sábado, 12 de janeiro de 2013

QUERO...

QUERO

Que deixes de fumar
Que uses o cinto de segurança
Que comas legumes
Que não te ponhas ao Sol
Que emagreças
Que garantas a segurança aos teus filhos no banco traseiro
Que fales de questões raciais
Que uses preservativo
Que te ofereças como voluntário
Que comas menos carne vermelha

Em torno de um cartaz do Tio Sam apontando um dedo ao leitor (1997)

(Reprodução duma nota do capítulo Vida e tempos demócritos da extraordinária obra Da alvorada à decadência, de Jacques Barzun, Gradiva, 2003, página 763).

João Bénard da Costa explicou clara e ironicamente a ideologia que se infiltra em cada uma destas frases. Não é comum isso ser reconhecido e muito menos contestado, sobretudo em público, pois sobre quem o faz recaem, de imediato, vários anátemas pouco confortáveis de que o próprio tem dificuldade em se defender.

Tal acontece porque qualquer frase deste tipo apresenta-se invariavelmente como "a" verdade, "a única" verdade. A verdade "natural", "evidente", que qualquer um com o mínimo de discernimento a reconhece e aceita como se da verdade divina se tratasse. A verdade "bondosa", que salva, a única que salva (seja da morte espiritual, da morte física, ou de outra qualquer morte), estando, por isso, acima de qualquer suspeição e, logo, de crítica.

Por isso, esta verdade "tendo de" ser levada a todos e a cada um, sendo que todos e cada um "têm de" acolhê-la inequívoca e alegremente no seu modo de pensar, sentir e agir.

Estamos, como se perceberá, no campo da ideologia.

Mas (e aqui que está o carácter distintivo das ideologias) nunca se dando a entender a origem particular das "verdades", os seus mentores particulares, os seus propósitos particulares... E muito menos dar a conhecer o modo muito específico e organizado como opera.

Porque a real essência e manifestação da ideologia é a mistificação. Uma mistificação de tal modo perfeita que oculta a sua real essência e manifestação.

Leni Riefenstahl teve este vislumbre e conseguiu traduzi-lo genialmente no Triunfo da Vontade

Se ao menos filmes como este conseguissem fazer perceber (no fundo, desmistificar) (algumas) ideologias do presente... Ideologias que convergem para a escola ocidental e de que ela está completamente refém...

Volte o leitor ao texto reproduzido por Barzun e pense em cada linha...

QUERO...

Não é o "bem" maternalista (mais do que paternalista), o "bem" superior pré-estabelecido que ali se torna imposição?

5 comentários:

José Batista disse...

Respondendo à pergunta do fim:
Não me parece, estimada Professora, aquele «quero» "soa-me" impositivo, possessivo e violento, demasiado na primeira pessoa, uma "vontade única" de um sujeito que quer, como se o "objecto" do querer fosse mais escravo que pessoa pensante e livre.
Para a ironia ser total, a um tal sujeito, num tal "poema", só faltaria concluir com um... "cordialmente" (que me desculpe o muito prezado João Boaventura).

Debbie Seravat disse...

Como seguir este blog? Obrigada.

augusto kuettner disse...

QUERO




Que deixes de fumar

Que uses o cinto de segurança

Que comas legumes

Que não te ponhas ao Sol

Que emagreças

Que garantas a segurança aos teus filhos no banco traseiro

Que fales de questões raciais

Que uses preservativo

Que te ofereças como voluntário

Que comas menos carne vermelha



ISTO É QUERER QUE NÃO TENHAMOS LIBERDADE PARA VIVER.........................

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Ora, por atestado obra Gradiva, estabelece de melhor princípio.

Cláudia da Silva Tomazi disse...

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O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...