sábado, 28 de dezembro de 2013

9115 palavras que falam de pedras e do que com elas se relaciona


Quando eu era aluno da licenciatura em Ciências Geológicas, em finais da década de 1950, já se fazia sentir a falta de um Dicionário de Geologia, no seu sentido mais abrangente, isto é, que incluísse as diversas disciplinas que a integram. Era um tempo em que a globalização da ciência não tinha o desenvolvimento dos dias de hoje. Um tempo em que o francês dominava as relações académicas, os compêndios e os manuais de estudo.

Nesse período áureo da penetração da inteligência gaulesa na nossa vida cultural e científica, em particular, no ensino superior e na investigação, a maioria dos estágios dos nossos assistentes e jovens investigadores tinha lugar em França. As nossas comunicações e artigos científicos, na maioria, para consumo interno, eram quase todos escritos em português e os poucos que faziam excepção a esta regra usavam, quase exclusivamente o francês, para nós, a segunda língua. A par dos autores francófonos sobre os quais assentou o essencial da preparação dos universitários da minha geração, havia os que utilizavam a língua inglesa, em especial, americanos, britânicos e uns tantos do Norte da Europa, e os grandes autores alemães, que os havia, cujas obras pouco saíam das estantes das bibliotecas, mercê de uma língua que só um ou outro dominava.

Os anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial (1939-1945) deram hegemonia ao inglês, situação que se tem vindo a acentuar com a globalização de múltiplos sectores da actividade dos povos deste planeta já referido, por alguns, por “aldeia global”. Hoje em dia, os nossos investigadores científicos, à semelhança dos seus pares de muitos outros países, quaisquer que sejam os seus domínios de especialização, escrevem os respectivos trabalhos (papers) na língua de Shakespeare. Isto, se quiserem que os seus resultados tenham a divulgação que pretendem dar-lhes e, o que também é considerado importante, sejam citados internacionalmente no exigente e selectivo Scientific Index (ISI).

Não obstante a necessidade de estabelecer relações internacionais, era e é igualmente necessário falar e escrever para dentro das nossas fronteiras com um vocabulário em português já existente ou introduzido por aportuguesamento de termos estrangeiros. E, assim, sentia-se a falta de um Dicionário de Geologia na nossa língua. O primeiro projecto visando corrigir esta deficiência nasceu no Centro de Estudos de Geologia da Faculdade de Ciências de Lisboa, dirigido pelo Professor Carlos Teixeira. Com a participação dos seus colaboradores e discípulos, entre os quais me contava, este que foi um lutador pela valorização da Geologia e pela dignificação dos geólogos, empreendeu esta tarefa, como ele escreveu, «a fim de levar a cabo a tentativa de uniformização da linguagem geológica usada por geólogos portugueses e geólogos brasileiros». Dizia, ainda, a propósito, este professor: «Nem sempre é fácil encontrar expressões portuguesas ou aportuguesar certos termos vulgarizados em meios científicos estrangeiros» e, de facto, assim é. Não é fácil estabelecer regras. As excepções surgem a cada passo, desaconselhando o seu uso.

Concretizada sob o título “Vocabulário de Termos Geológicos”, surgiu, então, em 1971, a publicação da 1.ª série, letra A, logo seguida da letra B (sem data). A retoma desta tarefa, ainda sob a direcção do Professor Carlos Teixeira, está documentada pela publicação das letras D e F, em 1978, e das E e G, em 1981. A letra C nunca foi concluída. Após sete anos de interrupção desta obra, motivada pelo falecimento do incansável Professor, foi editado em 1988, desta vez pela Academia das Ciências de Lisboa, o volume correspondente à letra H, elaborado pelo Doutor Francisco Gonçalves, o mais próximo colaborador do mestre, também ele desaparecido pouco tempo depois. E a obra, em que colaborei nos vocábulos mais próximos do meu sector de investigação e ensino, morreu aqui, por falta de quem a dinamizasse.

Volvidas duas décadas, na desagradável condição de reformado (ou pensionista, como agora se diz) e como continuador que me assumo, dos que, antes de mim, lutaram pela valorização da Geologia e pela dignificação da profissão de geólogo, entendi retomar este projecto, reformulá-lo e publicá-lo em homenagem aos meus dois antecessores. Foi assim que, a partir de 2008, com o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia e do Museu Nacional de História Natural, resolvi dar corpo ao material contido num ficheiro (em papel) de vocábulos, coligidos ao longo dos anos, e ampliá-lo na medida do considerado necessário e suficiente.

No que se refere à terminologia dos minerais, respeito a grafia há muito utilizada entre nós, por aportuguesamento dos termos originais, o que acontece relativamente a um certo número de espécies vulgarizadas, sobretudo, no sector mineiro, e adoptei, para os restantes, a grafia internacional (em inglês), posto que esta, na maioria dos casos, reflecte os nomes de personalidades homenageadas por essa via, e noutros, os nomes de localidades em países estrangeiros e que a ciência mineralógica acabou por internacionalizar.

Também a terminologia estratigráfica e, em especial, os nomes de andares, de séries e de sistemas, é apresentada sob dois critérios, um que respeita o aportuguesamento dos termos clássicos, como foi o caso entre nós, na minha geração e nas que me precederam, em que a geologia portuguesa, escrita e falada na nossa língua, raramente extravasava as fronteiras da portugalidade. O outro critério, seguido nos termos menos divulgados, respeita, igualmente e pelas razões apontadas, a grafia internacional.

Relativamente aos termos do glossário paleontológico, apenas foram considerados aqueles cujo conhecimento se torna essencial à definição dos conceitos na área da geologia.

A globalização da ciência, comunicada entre pares e divulgada em inglês, é uma realidade incontornável e, assim, respeitar as grafias originais parece um procedimento aconselhável. A geologia dos dias de hoje não tem fronteiras. A comunicação científica falada e a escrita em suporte de papel ou por via electrónica crescente, agrade ou não aos mais acérrimos defensores da língua de Camões, adoptou o inglês como linguagem internacional, realidade que desaconselha o tradicional aportuguesamento dos termos mais estranhos à nossa maneira de escrever e falar.

Tendo em conta a internacionalização do tempo que estamos a viver, cada um dos 9115 termos do Dicionário de Geologia (Âncora Editora) é acompanhado do respectivo sinónimo em inglês. Nesta obra que considero a minha colaboração nas comemorações do Ano Internacional do Planeta Terra e do Centenário da Universidade de Lisboa, para além dos muitos elementos de consulta, pude contar com uma listagem de termos espeleológicos, inédita, gentilmente cedida pela Drª. Marisa Loureiro, e a uma outra, muito completa, igualmente inédita, no domínio da gemologia, da autoria do gemólogo Rui Galopim de Carvalho.

A. Galopim de Carvalho.

1 comentário:

José Fontes disse...

Caro Prof. Galopim de Carvalho:
Os seus textos prendem-me ao De Rerum Natura, não perco um.
O senhor fala do tempo do domínio da língua francesa, mas em que se falava e escrevia muito bem, alguns de forma brilhante, como o senhor, também em português.
E isto, quer consideremos o que escreve na sua função didáctica, quer consideremos pela correcção, fluidez e elegância linguísticas.
E nem o domínio hegemónico do francês, quer nos meios académicos, quer nos círculos mais cultos da sociedade do tempo que refere, e apesar da inevitável incorporação de galicismos, se reflectia significativamente na qualidade do português escrito e falado.
Não é o que se passa actualmente, em que o domínio do inglês nos trouxe a incorporação forçada de anglicismos, pior, de construções gramaticais estranhas e desconfortáveis à nossa língua.
É evidente que muito disto acontece por influência da crescente presença dos meios informáticos, do corta e cola, e da comunicação instantânea dos «media», agora dos telemóveis e da sua linguagens redutora dos SMS, a qual, na opinião bastante crítica de Vargas Llosa, não tardará a conduzir vastas massas das populações aos primórdios da linguagem humana por grunhidos.
Desfrutemos entretanto os seus textos deliciosos.
Obrigado.

35.º (E ÚLTIMO) POSTAL DE NATAL DE JORGE PAIVA: "AMBIENTE E DESILUSÃO"

Sem mais, reproduzo as fotografias e as palavras que compõem o último postal de Natal do Biólogo Jorge Paiva, Professor e Investigador na Un...