copernicanas. As primeiras observações realizadas entre nós com o telescópio (que, na época, se chamava longemira) deveramse a padres jesuítas, tendo sido provavelmente feitas por Lembo na Aula da Esfera cerca do ano de 1612.

Em 1627, o padre Christophoro Borri, o autor de Collecta Astronomica (1631), depois de uma prolongada estada na Cochinchina (hoje Vietname), fez, em Coimbra, em 1627, observações da Lua com a ajuda de um telescópio, que deixou registadas em pormenor, incluindo uma imagem gravada. Foi ele que ensinou em Portugal como se fazia um telescópio.

Os telescópios haveriam de chegar à China e ao Japão pelas mãos de missionários portugueses ou estrangeiros que tinham passado por Portugal. Um dos mais famosos foi o italiano Matteo Ricci, que aprendeu português em Coimbra, antes de embarcar para o Oriente. Ricci traduziu as obras de Clavius para chinês. E conseguiu, adoptando os costumes locais, um encontro extraordinariamente fecundo de culturas. Passou evidentemente por Macau, que era para todos os ocidentais a porta de entrada na China. Um outro jesuíta português que por lá entrou foi o padre Tomás Pereira, que trabalhou no Tribunal das Matemáticas e chegou a dirigir o Observatório de Pequim.

5 comentários:

Cláudia da Silva Tomazi disse...

A parte (epistemologia) verdade uma grande paixão!

Lógica disse...

Professor, uma curiosidade.

1586 - Plano curricular do Colégio dos Jesuítas:

1º ano - Dialética
2º ano - Lógica, Física e Ética
3º ano - Metafísica, Pequenos Naturais
4º ano (um semestre) - A Alma

Pode fazer-me um pequeno resumo do que ensinavam eles sobre a Alma?

De Anima disse...

Então Professor?
Sem se saber o que é a Alma não se consegue qualquer fundamentação para a Ética. E sem ética, todo o tipo de organização social colapsa.
Estou à espera...
Preciso de entender o mundo.

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Da virtude: fé, esperança e caridade.

Fernando Correia de Oliveira disse...

Os Jesuitas, através do Padroado Português do Oriente, foram também responsáveis pela introdução do relógio mecânico em todo o Extremo Oriente (China, Coreia, Vietname, Japão). Sobre este tema, veja-se aqui: http://estacaochronographica.blogspot.pt/2012/02/portugal-china-ciencia-e-relojoaria.html

35.º (E ÚLTIMO) POSTAL DE NATAL DE JORGE PAIVA: "AMBIENTE E DESILUSÃO"

Sem mais, reproduzo as fotografias e as palavras que compõem o último postal de Natal do Biólogo Jorge Paiva, Professor e Investigador na Un...