sexta-feira, 22 de junho de 2012

Do Século XIX à Matriz Curricular para o Novo Ano Escolar com uma Redução de Trinta Minutos na Carga Horária Semanal de Educação Física


Despendem-se neste país oito milhões de dólares com a assistência médica e nós sabemos que 40% destas despesas resultam totalmente inúteis. Vamos gastar parte desse dinheiro na motivação das pessoas para que participem em qualquer actividade física" (Iona Compagnolo, ministra de Estado para a Boa Condição Física e Desporto Amador no Governo de Pierre Trudeau).

A sociedade portuguesa tem uma juventude cada vez mais vitimada por doenças hipocinéticas (obesidade, deficiências posturais, stress, etc.), a que o “Magalhães” deu uma “preciosa ajuda” pela inactividade, ao sentar os nossos escolares em posições viciosas, horas sem fim, em frente ao computador, “quais ostras fixadas ao rochedo” (Jean-Pierre Gasc). A sociedade tarda em libertar-se de um platonismo que via no corpo o túmulo em vida da alma ou está em garras do dualismo cartesiano, procurando encontrar mais espaço para determinadas disciplinas teóricas e tirando-o à educação física.

Ora isto só será possível se regressarmos ao século XIX, deparando-nos hoje com um país, a andar para trás como o caranguejo, que julga fazer obra asseada e patriótica com políticos de fato e gravata que se identificam, como almas gémeas, aos políticos de antanho de colarinho engomado e bigodes revirados, descritos pela pena impiedosa de Ramalho Ortigão: “Como cultura física indigência igual à sua cultura mental. Se falando metem os pés pelas mãos, calados metem os dedos pelo nariz. Não têm ‘toilette’, não têm maneiras e têm caspa”.

Esse mesmo Ramalho que, valorizando o papel dos pais no acompanhamento escolar dos filhos (em contraste com certos pais de hoje que são obrigados, pelo emprego do casal, a fazerem da escola uma espécie de armazém onde depositam os filhos manhã cedo até ao final da tarde) e em desilusão com a ausência de medidas políticas em prol de uma educação integral dos jovens, exortava os pais (ele próprio o diz, “não nos dirigimos aos políticos”), em tom panfletário de que se fez exímio cultor, a tomadas enérgicas de posição, ao escrever:

“Leitor! Leitora – falemos dos vossos filhos.(…) Pelo que respeita ao corpo, se vêm de um ‘bom colégio, sabem de ginástica o suficiente para fazer dele um mau arlequim, mas nunca empregaram a sua força nos exercícios verdadeiramente úteis a um homem. Não estão habituados à fadiga das marchas, não sabem defender-se se os esbofeteiam, não sabem nadar, desconhecem os princípios mais elementares da higiene. Nós mesmos já fomos educados assim. Vede o que estamos sendo! Vede os homens que deitámos. Vede o país que fizemos e a sociedade que construímos! (…) Pesa sobre vós uma responsabilidade tremenda. No estado em que se encontra a sociedade portuguesa, a família é o duplo refrigério – do coração e do espírito. A família é dos pouquíssimos meios pelos quais ainda é lícito em Portugal a um homem honrado influir para o bem no destino do seu século. Querido leitor! O modo mais eficaz de seres útil à tua pátria é educares o teu filho. Consagra-te a ele!”

Porque para o chinês, personagem literária de Eça, “exageração é pintar uma cobra e depois pôr-lhe quatro patas”, escreveu Ramalho, em defesa das actividades corporais para si tão caras: E francamente devo dizer que levantar trinta quilos em cada pulso, trepar a um quarto andar por uma corda, saltar a pés juntos um fosso com dois metros de largura, me parece, com relação ao domínio do homem sobre o mundo exterior, uma cousa tão importante, pelo menos, como fazer análise gramatical e a análise lógica de uma oração de Cícero”.

É, ainda, esta “Ramalhal figura” que, em denodada campanha em prol da exercitação física da juventude do seu tempo, chama a atenção da Câmara dos Pares para um estudo que demonstrou que os exercícios ginásticos são úteis não só ao desenvolvimento físico. Em sua defesa apresenta o seguinte exemplo: “Nas escolas inglesas em que se introduziu a ginástica os alunos aprenderam mais e em menos tempo do que naquelas em que a ginástica não existia”.

Em apoio, igualmente, desta constatação da velha Albion, passado mais de meio século, trabalhos de investigação, levados a efeito, na década de 50, em França (Vanves, Tourangeau, Montabaun) e na Bélgica (Bruxelas), confirmaram a influência benéfica da Educação Física no rendimento escolar, sob o ponto de vista físico e de aprendizagens cognitivas e não só. O próprio Dr. Fourestier, responsável pela experiência de Vanves, não se exime em declarar entusiasmado: “Com métodos pedagogicamente novos não criaríamos apenas uma raça fisiologicamente nova. Faríamos, possivelmente, homens moralmente novos, e mais fraternos uns com os outros”.Igualmente entusiasmado com estes resultados, OlivierGuichard, ao te

Portugal levou a efeito um estudo sobre a influência da ginástica na melhoria da fadiga intelectual de 36 crianças do ensino primário na realização de provas de ditado. De uma forma muito resumida, os resultados demonstraram que nos dias em que a prova de ditado era precedida de 15 minutos de ginástica os erros ortográficos dados eram em menor número relativamente aos dias em que a ginástica não era ministrada. Este trabalho de investigação científica, intitulado “Influência do Exercício Físico na Fadiga Intelectual”, foi levado a efeito por uma equipa de professores do Instituto Nacional de Educação Física (actual Faculdade de Motricidade Humana), tendo merecido o segundo prémio científico da prestigiada Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa (1963), atribuído em colaboração com o Laboratório Pfizer, “com o objectivo de contribuir para a dinamização da investigação em Ciências da Saúde em Portugal”. Foram agraciadas com este prestigiante prémio científico (criado em 1955) cientistas portugueses como, por exemplo, João Lobo Antunes e António Damásio.

Em Abril de 79, o então ministro da Saúde, do Partido Socialista, António Arnaut, entusiasta criador e obreiro do “Serviço Nacional de Saúde”, perspectivou o papel constitucional da Educação Física e da Medicina da forma seguinte: “O governo pretende, ao criar o Serviço Nacional de Saúde, assegurar aos portugueses o efectivo direito à protecção da saúde e isso só se consegue,como resulta da Constituição, pela criação de condições económicas, sociais e culturais que garantam a protecção dos cidadãos e ainda pela promoção da cultura física e desportiva escolar e pelo desenvolvimento da educação sanitária do povo”.

Em notícia do jornal Publico, em finais do passado mês de Maio, “os professores de Educação Física insurgem-se, em carta aberta ao ministro Nuno Crato, contra o que classificam de 'equívoco' na matriz curricular que entrará em vigor no próximo ano lectivo, considerando que despreza a disciplina”. Entretanto, o Conselho Nacional de Associações e Profissionais de Educação Física e a Sociedade Portuguesa de Educação Física solicitaram uma audiência urgente com o Ministro Nuno Crato para darem conta daquilo que consideram “um equívoco”.

Decerto que o ministro Nuno Crato, mesmo em tempo de euforia pelos resultados de Portugal no actual Campeonato Europeu de Futebol, não deixará de ter em conta a defesa de um ilustre e aposentado professor de Educação Física, José Esteves, doutor “honoris causa” pela Universidade Técnica de Lisboa, ex-bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian e autor da notável obra e best-seller (com primeira edição em 1967), “O Desporto e as Estruturas Sociais”. Trata-se de uma verdadeira pedrada no charco nos antípodas dos espectadores de bancada aos fanáticos pelo desporto de alta competição. Escreveu José Esteves:Não troco um êxito desportivo, de repercussão internacional, de um atleta ou de uma selecção portuguesa, pelo prejuízo da iniciação desportiva de alguns milhares de rapazes e raparigas das nossas escolas primárias”. Razão, a acrescentar a outras razões já aqui apresentadas, para corrigir, sem hesitações, este “equívoco”, por dois motivos ponderáveis:

1. Ser Portugal vice-campeão europeu da obesidade juvenil.
2. Um parecer da Organização Mundial de Saúde (OMS) a aconselhar, no mínimo (no mínimo!) três horas de Educação Física Escolar.

Ou seja – só suprimindo a legitimidade, suprimindo a vergonha, suprimindo o interesse do próprio país, suprimindo tudo, enfim, poderá ser levada avante a ideia teimosa, que põe em risco a saúde dos nossos jovens, em diminuir um minuto que seja às horas destinadas à educação física nos horários escolares levando, por via disso, ao desalento de Eça: “(…) não temos a ginástica como ela se faz em França …não temos nada capaz de dar a um rapaz um bocado de fibra, temos só a tourada…Tirem a tourada, e não ficam senão badamecos derreados de espinha, a melarem-se pelo Chiado!”

Na imagem: Iona Campagnolo.

32 comentários:

Armando Inocentes disse...

Criança que não sabe correr, criança que não sabe saltar, é criança que não sabe pegar no lápis...

Os doutos deste país ainda não descobriram que foi o funcionamento cada vez mais diversificado da mão que deu origem a uma cada vez maior ligação dos neurónios no cérebro quando passámos a ser bípedes.

Educação Física para quê? Desporto na escola para quê? Dança, Teatro, Expressão Musical, ou Dramática, ou Visual, ou Plástica (chamem-lhe o que quiserem!!!!) do que eles (os alunos) precisam é de Língua Portuguesa e Matemática...

Parabéns pelo post!
Um abraço amigo
Armando Inocentes

Luís disse...

De facto, não há fome que não dê em fartura. Se viemos do eduquês, agora vamos a caminho do matematês. Será pedir muito, pedir por um ministro com olhar periférico?

motta disse...

Meu caro professor
Invejo-o pela clareza e harmonia das suas palavras.
Disse, sobre esta matéria, aquilo que eu gostaria de ter sido capaz de dizer.
Obrigado.
motta

Rui Baptista disse...

Prezado Armando Inocentes: Ao seu comentário, que agradeço, acrescento o papel importante da Educação Física na passagem do pensamento concreto ao pensamento abstracto da criança. Assim, apresento, por exemplo, a diferença entre subir para cima dum banco e saltar por cima de um banco.

Retribuo o abraço enviado.
Rui Baptista

Rui Baptista disse...

na 1.ª palavra da 4.ª linha, substituir "subir" por "saltar".

Rui Baptista disse...

Caro Motta: Grato pelo seu comentário. Talvez o meu desgosto por ver que a Educação Física continua a não merecer a atenção que lhe é devida, mormente, como meio valioso de prevenção para uma boa saúde (como escreveu Castilho, "quem distingue a humanidade são a saúde e a doença") me tenha levado a este testemunho.

Já chega de ver a Educação Física como uma gigantesca fábrica de hercúleos mentecaptos ou como uma simples disciplina escolar parente pobre das outras disciplinas. Sendo a Educação Física um meio valioso de manter uma boa saúde (segundo Aristóteles," a qualidade principal do corpo é a saúde") não é ela necessária para as aprendizagens cognitivas? Um corpo doente e enfermiço não é, de forma alguma, propício a um estudo proveitoso.

Rui Baptista disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Dis aliter visum disse...

Sem pretender pôr em causa o benefício do exercício físico, permita-me a seguinte nota.

Se as escolas escolherem tempos lectivos de 45 minutos, a disciplina de Educação Física mantém o mesmo tempo tanto no 2º ciclo como no 3º ciclo.
Se escolherem tempos lectivos de 50 minutos, esta disciplina ganha 15 minutos em cada ano do 2º ciclo. Pode perder 35 minutos em cada ano do 3º ciclo, se a escola decidir dar dois tempos a TIC/oferta de escola; se for dado apenas um tempo, então também ganham 15 minutos. Portanto o problema dos colegas de Educação Física não está na revisão curricular.

Acontece que os colegas receberam depois de 1974 um pacote especial com algumas dezenas de horas semanais — o Desporto Escolar — que é dividido entre todos e usado para organizar certas actividades extra-curriculares com alguns alunos como, por exemplo, campeonatos de futebol ou de corta-mato. Este pacote vai ser objecto de um despacho e prevê-se que seja reduzido. É aqui que está o problema deles.

Rui Baptista disse...

Caro "Dis aliter visum": Começo por agradecer o seu comentário.

Todavia, e aqui é que me parece estar o busílis da questão, para um melhor esclarecimento do leitor, transcrevo esta notícia da Lusa (29/05/2012) sobre o descontentamento de uma organização profissional (CNAPEF) e de outra científica (SPEF), representativas da classe de professores de Educação Física. Aliás está previsto um Congresso Extraordinário (12/07/2012) sob a égide destes dois organismos, intitulado “Não Há Educação Sem Educação Física”, sobre esta matéria. Trancrevo a notícia da Lusa:

“É atribuído um crédito total de minutos a esta área para ser gerido no seio de cada escola, de acordo com o critério dos seus gestores, permitindo que possa desprezar-se a carga horária que estava definida para esta disciplina”, escrevem os autores do documento, divulgado esta terça-feira.

Na carta – assinada pelos dirigentes da Confederação Nacional de Associações de Profissionais de Educação Física (CNAPEF), João Lourenço, e da Sociedade Portuguesa de Educação Física (SPEF), Marcos Onofre –, é pedida uma audiência urgente e a suspensão imediata do processo, com a correcção do alegado equívoco.

Em causa está a publicação pela Direcção-Geral da Educação das “matrizes curriculares dos ensinos básico e secundário”, na semana passada, em que se indicam os tempos máximos e mínimos estabelecidos para as diversas disciplinas, os grupos a que pertencem, e a distribuição pelos respectivos ciclos, deixando às escolas uma margem de organização em função do seu próprio projecto educativo, conforme havia indicado o ministro em Março.

"Profunda indignação"

As organizações subscritoras da missiva reagem hoje com “profunda indignação e total discordância”, alegando que existe “falta de coerência” entre o documento inicialmente apresentado por Nuno Crato e o que agora foi publicado.

Temendo as consequências de uma redução do tempo dedicado à disciplina, os professores dizem também que não há razões conceptuais, científicas ou de natureza curricular que justifiquem a “agregação da Educação Física, Educação Visual, Tecnologias da Informação e Comunicação e Oferta de Escola” numa área intitulada “Expressões e Tecnologias” no 3.º Ciclo.

Os autores da carta consideravam já insuficiente, face às recomendações internacionais, o tempo definido para a disciplina.

“No caso particular do ensino secundário é proposta uma redução de 30 minutos na carga horária, o que perfaz menos 16 horas de aulas anuais, ou seja, “menos cinco semanas de aulas por ano”.

Os professores defendem a sua posição com os benefícios do exercício para a saúde, num país que revela “a segunda maior taxa de prevalência de obesidade e sobrepeso na Europa”.

Esta matriz, dizem, vai ainda contra uma resolução da Assembleia da República em que se reconhece a “necessidade de reforçar a actividade física da população em idade escolar”.

Ou seja, “não bate a bola com a perdigota!”

Cordiais cumprimentos,
Rui Baptista.

Rui Baptista disse...

É um dever de consciência meu referir que a frase de Iona Compagnola,que cito no meu post, foi retirada de um texto de João Boaventura. O seu a seu dono, com o meu pedido de desculpas ao leitor e ao João Boaventura.

Paulo Martins disse...

Uma das melhores reflexões que já li sobre a Educação Física e as mensagens do passado tão actuais e importantes para o presente!!

Rui Baptista disse...

Caro Paulo Martins: Um bem haja.

Armando Inocentes disse...

No ensino há uma coisa de que ainda não se falou: o Plano Anual de Atividades. Comemora-se com diferentes atividades o dia de S. Martinho, o Dia do Pai e o Dia da Mãe, o dia do Agrupamento, o dia da Criança, o dia da Árvore, o dia da Água (olha se houvesse "dia do Vinho"!!!)...
Elaboram-se os mais diversos projetos (lembro-me do eco-escolas)...

Quantas horas se gastam nisto? Não podiam ser horas para Português e Matemática?

Um abraço!

Rui Baptista disse...

Prezado Armando Inocentes: Numa escola de facilitismo há que interromper os assuntos sérios com os dias disto e daquilo...

Ficou registado no seu comentário a sua válida sugestão, que é: "Quantas horas se gastam nisto? Não podiam ser horas para Português e Matemática?"E por que não Educação Física? Aplaudo com as mãos ambas, e tenho esperança que os responsáveis por este "statu quo" se debrucem sobre o assunto.Agradeço e retribuo o abraço!

Miguel Alexandre disse...

Excelente post. Abraço todas as palavras que escreveu e permita-me acrescentar um artigo com que me deparei, que compara o rendimento escolar nas restantes disciplinas em 2 grupos: (A:5x/semana 45min e B:2x/semana 45min). Cumprimentos

Armando Inocentes disse...

Caro Professor Rui Baptista:

Claro que as minhas "horas" para Português e Matemática eram sarcásticas em virtude das horas retiradas à Educação Física...

O que vai ser da E. F.? Não interessa...
Do Desporto Escolar? Irrelevante...
O que vai ser da educação motora da criança?... Igualmente!
Vamos falar de habilidades motoras e de destrezas? Vamos falar de técnicas e de táticas? Sem relevo...

Vamos falar dos Clubes da Madeira que em hóquei e em andebol já desistiram dos campeonatos nacionais? Entretanto os órgãos sociais da FPF custam 1,8 milhões de euros...

Vamos então falar de CR7, de Mourinho, dos J. O. de Londres... ou do Portugal-Espanha... ou será Espanha-Portugal?

É este o nosso país!!!

Grande abraço!

Rui Baptista disse...

Caro Armando Inocentes: Claro que compreendi o sarcasmo das suas palavras. Aliás, já os romanos diziam: "Ridendo castigat mores". E já que estou com a mão na massa, outra expressão latina (desculpável por no meu tempo de liceu ser dado o latim a doer...dores que eu hoje agradeço!): "Panem et cirsences"". O pão começa a escassear e o circo a abundar...

Um grande abraço!

Rui Baptista disse...

Caro Miguel Alexandre:

Seria possível resumir esse artigo e publicá-lo em comentário?

Entretanto, aqui deixo um testemunho valioso do falecido presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy, que transcrevo: "A aptidão física não é apenas umas das mais importantes chaves para se ter um organismo sadio, é a base da actividade intelectual criativa e dinâmica. A relação entre a saúde do corpo e as actividades da mente é subtil e complexa. Ainda falta muito para ser entendida. Os gregos, porém, ensinaram-nos que a inteligência e a habilidade só podem funcionar no auge da sua capacidade se o corpo estiver sadio e forte; que os espíritos fortes e as mentes confiantes geralmente habitam corpos sadios" ("Os pesos e halteres, a função cardiopulmonar e o doutor Kenneth Cooper", Rui Baptista,p.15, Lourenço Marques, 1973).

Entretanto, neste país alguns iluminados que rescendem a balofa intelectualidade (e o mais grave da questão é alguns deles serem pais mais preocupados com a entrada dos filhos em Medicina do que com Eusébiozinhos, personagens doentias do livro de Eça, "Os Maias") discutem se a nota da disciplina de Educação Física deve ou não contar para a média do ensino secundário.

Tranncrevo, a propósito, um pequeno excerto de uma carta de um amigo, engenheiro Rogério de Carvalho, a exemplo do médico Augusto Tito de Morais, meus companheiros de “ferros”, relativamente a uma conferência que proferi na Sociedade de Estudos de Moçambique (“Palmas de Ouro”, da Academia de Ciências de Lisboa), de que eu viria a ser vice-presidente da respectiva Secção de Ciências, em que ele com um grande poder de síntese escrevia: “Como a Educação Física, nas suas últimas consequências atende ao equilíbrio psíquico do indivíduo, ela actua como um arejado luminoso tratado de relações humanas que estão para a sociedade como num pilar o ferro está para o betão. Não acredito, para mais, que um grupo social de indivíduos confortavelmente instalado num corpo saudável e bem oxigenado penda, por exemplo, para as drogas” (“Educação Física – Ciência ao Serviço da Saúde Pública”, Rui Baptista, p. 20, Lourenço Marques, 1971).

Mais palavras para quê? Estes testemunhos falam por si.

Cordiais cumprimentos e obrigado pelo seu comentário,

Armando Inocentes disse...

Só mais um ou dois complementos:

Como disse Jean Chateau, “uma criança que não sabe jogar, será um adulto que não sabe pensar”, tais são as implicações da motricidade com o campo cognitivo e intelectual. E quando perguntaram à teóloga alemã Dorothee Solle como explicaria a felicidade a uma criança, ela respondeu que “não a explicava, atirava-lhe uma bola para que brincasse”... (esta é de Eduardo Galeano).

João Batista Freire, Professor da Universidade Estadual de Campinas, no livro “Educação Física & Esportes: perspectivas para o século XXI” (e repare-se que estamos em pleno século XXI!...) quando nos fala de métodos, diz-nos o seguinte:

“Métodos de confinamento e engorda. Aplicáveis indiferentemente a porcos, vacas, galinhas e homens. Atesta-o a metodologia do traseiro, a mais cruel e frequente nas nossas escolas. Crianças confinadas em salas e carteiras, mais imóveis que os bichos que já mencionei. Como se, para aprender, fosse necessário o contacto permanente do traseiro com a carteira. Mas, assim como os nazis o sabiam, o sistema escolar também sabe. O corpo tem que se conformar aos métodos de controle, caso contrário, as ideias não podem ser controladas. O fascismo, que nunca desapareceu, sabe que ideias e acções corporais são a mesma coisa e, se se quiser controlar as ideias basta controlar os corpos. Quem tem o controle do corpo, tem o controle das ideias e dos sentimentos. Quem fica confinado em salas apertadas, sentado e imóvel em carteiras, milhares de horas durante boa parte da vida, aprende a ficar sentado nas cadeiras, de onde talvez nunca mais se venha a erguer. Se a Educação Física não sabe, o poder sabe, e muito bem, como educar a motricidade das crianças, como educar-lhes o carácter e as ideias. O corpo imita o poder em seus contornos mais subtis. O corpo acaba por ser como o poder: imóvel, conservador, rígido, tenso, asséptico e frio.”

Das melhores citações que conheço...

E não me alongo mais... já estamos a ver no que estamos metidos... infelizmente!

Grande abraço

Rui Baptista disse...

Caro Armando Inocentes: Não comungo, de todo em todo (embora compreenda), o seu pessimismo. Tenho esperança, ou melhor sei, que sairemos daquilo em que nos quiseram meter! A SPEF, o CNAPEF, Organizações Internacionais de Educação Física, imprensa e a classe dos professores de Educação Física encontram-se numa acção concertada e imparável para porem cobro a esta lamentável “boutade”.

Desta forma, a barbárie não encontrará o terreno da indiferença, embora Thelhard de Chardin tenha lançado o aviso: “O barbarismo da nossa época é ainda mais estarrecedor pelo facto de tanta gente não ficar realmente estarrecida”. Nesta verdadeira emergência há muita gente verdadeiramente estarrecida!

Atrevo-me mesmo a pensar que o próprio Ministro da Educação, Nuno Crato, tudo fará para emendar a mão de matrizes publicadas pela Direcção-Geral de Educação que põem em cheque um país que trata a Educação Física num verdadeiro retrocesso à Idade Média!

Retribuo o abraço,

Rui Baptista disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rui Baptista disse...

O meu comentário das 01:41 foi eliminado por, "mea culpa", ter saído publicado em duplicado.

Miguel Alexandre disse...

Peço desculpa pela omissão da fonte e respetivo resumo.


"Motor skills and school performance in children with daily physical education in school - a 9-year intervention study"

Abstract

The aim was to study long-term effects on motor skills and school performance of increased physical education (PE). All pupils born 1990-1992 from one school were included in a longitudinal study over nine years. An intervention group (n = 129) achieved daily PE (5 × 45 min/week) and if needed one extra lesson of adapted motor training. The control group (n = 91) had PE two lessons/week. Motor skills were evaluated by the Motor Skills Development as Ground for Learning observation checklist and school achievements by marks in Swedish, English, Mathematics, and PE and proportion of pupils who qualified for upper secondary school. In school year 9 there were motor skills deficits in 7% of pupils in the intervention group compared to 47% in the control group (P < 0.001), 96% of the pupils in the intervention group compared to 89% in the control group (P < 0.05) qualified for upper secondary school. The sum of evaluated marks was higher among boys in the intervention group than in the control group (P < 0.05). The sum of marks was also higher in pupils with no motor skills deficit than among pupils with motor skills deficits (P < 0.01), as was the proportion of pupils who qualified for upper secondary school (97% vs 81%, P < 0.001). Daily PE and adapted motor skills training during the compulsory school years is a feasible way to improve not only motor skills but also school performance and the proportion of pupils who qualify for upper secondary school.

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22487170


Os melhores cumprimentos,

Rui Baptista disse...

Caro Miguel Alexandre: Obrigado pela publicação. Cordiais e amigos cumprimentos.

Adelino disse...

Parabéns.
Mais uma vez a educação fisica sofre um acidente. Para o Rui, para mim e outros felizmente que se interessam pelas boas práticas físicas, bem estar e saúde,em particular nos jovens, a "vacina" que nos vão dando ainda não causou efeito.
O Governo diverte-se e enfeita-se das plumas não tenhamos ilusões, assegurando-se querer menosprezar a ausência de resultados. A onda que apanharam foi outra.
O post que escreveu traduz perfeitamente o meu pensar e a justificação do que acabo de redigir.
Enfatizo o cuidado que teve em justificar a necessidade da educação fisica não misturando outras actividades como "desporto escolar".
Será que o Srº Ministro pretende acabar com a educação física na escola públicas para aumentar o nº de alunos no privado??
























.

Rui Baptista disse...

Caro Adelino: Obrigado pelo seu comentário: Poucos ou muitos (mas pelo andar da carruagem somos já bastantes) temos o dever inalienável de estarmos a defender o presente e o futuro da juventude como outros o fizeram no passado. Em linguagem atlética, trata-se de uma passagem de testemunho. Pestalozzi (1746-1827) deixou-nos de herança: "A Natureza entega-nos a criança como um todo inseparável, como uma unidade orgânica substancial, com atitudes polifacéticas do coração, do espírito e do corpo. Ela quer decididamente que nenhuma destas atitudes permaneça num estado rudimentar. O desenvolvimento de uma delas não só vai unido inseparavelmente como o desenvolvimento da outra, como também se desenvolve cada uma destas atitudes por meio da outra e através dela".

Esta a herança honrosa que nos compete preservar. Preservemo-la pois!

Paulo Martins disse...

Olá a todos.
De momento, tenho necessidade de desabafar o seguinte: apesar de ter estado sempre presente nos assuntos da minha profissão e mais especificamente da Educação Física, ultimamente tenho assumido diversas iniciativas em resposta à desvalorização concertada para com a minha/nossa disciplina. Assim, para além da presença constante em diversas redes sociais, e do meu grupo disciplinar ter redigido uma carta ao MEC, estou a fazer uma pequena petição junto da comunidade médica contra a redução da carga horária, bem como, contactos media de divulgação do problema para a opinião pública....não peço o mesmo grau de participação para quem, como eu, não pertence aos órgãos sociais do CNAPEF nem da SPEF, mas caramba!!!
Em mais de 2000 Escolas e Instituições só foram enviadas uma dezena de cartas!!! Apetece-me citar Miguel Torga: "É um fenómeno curioso: o país ergue-se indignado, moureja o dia inteiro indignado, come, bebe e diverte-se indignado, mas não passa disto. Falta-lhe o romantismo cívico da agressão. Somos, socialmente, uma sociedade pacífica de revoltados".

Rui Ferreira disse...

O problema está, em meu entender, quando se pensa que as disciplinas concorrem entre si. Esta discussão não é de agora.
Por todo o lado lá se vai ouvindo "esta é mais importante do que aquela".
As disciplinas não concorrem umas com as outras, antes complementam-se.
Num discurso primário eu diria: para exercer a sua atividade profissional futura, o indivíduo precisa de dominar os saberes que a enforma e (não, ou) gozar de uma boa saúde.
O ser humano procura a felicidade. Não estou a ver como é que se consegue chegar a esta sem passar por tudo aquilo que a educação física nos pode dar, saúde (física, mental, socia e emocional), ética e estética.

Anónimo disse...

Na Escola Secundária de Camarate, a disciplina de Francês vai perder 45 minutos semanais nos 8.º e 9.º anos do 3.º Ciclo (Ensino Regular). A justificação apresentada pela directora é a seguinte: "Pois, no Francês há muito sucesso e não acontece o mesmo em Inglês."

Rui Baptista disse...

Paulo Martins: Quanto a isso, podemos encontrar explicação para o facto de nos esquecermos que "a união faz a força". Nesta hora, pequenos nadas que diferenciem as nossas posições individuais, ou mesmo idiossincráticas, devemos pegar nos remos e remar...mesmo contra ventos e marés! Cordiais cumprimentos,

Rui Baptista disse...

Que posso acrescentar? Apenas isto: "A qualidade principal do corpo é a saúde"(Aristóteles). A saúde na sua plenitude. Uma simples dor de dentes é suficiente para embotar o simples raciocínio...
Cordiais cumprimentos,

Rui Baptista disse...

Ai as estatísticas para o sucesso escolar!... Mas como diria Leite Pinto, ex-ministro da Educação da década de 60, salvo erro: "Há duas maneiras de mentir, uma é não dizer a verdade; outra, mentir".

Cordiais cumprimentos,

MANIFESTO PARA O ENSINO E APRENDIZAGEM EM TEMPO DE GenAI

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