Os textos que foram produzidos durante e na sequência do atelier que organizei no passado dia 17 de Junho de 2011, na Casa da Escrita em Coimbra, estão a ser reunidos neste blogue dedicado ao evento.
Num dos exercícios, e após uma mui interessante conversa com o Professor Rui Ferreira Marques, deixei o bolígrafo romper o estilo usual. O resultado é na forma de poema que a seguir se apresentam e que já foi validado (cientificamente) pelo já citado Doutor Rui Marques.
átomo ao espelho
Vejo-te.
Porque os meus olhos são sensíveis à luz que emites,
Ao fotão que lançaste ao vazio que nos separa.
Não consigo tocar-te.
Não há força que o permita!
Contudo, és exclusão permitida!
Algo expresso no Princípio de Pauli o descreve.
Disse-mo um Físico, de forma breve.
Impressiono, em vão, a imagem que tenho de ti,
Um reflexo fotónico na interface feita de átomos, talvez de prata.
Simetricamente no espaço e no tempo mimicas o que faço.
A minha vontade e a tua, coincidem
Numa incerteza intangível,
Numa vertigem aniquilável.
És a minha antimatéria visível?
És a minha sensação electrostática repulsiva?
És no instante em que te provoco o meu spin oposto?
Ou sou eu a tua matéria no reverso do universo?
És deste universo?
Vejo-te. Mas se te toco, aniquilo-me!
Quem verá, depois do nosso nada, a nossa luz?
António Piedade
quinta-feira, 30 de junho de 2011
O que é o tempo para um físico?
Apresentação de "Caminhos de Ciência"
Tudo se teria evitado
A barulheira nos jornais, o alarido nas televisões, a condenação pelas altas entidades, a má fama do Centro de Estudos Judiciais, a audiência pela Ministra da Justiça e a demissão da Diretora e, sobretudo, mais este descrédito para a Justiça - atual e futura; tudo. E até que esse sindicato contra-natura, o dos juízes, viesse culpabilizar, obviamente, o anterior Governo por este copianço num dado exame. Bastava que o professor soubesse da importância que tem a avaliação e do cuidado que deve revestir. E que é indispensável para qualquer curso ou tipo de formação; bastava, pois, que professor e alunos fizessem o que lhes competia.
Pequenas coisas da maior importância. É frequente pensar-se, mesmo entre professores, que ensinar e fazer aprender é suficiente, e que a avaliação é uma obrigação de segunda ordem, negligenciável. Já houve até “teorias” que a consideravam dispensável; não é. Faz parte do conjunto uma avaliação coerente com os objectivos a alcançar e os conteúdos a aprender. Para dar uma informação em retorno daquilo que se fez, e com garantia de rigor e igualdade de tratamento dos alunos. Se não houver uma boa avaliação, o processo fica incompleto e a formação pode tornar-se inútil ou até contraproducente. A investigação sobre avaliação educacional e pedagógica é imensa e tem proporcionado, não só formas mais rigorosas e justas de avaliar (através da docimologia, da doxologia da docimástica), mas demonstrado, também, as suas potencialidades formativas. E até a função determinante na aprendizagem e na qualidade desta, através da avaliação formativa, sobretudo pelas suas formas mais evoluídas do “assessment for learning” (avaliação para a aprendizagem).
Independentemente destes aspectos da investigação, todo a gente compreende que ao professor compete garantir, até para o seu bom-nome, rigor e justiça nas avaliações que faz. É óbvio que os alunos que copiam e que passam sem saber têm um tratamento de favor, em relação aos outros, o que é injusto. Mas, pior, introduzem vírus na sociedade e nas funções profissionais, porque passam por ter conhecimentos e competências que não têm. E pior ainda, ultrapassam muitas vezes outros mais preparados e honestos, o que é socialmente desastroso.
Ora isto acontece em muitos lados e não só no Centro de Estudos Judiciários. Mas quem vai meter na cabeça de professores deficientemente formados (ou cheios de preconceitos antipedagógicos e maus hábitos) que isto é prejudicial para todos? Quem vai ser capaz de lhes fazer perceber os desastres em cadeia que esta atitude provoca? E conseguir que muitos papás, que só querem o bem dos seus filhos, claro, deixem de pressionar os professores para os seus rebentos terem as melhores notas sem quererem saber de justiças? E quem vai agora emendar os erros que se fizeram nas mais variadas formações de professores, em institutos e escolas de toda a forma e feitio, com altíssimas classificações, e os seus diplomados a ultrapassar os de instituições cientificamente mais exigentes e de avaliações mais rigorosas e comedidas?
Como em múltiplas situações, bastava que se tivesse feito como era devido e teríamos evitado este vexame nacional. Mas como todos sabemos que há milhares de situações onde, em vez de funcionar bem, se desfunciona, por hábito, desleixo ou ignorância, vai haver mais alaridos assim? Talvez fosse um bom sinal. Se cada um começasse a funcionar como deve que salto nós não daríamos!
João Boavida
Pequenas coisas da maior importância. É frequente pensar-se, mesmo entre professores, que ensinar e fazer aprender é suficiente, e que a avaliação é uma obrigação de segunda ordem, negligenciável. Já houve até “teorias” que a consideravam dispensável; não é. Faz parte do conjunto uma avaliação coerente com os objectivos a alcançar e os conteúdos a aprender. Para dar uma informação em retorno daquilo que se fez, e com garantia de rigor e igualdade de tratamento dos alunos. Se não houver uma boa avaliação, o processo fica incompleto e a formação pode tornar-se inútil ou até contraproducente. A investigação sobre avaliação educacional e pedagógica é imensa e tem proporcionado, não só formas mais rigorosas e justas de avaliar (através da docimologia, da doxologia da docimástica), mas demonstrado, também, as suas potencialidades formativas. E até a função determinante na aprendizagem e na qualidade desta, através da avaliação formativa, sobretudo pelas suas formas mais evoluídas do “assessment for learning” (avaliação para a aprendizagem).
Independentemente destes aspectos da investigação, todo a gente compreende que ao professor compete garantir, até para o seu bom-nome, rigor e justiça nas avaliações que faz. É óbvio que os alunos que copiam e que passam sem saber têm um tratamento de favor, em relação aos outros, o que é injusto. Mas, pior, introduzem vírus na sociedade e nas funções profissionais, porque passam por ter conhecimentos e competências que não têm. E pior ainda, ultrapassam muitas vezes outros mais preparados e honestos, o que é socialmente desastroso.
Ora isto acontece em muitos lados e não só no Centro de Estudos Judiciários. Mas quem vai meter na cabeça de professores deficientemente formados (ou cheios de preconceitos antipedagógicos e maus hábitos) que isto é prejudicial para todos? Quem vai ser capaz de lhes fazer perceber os desastres em cadeia que esta atitude provoca? E conseguir que muitos papás, que só querem o bem dos seus filhos, claro, deixem de pressionar os professores para os seus rebentos terem as melhores notas sem quererem saber de justiças? E quem vai agora emendar os erros que se fizeram nas mais variadas formações de professores, em institutos e escolas de toda a forma e feitio, com altíssimas classificações, e os seus diplomados a ultrapassar os de instituições cientificamente mais exigentes e de avaliações mais rigorosas e comedidas?
Como em múltiplas situações, bastava que se tivesse feito como era devido e teríamos evitado este vexame nacional. Mas como todos sabemos que há milhares de situações onde, em vez de funcionar bem, se desfunciona, por hábito, desleixo ou ignorância, vai haver mais alaridos assim? Talvez fosse um bom sinal. Se cada um começasse a funcionar como deve que salto nós não daríamos!
João Boavida
quarta-feira, 29 de junho de 2011
UMA INADIÁVEL DIFERENÇA
Artigo de opinião publicado hoje no "Jornal das Letras" por Guilherme Valente, editor da Gradiva, :
“Se fizermos as mesmas coisas não poderemos esperar resultados diferentes.” (Albert Einstein)
Um Primeiro-ministro novo venceu o «amiguismo», esse cancro da vida política portuguesa. Uma primeira e decisiva diferença.
Nuno Crato, homem livre, uma inteligência analítica brilhante e um grande carácter, era para mim a melhor escolha para o desafio que é inadiável assumir na educação: serena e sustentadamente, fazer uma escola para a reconstrução do País. Dum País mais igual, mais justo e realizado, que, para isso, não poderá continuar a prescindir todos os anos de 40% da sua inteligência, atirada, pela anti-escola que temos tido, para a desqualificação e a ignorância, a exclusão e a miséria.
Perda essa numa pequeníssima parte atraída para o que é, na sua documentadíssima generalidade, a ilusão das «novas oportunidades», que são um expediente, em vez de serem a solução de recurso temporária que poderiam ter sido. Solução que poderão, de facto, vir a ser se forem a sério e se for travada a tragédia do sistema educativo que, não oferecendo as vias de formação com a qualidade e a dignidade que devia oferecer, todos os anos as alimenta.
Libertar o sistema de ensino da irracionalidade e da brutalidade, do obscurantismo que o afoga, refundando-o no conhecimento e na qualificação, na inteligência e na cultura -- que são a fonte da verdadeira liberdade -- na exigência, na responsabilidade e solidariedade. É este o desafio, tão gigantesco quanto empolgante, que Nuno Crato deverá ajudar o Primeiro-Ministro a vencer.
Com os professores -- como em muitas circunstâncias dissemos e escrevemos. Com os professores que é absolutamente imperativo reerguer, libertando-os da pressão burocrática, da desautorização e das humilhações com que – apesar da estatura e dos propósitos de dois ou três Ministros - a ideologia que dominou todos estes anos o Ministério da Educação quis apagar e foi apagando a sua função inestimável. Porque sem os professores no lugar que é o seu, sem o seu trabalho e empenho, sem a auto-exigência que certamente assumirão, sem a auto-confiança e o reconhecimento que os fará superarem-se, sem a sua dignidade justamente recuperada, não haverá escola, nem ensino. Eles são o plantel fechado com que Nuno Crato terá de alcançar vitórias.
Se assim se fizer, os pais, os portugueses livres e lúcidos, não deixarão de o apoiar.
Guilherme Valente
HISTÓRIA DA FÍSICA EM BLOGUE
Os trabalhos dos meus alunos da disciplina de "História da Física" no ano lectivo de 2010-2011 encontram-se no blogue "História da Física": aqui. Os artigos sobre temas de livre escolha dos estudantes cobrem toda a história da Física desde a Antiguidade até aos nossos dias. O último, de um estudante espanhol Erasmus, é um "Breve História da Física em Espanha".
terça-feira, 28 de junho de 2011
Acasos felizes – das lágrimas há noventa anos ao sorriso sete anos depois...
Post convidado da autoria de Alexandra Nobre, da Universidade do Minho:
“… às vezes encontramos aquilo de que não andamos à procura ... a natureza faz a penicilina, eu só a descobri...” Alexander Fleming
Alexander Fleming (1881-1955) foi um bacteriologista escocês amplamente conhecido pela descoberta do primeiro antibiótico, a penicilina, razão que lhe valeu o título de Cavaleiro em 1944 e pelo qual foi galardoado com o prémio Nobel da Medicina em 1945 conjuntamente com Florey e Chain, ligados à implementação da produção industrial. Aliás, este é o marco que abre as portas à engenharia de bioprocessos já que a penicilina constitui o primeiro metabolito cuja produção é feita em larga escala (nos EUA convém dizer, afinal a Europa estava em guerra). Esta descoberta, indubitavelmente uma das mais importantes da história da medicina, está envolvida numa aura de acaso e imponderabilidade que não desmerece a sagacidade e argúcia de Fleming e que se encontra bem patente nestas suas palavras “nunca negligenciem um acontecimento ou aspecto só porque é extraordinário e inesperado”. Tudo aconteceu em 1928 quando Fleming estudava culturas bacterianas de Staphylococcus aureus isoladas de feridas humanas infectadas. O seu grande mérito residiu, primeiro em não ignorar um bolor azul-esverdeado mais tarde identificado como Penicillium notatum que acidentalmente se desenvolveu nessas caixas de Petri e à volta do qual se formou uma zona circular livre de bactérias e depois, por não ter desistido do seu propósito ao ser continua e assertivamente subestimado pelos seus colegas desde a altura em que, em lágrimas, descobriu a lisozima, sete anos antes. A substância activa libertada pelo fungo e por razões óbvias, denominada penicilina, não trata todas as infecções, apresenta constrangimentos de administração dada a sua sensibilidade a pH ácido, é mesmo fatal para muitas pessoas alérgicas; no entanto, já curou milhões de doentes em todo o mundo e é, ainda hoje, considerada a maior contribuição da ciência médica para a humanidade.
E pronto. Por aqui ficávamos e o essencial estava dito. Mas “...o essencial é invisível aos olhos...” e implica ter que ver com o coração, que é como quem diz, perceber o que está por trás do que se vê, na sombra dos aparentemente grandes feitos. E por trás está um homem, ou melhor, um menino com olhos, com coração e também com uma pontaria danada para ir aos pássaros. E é esta pontaria que o faz somar pontos e o aponta para a nobreza do Prémio Nobel em meados do século XX. Como? A história começa assim...
Era uma vez um menino chamado Alexander Fleming que nasceu em Ayrshire, num ambiente rural, criado em atmosfera de parcimónia no seio de uma família numerosa, sendo o sétimo de oito irmãos e meios-irmãos com quem passava grande parte do tempo saltando regatos e correndo pelos campos com uma fisga no bolso. Quando com 20 anos foi para Londres estudar, já a sua pontaria tinha aperfeiçoado na razão directa das aves que tinha aviado, que é como quem diz, dos pássaros que por sua causa tinham “ido à vida”. E sabe Deus quantos eram! Habituado a fazer contas e a pesar as despesas, não lhe pareceu má ideia dar ouvidos ao conselho do irmão mais velho e seguir-lhe os passos, passos estes que o levaram a cursar medicina no Hospital St. Mary. Um feliz acaso que veio a ditar uma boa fortuna...
Na Universidade segue o seu percurso de modo escorreito e brilhante-quanto-baste em termos académicos e esbanjando brilhantismo em termos desportivos, já que a respectiva equipa de tiro nunca mais perdeu uma prova entre pares desde que Fleming, exímio atirador, passou a fazer parte dela. Após conclusão da especialidade de cirurgia e não tendo lugar como clínico no mesmo hospital, adivinhava-se já a procura de emprego por outros lados quando foi convidado pelo director do laboratório de Bacteriologia e, simultaneamente chefe da equipa desportiva supracitada, não de modo desinteressado convenhamos, a permanecer como investigador entre microscópios, bicos de Bunsen e placas de Petri. Mais um feliz acaso na vida de Fleming...
Mais tarde, enquanto cirurgião militar em hospitais de campanha durante a Primeira Grande Guerra, Fleming inova uma série de tratamentos e confirma a urgência em anti-sépticos, por um lado inócuos do ponto de vista histológico e imunitário ao contrário dos que se conheciam da altura, e por outro, tão eficientes que evitassem a infecção das feridas e a sua evolução em gangrena. Na verdade, era impressionante como os estilhaços das granadas podiam decepar membros e dilacerar tecidos não levando a vida dos soldados atingidos, mas, em contrapartida, esta era incapaz de resistir à acção das minúsculas bactérias que dominavam a situação horas ou dias depois. Em 1921, exactamente 40 anos após ter vertido as suas primeiras, Fleming detecta nas lágrimas (diz-se que fruto de um espirro incontrolado, mas já me parece acaso a mais) a presença de uma proteína com propriedades anti-bacterianas a que deu o nome de lisozima e que lhe valeu a publicação de diversos trabalhos. Esta enzima capaz de lisar a parede bacteriana, está presente em ambientes tão diversos como os vários fluidos corporais e a clara de ovo e constitui uma estratégia de defesa dos organismos a ataques externos. No entanto, não há bela sem senão e a par do carácter quase ubíquo, a sua especificidade é baixa e a eficiência diminuta. Não se constituía portanto como alternativa viável aos anti-sépticos conhecidos...
Acredito que Fleming tenha pautado a sua vida por lemas como “cada acaso não ignorado constitui uma nova oportunidade de sucesso” ou “nada é por acaso” e foram eles que, mesmo após a descoberta da penicilina (saltamos esta parte, o texto vai longo e todos sabemos como foi) ainda hoje o antibiótico mais usado mundialmente, o levaram a procurar incessantemente novas substâncias, a escrever inúmeros artigos científicos de referência em áreas como bacteriologia, imunologia, quimioterapia e a doar qualquer prémio obtido em prol da investigação médica.
Fleming foi membro do Royal College of Surgeons (1909) e do Royal College of Physicians (1944), foi distinguido com inúmeros prémios como a Medalha de Mérito de USA (1947) e a Grande Cruz de Afonso X de Espanha (1948) e trabalhou sempre no mesmo laboratório do Hospital St. Mary, hoje Museu Fleming, até à sua morte repentina de ataque cardíaco em 1955, sendo enterrado como herói nacional na cripta da Catedral de São Paulo, em Londres. Genial! Não foi por acaso...
Alexandra Nobre
Foto amavelmente cedida por Kevin Brown, curador do Alexander Fleming Laboratory Museum e autor do livro “Penicillin Man: Alexander Fleming and the Antibiotic Revolution”
Como conhecer o céu — O Céu do Verão
Informação recebida no De Rerum Natura:
Palestra "Como conhecer o céu — O Céu do Verão", no Planetário Gulbenkian, por Guilherme de Almeida
No próximo dia 15 de Julho (uma sexta-feira), pelas 21:30, Guilherme de Almeida fará uma nova palestra especial. É totalmente diferente das sessões habituais do Planetário. A entrada é livre (grátis) e estão desde já todos convidados a comparecer.
Resumo:
Métodos e técnicas para identificar as constelações e reconhecer, pelos seus nomes, as principais estrelas do céu nocturno. Aplicação e exemplificação directa do método, na magnífica cúpula estrelada do Planetário Calouste Gulbenkian - Centro Ciência Viva. Serão mostradas e aplicadas as técnicas referidas, relativamente ao céu desta estação do ano.
Destinatários:
Todas as pessoas que sempre sonharam conhecer o céu e identificar estrelas e constelações com eficácia e segurança. Ou que desejam ampliar esses conhecimentos.
Duração aproximada: 50 min.
Local:
O Planetário Gulbenkian - Centro Ciência Viva, fica em Belém, em frente do Centro Cultural de Belém. Há lugar para 330 pessoas confortavelmente sentadas.
CIÊNCIA RECREATIVA EM AVEIRO
Onde o céu encontra a Terra
Divulgamos um interessante artigo de Guilherme de Almeida, professor aposentado de Física, sobre a linha do horizonte, que está incluído nos recursos do Centro Ciência Viva Rómulo de Carvalho: aqui.
Resumo:
A imensidão dos grandes espaços abertos faz-nos pensar que o horizonte está muito longe: a várias dezenas de quilómetros, para algumas pessoas, mais longe ainda para outras. Neste artigo mostra-se que não é assim e dão-se indicações para calcular a distância até essa linha "onde o mar e o céu se tocam", utilizando conceitos geométricos simples.
"IN MEMORIAM" DE ÁLVARO DA SILVEIRA
“Já que mais não mereceu / minha estrela, / só a tristeza conheço, / pois que para mim nasceu / e eu para ela” (Luís de Camões, 1524-1580).
Numa altura em que mais necessárias são as palavras expressivas como um dom que Deus nos possa ou não ter concedido, mais elas me falecem para descrever e mitigar o desgosto que me trouxe o falecimento de alguém que em vida me marcou pelo seu valioso contributo para a dignificação de uma profissão de que se não fez mercenário com aulas vendidas a metro e pagas ao minuto. Tive a honra de conhecer o Dr. Álvaro da Silveira (poucas vezes, a norma cortês de se tratar o licenciado por doutor teve tamanho e honroso cabimento), ilustre e competente professor do “papão” da Matemática, aquando da minha chegada a Coimbra, em 1975, onde fui colocado no então Liceu D. João III, que, nesses tempos revolucionários, crismaram de Escola Secundária de José Falcão.
A sua estatura meã - ele não precisava da imponência de um físico de atleta para se impor aos alunos - era um dos seus traços marcantes numa altura em que disciplina se podia comparar a folhas outonais caídas no chão e varridas por diligentes serviços camarários. Não poucas vezes, servia-se dos intervalos entre as aulas para desfazer dúvidas dos alunos mais atrasados na matéria, recusando fazê-lo, quantas vezes com grande sacrifício parental, em explicações pagas a peso de ouro, na crença, então justificada, de que os diplomas escolares eram um "abre-te Sésamo" para o mundo de um trabalho melhor remunerado.
Uma sociedade madrasta para uns e madrinha para outros nunca teve em devida conta um passado de sã camaradagem docente e prestação de bons serviços como reitor do Liceu D. Duarte. Pelo contrário, foi vítima da ingratidão de antigos colegas que lhe viraram as costas com a amargura que isso lhe pesou nos seus frágeis ombros que os anos começavam a encurvar assim como as artroses dos joelhos a dificultar a marcha.
Álvaro da Silveira (por vezes tratado, com carinho, pelos colegas por Silveirinha) foi uma das primeiras vitimas de um Estatuto da Carreira Docente que enjeitou os professores mais habilitados e pôs ao colo os professores de menor estudos. Por uma questão de escassos dias, constantes do bilhete de identidade, não teve o mais que merecido acesso ao escalão máximo da carreira docente (10.º escalão), quedando-se pelo 9.º escalão, escalão máximo para antigos professores com o curso das ex-Escolas do Magistério Primário em espúria companhia com uma sua vizinha com esta mesma habilitação. Os desgostos podem não matar, mas lá que moem, moem.
A sua aposentadoria aos 70 anos de idade (período máximo concedido por lei) foi um verdadeiro calvário para uma cruz de injustiça que só terminou com o seu falecimento, cuja notícia acaba de me apanhar de chofre e em desgostosa surpresa. No lugar dos justos, merecido em vida, pouco mais me resta do que dizer-lhe: Repouse na paz que a vida lhe não concedeu, meu querido e saudoso Amigo.
segunda-feira, 27 de junho de 2011
O REGRESSO DA POLÉMICA SOBRE O EXAME DE ACESSO À DOCÊNCIA (2)
“A resignação passiva, por ensurdecimento progressivo do ser, é o falhanço completo e sem remédio” (Sophia de Mello Breyner).
2. Numa altura em que os candidatos à docência excedem em muito a procura do mercado, uma notícia da Lusa (24/01/2009) diz-nos que “a Fenprof rejeitou hoje que os professores sejam obrigados a realizar um exame de ingresso na carreira por considerar este exame ‘injusto e sem sentido’. Em contrapartida, Jorge Pedreira, secretário de estado adjunto da Educação, vê nesta medida a garantia de que a formação ministrada aos que se desejam candidatar à docência se rodeie de’padrões de qualidade exigível que se não verificam em estabelecimentos de ensino superior privados em que ’existem ‘indícios’ de facilitismo e eventual inflação nas notas. A título de exemplo, referenciou a Escola Superior de Educação Jean Piaget e o Instituto Superior de Ciências Educativas responsáveis, segundo ele, pela formação de ‘um terço de todos os professores admitidos no sistema nos últimos dez anos’.(…) Mas esta discussão sobre o exame de acesso à docência vem de longe e não se circunscreve às escolas mencionadas. Anos atrás, escrevi em artigo de opinião num jornal ("Correio da Manhã", 05/05/92). de que era colaborador: ‘O Estado com um orçamento insuficiente para satisfazer a massa estudantil que procura as universidades estatais viu-se obrigado a delegar parte dessa incumbência em instituições privadas que, tendo em vista o lucro fácil, não se preocupam com o ensino que ministram (“O exame de acesso à carreira docente”, "De Rerum Natura", 28/01/2009).
3. “Em finais de 2007 lia-se na imprensa uma notícia intitulada ‘A vice-reitora da Universidade de Coimbra defende exame para acesso à docência’. De forma institucional ficou-se a saber que Cristina Robalo Cordeiro, pois é dela que se trata, subscreveu um parecer suportado em três princípios: ‘qualidade de ensino e equidade de acesso à profissão docente; exigência acrescida para uma competitividade a nível europeu; e reconhecimento de que nunca a pedagogia consegue que um professor ensine aquilo que não sabe’. Vivia-se então o tempo, que se perpetua em nossos dias, de alunos diplomados pelas escolas superiores de educação passarem à frente dos alunos saídos das faculdades nos concursos para professores do 2.º ciclo do ensino básico, através da classificação do respectivo diploma escolar. Desta forma, um escasso valor superiorizava-se (e superioriza-se) à maior complexidade de currículos, duração de anos de estudos e maior classificação de acesso trazida do ensino do 12.º ano do ensino secundário por parte dos docentes oriundos do ensino universitário. Dias atrás, em post publicado neste blogue, num comunicado da Fenprof’ (31/10/2009), deixei o seguinte post-scriptum: Um outro ponto do comunicado da Fenprof merece uma análise aprofundada que ficará para outra altura. Refiro-me a uma outra exigência sindical: ‘A extinção da espúria prova de ingresso na profissão docente e respeito pelas qualificações dos docentes e pela autonomia das escolas na verificação das condições para o exercício da profissão’. (…) A necessidade de exigência na formação dos docentes foi posta em evidência numa intervenção de Luís Reis Torgal, professor catedrático da Faculdade de Letras de Coimbra que, num debate promovido pela Associação Académica de Coimbra, em 19 de Fevereiro de 2003, se insurgia já contra a formação de professores para o 2.º ciclo do ensino básico a cargo simultâneo das faculdades e das escolas superiores de educação. Mereceu, ainda, crítica o verdadeiro escândalo da atribuição do grau de licenciado a diplomados pelas antigas escolas do magistério primário, após a frequência de um curso de complemento de habilitações em escolas privadas de duvidosa credibilidade que ministram cursos de escassa duração e pouca confiança (“Novamente o exame de acesso à carreira docente”," De Rerum Natura", 06/11/2009)”.
Toda a medalha tem verso e anverso. O mesmo sucede com as posições aqui deixadas de Ana Benavente, de figuras de peso no mundo da educação, e da Fenprof para além de interpretações pessoais minhas, com a convicção de as não ter feito “de pena ao vento”, como aconselhava Eça. Ou seja, em minha opinião, as orientações de Ana Benavente não trouxeram (utilizando palavras suas) “melhores aprendizagens para todos os jovens faces ao desafios do mundo actual”. Avoco em defesa desta minha asserção a opinião do próprio António Guterres, sendo na altura Ana Benavente secretária de Estado da Educação de um governo por si presidido: “De repente, perante a obstinação dos que teimaram em não acreditar na realidade, o Portugal novo-rico tornou-se no Portugal novo-pobre. Pobre, porque pobre na qualificação das pessoas. Aí estão a comprová-lo os números terríveis do Estudo Nacional de Literacia, recentemente publicado” Verdade seja dita que de lá para cá nenhuma melhoria houve no sistema educativo português. Segundo um relatório da “Caritas Europeia” (Jornal da SIC, 08/02/2002), “um em cada dois portugueses não percebe o que lê”.
Como nos ensina a expressão latina “errare humanum est”. Mas persistir anos a fio no mesmo erro será humano e desculpável? Eis a questão.
2. Numa altura em que os candidatos à docência excedem em muito a procura do mercado, uma notícia da Lusa (24/01/2009) diz-nos que “a Fenprof rejeitou hoje que os professores sejam obrigados a realizar um exame de ingresso na carreira por considerar este exame ‘injusto e sem sentido’. Em contrapartida, Jorge Pedreira, secretário de estado adjunto da Educação, vê nesta medida a garantia de que a formação ministrada aos que se desejam candidatar à docência se rodeie de’padrões de qualidade exigível que se não verificam em estabelecimentos de ensino superior privados em que ’existem ‘indícios’ de facilitismo e eventual inflação nas notas. A título de exemplo, referenciou a Escola Superior de Educação Jean Piaget e o Instituto Superior de Ciências Educativas responsáveis, segundo ele, pela formação de ‘um terço de todos os professores admitidos no sistema nos últimos dez anos’.(…) Mas esta discussão sobre o exame de acesso à docência vem de longe e não se circunscreve às escolas mencionadas. Anos atrás, escrevi em artigo de opinião num jornal ("Correio da Manhã", 05/05/92). de que era colaborador: ‘O Estado com um orçamento insuficiente para satisfazer a massa estudantil que procura as universidades estatais viu-se obrigado a delegar parte dessa incumbência em instituições privadas que, tendo em vista o lucro fácil, não se preocupam com o ensino que ministram (“O exame de acesso à carreira docente”, "De Rerum Natura", 28/01/2009).
3. “Em finais de 2007 lia-se na imprensa uma notícia intitulada ‘A vice-reitora da Universidade de Coimbra defende exame para acesso à docência’. De forma institucional ficou-se a saber que Cristina Robalo Cordeiro, pois é dela que se trata, subscreveu um parecer suportado em três princípios: ‘qualidade de ensino e equidade de acesso à profissão docente; exigência acrescida para uma competitividade a nível europeu; e reconhecimento de que nunca a pedagogia consegue que um professor ensine aquilo que não sabe’. Vivia-se então o tempo, que se perpetua em nossos dias, de alunos diplomados pelas escolas superiores de educação passarem à frente dos alunos saídos das faculdades nos concursos para professores do 2.º ciclo do ensino básico, através da classificação do respectivo diploma escolar. Desta forma, um escasso valor superiorizava-se (e superioriza-se) à maior complexidade de currículos, duração de anos de estudos e maior classificação de acesso trazida do ensino do 12.º ano do ensino secundário por parte dos docentes oriundos do ensino universitário. Dias atrás, em post publicado neste blogue, num comunicado da Fenprof’ (31/10/2009), deixei o seguinte post-scriptum: Um outro ponto do comunicado da Fenprof merece uma análise aprofundada que ficará para outra altura. Refiro-me a uma outra exigência sindical: ‘A extinção da espúria prova de ingresso na profissão docente e respeito pelas qualificações dos docentes e pela autonomia das escolas na verificação das condições para o exercício da profissão’. (…) A necessidade de exigência na formação dos docentes foi posta em evidência numa intervenção de Luís Reis Torgal, professor catedrático da Faculdade de Letras de Coimbra que, num debate promovido pela Associação Académica de Coimbra, em 19 de Fevereiro de 2003, se insurgia já contra a formação de professores para o 2.º ciclo do ensino básico a cargo simultâneo das faculdades e das escolas superiores de educação. Mereceu, ainda, crítica o verdadeiro escândalo da atribuição do grau de licenciado a diplomados pelas antigas escolas do magistério primário, após a frequência de um curso de complemento de habilitações em escolas privadas de duvidosa credibilidade que ministram cursos de escassa duração e pouca confiança (“Novamente o exame de acesso à carreira docente”," De Rerum Natura", 06/11/2009)”.
Toda a medalha tem verso e anverso. O mesmo sucede com as posições aqui deixadas de Ana Benavente, de figuras de peso no mundo da educação, e da Fenprof para além de interpretações pessoais minhas, com a convicção de as não ter feito “de pena ao vento”, como aconselhava Eça. Ou seja, em minha opinião, as orientações de Ana Benavente não trouxeram (utilizando palavras suas) “melhores aprendizagens para todos os jovens faces ao desafios do mundo actual”. Avoco em defesa desta minha asserção a opinião do próprio António Guterres, sendo na altura Ana Benavente secretária de Estado da Educação de um governo por si presidido: “De repente, perante a obstinação dos que teimaram em não acreditar na realidade, o Portugal novo-rico tornou-se no Portugal novo-pobre. Pobre, porque pobre na qualificação das pessoas. Aí estão a comprová-lo os números terríveis do Estudo Nacional de Literacia, recentemente publicado” Verdade seja dita que de lá para cá nenhuma melhoria houve no sistema educativo português. Segundo um relatório da “Caritas Europeia” (Jornal da SIC, 08/02/2002), “um em cada dois portugueses não percebe o que lê”.
Como nos ensina a expressão latina “errare humanum est”. Mas persistir anos a fio no mesmo erro será humano e desculpável? Eis a questão.
O REGRESSO DA POLÉMICA SOBRE O EXAME DE ACESSO À DOCÊNCIA (1)
“Para ensinar há uma formalidade a cumprir, saber” (Eça de Queiroz, 1845-1900).
Escreveu Carl Gustav Jung: “Sou eu próprio uma questão colocada ao mundo e devo fornecer a minha resposta; caso contrário estarei reduzido à resposta que o mundo me der.” Julgo ter sido esta uma razão que levou Ana Benavente, antiga secretária de Estado da Educação de um governo socialista, feroz adversária do exame de acesso à carreira docente e pertinaz defensora da capacidade de as escolas superiores de educação ministrarem cursos de docência para além do 2.º ciclo do básico, a formular a Nuno Crato, recém-empossado ministro da Educação, a seguinte pergunta: “Tem afirmado publicamente a sua concepção de uma Escola centrada em três pilares: Exames (muitos), que servirão para avaliar alunos e professores, conteúdos disciplinares estritos e prova de entrada na profissão docente. Como garante que tais orientações trarão melhores aprendizagens para todos os jovens face aos desafios do mundo actual?” ("Público", 26/06/2011).
Num país em que “a mediocridade é a lei “ (António Lobo Antunes), vem esta polémica à baila porque é preciso atenuar os efeitos perversos do acesso à docência baseado na nota de diploma de formatura, sem ter em conta a forma aleatória de que ela se reveste para os respectivos candidatos, com origem universitária ou politécnica, em escolas de desigual exigência no que respeita aos diplomas outorgados. Remar contra a maré tem os seus custos, pois, como escreveu Herculano, a polémica é da própria condição humana: “Das definições possíveis do homem, uma só é verdadeiras: “o homem é o animal que disputa”.
Causa sempre frisson, em muito boas almas, a necessidade de uma prova de ingresso ao ensino não superior, no esquecimento de que, como li algures, quem não mede não se preocupa com as coisas. Sobre esta questão (como aliás em muitas outras) diria, como Cesar Cantu: “não mudei de sentimentos conforme as ocasiões e não namorei a popularidade, renegando a própria consciência”.
Como o leitor já deve ter reparado, é meu hábito recorrer a adágios. Ora, como nos ensina a voz do povo, “palavras leva-as o vento”, mas, em contrapartida, o que está escrito, escrito fica. Desta forma, com o aval documental constante de um acervo de posts publicados neste blogue, faço uma síntese cronológica de uns tantos excertos de prosa minha sobre este tema com a convicção de que discutir ideias é a melhor forma de estar ao serviço da democracia. Assim:
1. “A formação dos futuros professores deixa muito a desejar. Segundo notícia do “Expresso” (9.Fev.2008), intitulado “Erros nas universidades”, 'os alunos mais responsáveis da Faculdade de Letras de Lisboa queixam-se de que os “maus tratos do Português chegam ao corredor da universidade. Temos colegas que dizem ‘púzio’ (em vez de ‘pu-lo’(…). ‘Fizestes’, ou ‘dizestes’, em vez de ‘disseste’ ou’ fizeste’, ‘derivado a…’ ou ‘ténhamos’ são mais alguns exemplos do que os estudantes escutam a toda a hora”'. Se é assim que falam, difícil não me parece descortinar erros de palmatória no que concerne a textos seus manuscritos numa sociedade em que os correctores de texto dos computadores “escrevem” pelo autor.(…) Saudosos tempos nos separam da época de ouro de Eça que referindo-se, salvo erro, a Pinheiro Chagas, o retratou como 'um homem simples sem ambições excepto saber e tendo como único receio o erro”' No entanto, o testemunho dado pelos actuais alunos da Faculdade de Letras fazem renascer a esperança numa juventude capaz de si criticar a si própria, verdadeiro oásis num deserto cultural generalizado. Embora comungue da opinião de que há um limite em que a tolerância deixa de ser uma virtude, hesitei, mesmo assim, em escrever este texto com respaldo em prosa queirosiana: ‘Achais estas páginas cruéis? Pensais que não nos dói tanto escrevê-las como vos dói lê-las?’” (“O Acesso à Carreira docente”, "De Rerum Natura", 15/02/2008).
(CONTINUA)
Escreveu Carl Gustav Jung: “Sou eu próprio uma questão colocada ao mundo e devo fornecer a minha resposta; caso contrário estarei reduzido à resposta que o mundo me der.” Julgo ter sido esta uma razão que levou Ana Benavente, antiga secretária de Estado da Educação de um governo socialista, feroz adversária do exame de acesso à carreira docente e pertinaz defensora da capacidade de as escolas superiores de educação ministrarem cursos de docência para além do 2.º ciclo do básico, a formular a Nuno Crato, recém-empossado ministro da Educação, a seguinte pergunta: “Tem afirmado publicamente a sua concepção de uma Escola centrada em três pilares: Exames (muitos), que servirão para avaliar alunos e professores, conteúdos disciplinares estritos e prova de entrada na profissão docente. Como garante que tais orientações trarão melhores aprendizagens para todos os jovens face aos desafios do mundo actual?” ("Público", 26/06/2011).
Num país em que “a mediocridade é a lei “ (António Lobo Antunes), vem esta polémica à baila porque é preciso atenuar os efeitos perversos do acesso à docência baseado na nota de diploma de formatura, sem ter em conta a forma aleatória de que ela se reveste para os respectivos candidatos, com origem universitária ou politécnica, em escolas de desigual exigência no que respeita aos diplomas outorgados. Remar contra a maré tem os seus custos, pois, como escreveu Herculano, a polémica é da própria condição humana: “Das definições possíveis do homem, uma só é verdadeiras: “o homem é o animal que disputa”.
Causa sempre frisson, em muito boas almas, a necessidade de uma prova de ingresso ao ensino não superior, no esquecimento de que, como li algures, quem não mede não se preocupa com as coisas. Sobre esta questão (como aliás em muitas outras) diria, como Cesar Cantu: “não mudei de sentimentos conforme as ocasiões e não namorei a popularidade, renegando a própria consciência”.
Como o leitor já deve ter reparado, é meu hábito recorrer a adágios. Ora, como nos ensina a voz do povo, “palavras leva-as o vento”, mas, em contrapartida, o que está escrito, escrito fica. Desta forma, com o aval documental constante de um acervo de posts publicados neste blogue, faço uma síntese cronológica de uns tantos excertos de prosa minha sobre este tema com a convicção de que discutir ideias é a melhor forma de estar ao serviço da democracia. Assim:
1. “A formação dos futuros professores deixa muito a desejar. Segundo notícia do “Expresso” (9.Fev.2008), intitulado “Erros nas universidades”, 'os alunos mais responsáveis da Faculdade de Letras de Lisboa queixam-se de que os “maus tratos do Português chegam ao corredor da universidade. Temos colegas que dizem ‘púzio’ (em vez de ‘pu-lo’(…). ‘Fizestes’, ou ‘dizestes’, em vez de ‘disseste’ ou’ fizeste’, ‘derivado a…’ ou ‘ténhamos’ são mais alguns exemplos do que os estudantes escutam a toda a hora”'. Se é assim que falam, difícil não me parece descortinar erros de palmatória no que concerne a textos seus manuscritos numa sociedade em que os correctores de texto dos computadores “escrevem” pelo autor.(…) Saudosos tempos nos separam da época de ouro de Eça que referindo-se, salvo erro, a Pinheiro Chagas, o retratou como 'um homem simples sem ambições excepto saber e tendo como único receio o erro”' No entanto, o testemunho dado pelos actuais alunos da Faculdade de Letras fazem renascer a esperança numa juventude capaz de si criticar a si própria, verdadeiro oásis num deserto cultural generalizado. Embora comungue da opinião de que há um limite em que a tolerância deixa de ser uma virtude, hesitei, mesmo assim, em escrever este texto com respaldo em prosa queirosiana: ‘Achais estas páginas cruéis? Pensais que não nos dói tanto escrevê-las como vos dói lê-las?’” (“O Acesso à Carreira docente”, "De Rerum Natura", 15/02/2008).
(CONTINUA)
domingo, 26 de junho de 2011
Parabéns Estação Ciência da USP pelos seus 24 anos de serviços prestados a sociedade!
A história da Estação Ciência faz parte de um movimento pela preservação de prédios históricos de São Paulo. Construídos no início do século para abrigar uma tecelagem, os galpões da rua Guaicurus, que hoje abrigam a Estação Ciência, quase foram destruídos por um grande incêndio em 1936. Reconstruídos logo depois, foram utilizados como posto de sementes da Secretaria da Agricultura do Estado e também utilizados por outros órgãos do Governo, até a década de 70. Em 1985, durante as discussões sobre o projeto do Terminal Rodoviário da Lapa, comerciantes e líderes comunitários da Lapa pleiteavam a conservação dos galpões da Rua Guaicurus, vizinhos à Estação Ferroviária da Lapa (FEPASA). Arquitetos, artistas e engenheiros criaram a Comissão de Preservação e Utilização dos Galpões. Alegavam o valor histórico dos galpões, nos quais a fábrica têxtil forneceu oportunidades de trabalho à colônia italiana instalada na região e aos trabalhadores em geral. No final deste mesmo ano, o CONDEPHAAT iniciou estudos para tombamento destes galpões de arquitetura industrial típica do início do século, vetando demolição ou qualquer alteração na estrutura do prédio. Em 19 de dezembro de 1986, através do Decreto n. 26.492, o Governo do Estado cedeu o uso de parte do imóvel ao CNPq para a instalação do Centro de Ciência para a Juventude. Destinou para isso seis módulos, com área total de 1915 m2. Em 24 de junho de 1987 foi inaugurada a Estação Ciência. O publicitário Washington Olivetto criou graciosamente o nome e o primeiro logotipo da Estação Ciência. O termo Estação proporciona viagens ao mundo do conhecimento científico, conhecimento este que precisa ser alimentado sempre com novas pesquisas. Porque liga passado e futuro, educação e diversão. Porque está perto de estações ferroviárias e do metrô. Em entendimentos posteriores, o Governo cedeu mais três módulos do edifício e finalmente os restantes, já na administração da Estação Ciência pela USP, que se deu a partir de 1990.
Veja abaixo entrevista concedida o ano passado ao programa Salto para o Futuro sobre os objetivos da Estação Ciência:
Veja abaixo entrevista concedida o ano passado ao programa Salto para o Futuro sobre os objetivos da Estação Ciência:
sábado, 25 de junho de 2011
MILIA PASSUUM - A MILHA ROMANA
Crónica publicada no Boas Notícias elaborada a partir de um exercício no 1º Atelier de Escrita em Comunicação de Ciência, que teve lugar na Casa da Escrita, em Coimbra, no passado dia 21 de Junho.
Qual a distância que um centurião romano percorria ao fim de mil passos? Uma milha romana, a primeira medida unitária para longas distâncias.
A quanto é que uma milha romana equivale em metros?
Não sabemos ao certo! É que o metro é uma medida padrão e o nosso bom senso “diz-nos” que uma passada de um centurião deveria variar consoante a altura das suas pernas e da propulsão dada pelo avanço de cada perna.
De facto, os milia passuum (mil passos) deste militar romano percorreriam uma distância que lhe era característica. Até porque os mil passos a que refere a milha romana não eram os de um só homem, o centurião, a marchar, mas do conjunto de cem soldados (a centúria), que ele comandava e que marchavam atrás dele. A propósito, acrescente-se que uma centúria era uma formação militar constituída por dez filas de dez soldados formando um quadrado.
Este quadrado militar avançava então em ritmo de marcha e comandada pelo centurião que marca o compasso. De certa forma, a distância percorrida dependia da velocidade da marcha, do ritmo do passo. O que sugere que uma milha romana não só indicava uma distância percorrida após mil passos mas também o intervalo de tempo necessário para os cumprir.
Este raciocínio transporta-nos para a ideia de que uma milha romana seria, na realidade útil, mais a medida da velocidade do centurião a marchar, do que só uma medida de uma distância. Ao dizer que precisavam de marchar, por exemplo, dez milhas, o centurião não só indicava a distância a que se encontrava de um eventual alvo, mas também o tempo que demoraria a conduzir os seus cem soldados até ele.
Mas voltemos à questão da conversão possível para o “nosso” metro padrão até para podermos precisar a variabilidade da milha romana. Isto é relevante também para a importância do erro aplicado a escalas com grandezas diferentes. Vamos a seguir concretizar este problema.
Uma passada em marcha de três centuriões diferentes poderia diferir em poucos centímetros.
Suponhamos uma diferença média de 15 centímetros entre as passadas de cada um dos centuriões. Esta diferença pode não parecer muito crítica numa única passada, por exemplo de 1,5 metros: 10% de variação média. Mas essa diferença de 15 centímetros seria suficiente para que os 3 centuriões percorressem distâncias substancialmente diferentes ao fim dos seus mil passos, se marchassem com uma velocidade igual: 1350 metros, 1500 metros e 1650 metros!
Noutra perspectiva, para que percorressem a mesma distância depois de mil passos, os três centuriões no exemplo anterior teriam de marchar a velocidades diferentes. Ou seja, gastariam períodos de tempo diferentes para percorrer uma milha romana.
Mas a história deixou-nos registos sobre a diferença entre a marcha dos centuriões.
De facto, há indicações arqueológicas que balizam na história a milha romana entre os 1481 e os 1580 metros. Ou seja, 99 metros de diferença! Outro dado arqueológico que se encontra hoje no Museu Nacional Machado de Castro, em Coimbra, mostra que quatro milhas romanas são iguais a 5920 metros. Segundo esta prova, baseada na distância de um marco viário, com a indicação “IIII” e encontrado àquela distância métrica de Aeminium (designação romana da povoação que deu origem a Coimbra), uma milha romana equivale a 1480 metros.
Uma outra fonte indica-nos que uma milha romana equivalia a 5000 pés romanos. Isto garante-nos, pelo menos, que os pés dos inúmeros centuriões romanos não tinham todos o mesmo tamanho!
E a milha americana? Isso é uma outra história, também imperial, mas inglesa.
António Piedade
Qual a distância que um centurião romano percorria ao fim de mil passos? Uma milha romana, a primeira medida unitária para longas distâncias.
A quanto é que uma milha romana equivale em metros?
Não sabemos ao certo! É que o metro é uma medida padrão e o nosso bom senso “diz-nos” que uma passada de um centurião deveria variar consoante a altura das suas pernas e da propulsão dada pelo avanço de cada perna.
De facto, os milia passuum (mil passos) deste militar romano percorreriam uma distância que lhe era característica. Até porque os mil passos a que refere a milha romana não eram os de um só homem, o centurião, a marchar, mas do conjunto de cem soldados (a centúria), que ele comandava e que marchavam atrás dele. A propósito, acrescente-se que uma centúria era uma formação militar constituída por dez filas de dez soldados formando um quadrado.
Este quadrado militar avançava então em ritmo de marcha e comandada pelo centurião que marca o compasso. De certa forma, a distância percorrida dependia da velocidade da marcha, do ritmo do passo. O que sugere que uma milha romana não só indicava uma distância percorrida após mil passos mas também o intervalo de tempo necessário para os cumprir.
Este raciocínio transporta-nos para a ideia de que uma milha romana seria, na realidade útil, mais a medida da velocidade do centurião a marchar, do que só uma medida de uma distância. Ao dizer que precisavam de marchar, por exemplo, dez milhas, o centurião não só indicava a distância a que se encontrava de um eventual alvo, mas também o tempo que demoraria a conduzir os seus cem soldados até ele.
Mas voltemos à questão da conversão possível para o “nosso” metro padrão até para podermos precisar a variabilidade da milha romana. Isto é relevante também para a importância do erro aplicado a escalas com grandezas diferentes. Vamos a seguir concretizar este problema.
Uma passada em marcha de três centuriões diferentes poderia diferir em poucos centímetros.
Suponhamos uma diferença média de 15 centímetros entre as passadas de cada um dos centuriões. Esta diferença pode não parecer muito crítica numa única passada, por exemplo de 1,5 metros: 10% de variação média. Mas essa diferença de 15 centímetros seria suficiente para que os 3 centuriões percorressem distâncias substancialmente diferentes ao fim dos seus mil passos, se marchassem com uma velocidade igual: 1350 metros, 1500 metros e 1650 metros!
Noutra perspectiva, para que percorressem a mesma distância depois de mil passos, os três centuriões no exemplo anterior teriam de marchar a velocidades diferentes. Ou seja, gastariam períodos de tempo diferentes para percorrer uma milha romana.
Mas a história deixou-nos registos sobre a diferença entre a marcha dos centuriões.
De facto, há indicações arqueológicas que balizam na história a milha romana entre os 1481 e os 1580 metros. Ou seja, 99 metros de diferença! Outro dado arqueológico que se encontra hoje no Museu Nacional Machado de Castro, em Coimbra, mostra que quatro milhas romanas são iguais a 5920 metros. Segundo esta prova, baseada na distância de um marco viário, com a indicação “IIII” e encontrado àquela distância métrica de Aeminium (designação romana da povoação que deu origem a Coimbra), uma milha romana equivale a 1480 metros.
Uma outra fonte indica-nos que uma milha romana equivalia a 5000 pés romanos. Isto garante-nos, pelo menos, que os pés dos inúmeros centuriões romanos não tinham todos o mesmo tamanho!
E a milha americana? Isso é uma outra história, também imperial, mas inglesa.
António Piedade
REGRESSO A JUNQUEIRO (2)
(Continuação)
"David Mourão-Ferreira, no seu hoje já clássico artigo sobre António Sérgio, como crítico literário, mostrou galhardamente como era fina a perscrutação estética do autor dos Ensaios, cuja leitura de Camões – agarrado mais ao texto do que à biografia – é um modelo de inteligência e sensibilidade. E quem pode esquecer as páginas admiráveis que dedicou ao estilo de Eça? (Disse: “ao estilo” e não à análise social e política que se contém nos livros do grande escritor realista.)
Não fica mal, creio eu, juntar ao impressionante acervo de testemunhos que este livro recolhe, dedicados à revisita da musa junqueiriana, algumas passagens do primeiro dos textos acima citados. Régio começa por observar: “Quando, a propósito de Junqueiro, se fala em retórica, é sempre no significado depreciativo atribuído ao termo. Ora bem: Aqui principia a nossa questão. Nenhum significado depreciativo implica em si o termo retórica. Retóricos são todos os literatos, pois é da sua arte sê-lo. Grandes retóricos são todos os grandes poetas: Camões ou Bocage, por exemplo, Teixeira de Pascoais ou Fernando Pessoa. O que sucede é variarem muito as suas formas de retórica. E, ao passo que em certos poetas assume a retórica uma tonalidade oratória ou declamatória, noutros se manifesta sob formas antes gongorizantes. Num mesmo poeta – como, por exemplo, Fernando Pessoa – se nos evidenciam, por vezes, as duas principais modalidades retóricas: pois a retórica das Odes de Ricardo Reis é gongorizante, e a das Odes de Álvaro de Campos declamatória.” E, adiante, esclarece, passando de Pessoa a Junqueiro: “Se, como vimos, pode a retórica ser predominantemente gongorizante ou predominantemente oratória, no geral se esquece aquela sua primeira modalidade. Tanto assim que, por certo, muito surpreendidos, ou até indignados, ficarão vários admiradores de Fernando Pessoa, - em se lhes declarando que são retóricas (duma retórica gongorizante) as Odes de Ricardo Reis e muitas poesias do Fernando Pessoa assinado ele mesmo. Será, então, numa retórica predominantemente oratória que se pensa, quando, por exemplo, num significado depreciativo se aplica o termo a grande arte da poesia de Junqueiro. Ao mesmo tempo se atribui em tal caso os sentidos concomitantes de grandiloquência e ênfase mais ou menos vãs, prolixidade inútil, inclinação formalista exercendo-se como no vácuo por gosto de si própria.” Um pouco adiante, Régio fecha o seu argumento e conclui, no seu modo cauteloso de pesar os prós e os contras: “Se, com se qualificar Junqueiro de retórico, se pretende sustentar que ele é vãmente declamatório e oratório, grandiloquente ou enfático sem necessidade, inutilmente prolixo, - várias vezes se terá alguma razão; e outras vezes razão nenhuma! Porque, se na obra de Junqueiro vários trechos e muitos versos estão contaminados deste gosto pela inflação não correspondente a nenhuma necessidade interna verdadeiramente poética, não é menos verdade que um poderoso fôlego dramático e uma admirável diversidade rítmica se desencadeiam no belíssimo poema "Pátria"; que em "Os Simples" abundam as estrofes e os versos duma contenção e uma capacidade sugestiva admiráveis; que uma graça, uma verve e uma facilidade luminosas se expandem, por exemplo, em grande parte de "A Musa em Férias", como em tantas das poesias mais despretensiosas, e até das sátiras, do nosso poeta; e que o seu excepcionalíssimo dom verbal, se, por vezes, o embriaga, arrastando-o a fáceis efeitos oratórios que pouco têm a ver com a poesia, outras vezes se afirma dominador e empolgante, exercendo-se com uma propriedade que uma crítica relativamente objectiva tem de reconhecer. Em parte nos não desagrada, ou até fere, o poder verbal de Junqueiro senão porque o não possui a pontilhosa literatura contemporânea, ou não está na moda a maneira como se afirma, ou quaisquer outras razões por igual temporais, pessoais, precárias. Já aceitamos, porém, a retórica gongorizante e pontilhosa do Ricardo Reis (que pode ser tão escassamente poética como a inflação junqueiriana) ou a artificialmente furiosa declamação (aliás riquíssima em fantasia inventiva) do tantas vezes retórico Álvaro de Campos. Tudo coisas do tempo!” Neste texto que achei por bem citar longamente, Régio arrasa implacavelmente os que pretendem erigir ao estatuto de crítica fundamentada um mero arrazoado de “preferências” e que julgam só “valer”, nos tempos de hoje, a poesia rarefeita e seca (despida de “retórica”), e não ter direito de cidade a poesia de vasto fôlego e inspiração caudalosa – aquilo a que Eugénio de Andrade (grande poeta mas, às vezes, fraco pensador) chama, pejorativamente, de “charanga”. A “charanga” que afinal serviu de veículo a tanta grande poesia contemporânea.
Não vou aqui referir e, menos ainda, comentar todos os tópicos versados, com maior ou menor profundidade, no corpo deste livro rico e fascinante. Tópicos como, entre muitos outros, o cristianismo, (matriz cristã), anticlericalismo, jacobinismo, modernidade, misticismo, espiritualidade e religiosidade, virtuosismo, poesia e ciência, lirismo, epopeia, sátira, biografia e criação, Panteão, metáfora, ritmo e rima, influência de Victor Hugo, componente trágica na poesia junqueiriana, romantismo, contrastes, Junqueiro e Pessoa, poesia e música, conversão religiosa, validade da obra para o leitor de hoje, dom de visualismo, profetismo, Unamuno e Junqueiro, etc., etc.
Só uma pequena observação, relativa ao tópico interessante que é o de “poesia e ciência”. No seu belo e valioso depoimento, Fernando Guimarães afirma que coube à geração de 70 a responsabilidade atribuída à poesia “de estar atenta à ciência”. Ora isto não é bem verdade, visto que já o poeta romântico Wordsworth, no prefácio às Lyric Ballads (edição alargada de 1800) antevia como inevitável que a poesia viesse a incorporar elementos científicos, no seu território de exploração. Mais precisamente, Wordsworth exprimia-se nestes termos: “As mais remotas descobertas do químico, do botânico ou do mineralogista serão objectos tão adequados à arte do poeta como qualquer outro no qual ele actualmente se empenha, se alguma vez chegar a verificar-se que essas coisas se nos tornaram familiares e as relações sob que são contempladas se tornaram manifesta e palpavelmente material para nós, seres humanos, que fruem e sofrem.” Setenta bons anos antes dos dias em que o espírito triunfalista da ciência euforizava as mentes dos amigos de Eça, um poeta romântico inglês, que assistira, in loco, ao eclodir da Revolução Francesa, escrevia já as palavras certeiramente proféticas que acabo de citar. O mesmo Wordsworth que, segundo reza a história, autorizava o seu cão a criticar-lhe os poemas em processo de serem escritos: passeando no jardim, lia em voz alta os versos que andava a escrever, atento à reacção do animal – se este ladrava, algo estava errado no ritmo ensaiado; o silêncio do cão era sinal de que tudo ia bem no reino da música da poesia. Junqueiro , meticuloso caçador de ritmos inatacáveis, teria aprovado.
Resta-me desejar ao Junqueiro ressuscitado pelas mãos laboriosas e competentes de Henrique Manuel Pereira uma segunda vida longa e abençoada pela atenção carinhosa dos leitores. Esse Panteão – a atenção dos leitores – é o único que vale a pena".
"David Mourão-Ferreira, no seu hoje já clássico artigo sobre António Sérgio, como crítico literário, mostrou galhardamente como era fina a perscrutação estética do autor dos Ensaios, cuja leitura de Camões – agarrado mais ao texto do que à biografia – é um modelo de inteligência e sensibilidade. E quem pode esquecer as páginas admiráveis que dedicou ao estilo de Eça? (Disse: “ao estilo” e não à análise social e política que se contém nos livros do grande escritor realista.)
Outra crítica pejorativa que se faz à poesia de Junqueiro tem que ver com a sua tão apregoada – e famigerada – “retórica”. A esta acusação vazia de sentido respondeu já José Régio, num artigo precisamente intitulado Junqueiro e a retórica, publicado no suplemento Cultura e Arte, de O Comércio do Porto, em 23 de Agosto de 1955 e depois recolhido no volume Crítica e Ensaio – 2, das Obras Escolhidas de José Régio, do Círculo de Leitores (1994). E aproveito para aqui fazer notar que se, na presença, Régio, aparentemente, desvalorizou Junqueiro, mais tarde, precisamente neste artigo citado (e num outro – Guerra Junqueiro e António Sérgio, publicado no mesmo Comércio do Porto, em 27.9.1966) fez “amende honorable”, defendendo o poeta de A Musa em Férias de ataques excessivos e injustos (e note-se que Régio foi sempre um grande admirador do ensaísmo de António Sérgio).
Não fica mal, creio eu, juntar ao impressionante acervo de testemunhos que este livro recolhe, dedicados à revisita da musa junqueiriana, algumas passagens do primeiro dos textos acima citados. Régio começa por observar: “Quando, a propósito de Junqueiro, se fala em retórica, é sempre no significado depreciativo atribuído ao termo. Ora bem: Aqui principia a nossa questão. Nenhum significado depreciativo implica em si o termo retórica. Retóricos são todos os literatos, pois é da sua arte sê-lo. Grandes retóricos são todos os grandes poetas: Camões ou Bocage, por exemplo, Teixeira de Pascoais ou Fernando Pessoa. O que sucede é variarem muito as suas formas de retórica. E, ao passo que em certos poetas assume a retórica uma tonalidade oratória ou declamatória, noutros se manifesta sob formas antes gongorizantes. Num mesmo poeta – como, por exemplo, Fernando Pessoa – se nos evidenciam, por vezes, as duas principais modalidades retóricas: pois a retórica das Odes de Ricardo Reis é gongorizante, e a das Odes de Álvaro de Campos declamatória.” E, adiante, esclarece, passando de Pessoa a Junqueiro: “Se, como vimos, pode a retórica ser predominantemente gongorizante ou predominantemente oratória, no geral se esquece aquela sua primeira modalidade. Tanto assim que, por certo, muito surpreendidos, ou até indignados, ficarão vários admiradores de Fernando Pessoa, - em se lhes declarando que são retóricas (duma retórica gongorizante) as Odes de Ricardo Reis e muitas poesias do Fernando Pessoa assinado ele mesmo. Será, então, numa retórica predominantemente oratória que se pensa, quando, por exemplo, num significado depreciativo se aplica o termo a grande arte da poesia de Junqueiro. Ao mesmo tempo se atribui em tal caso os sentidos concomitantes de grandiloquência e ênfase mais ou menos vãs, prolixidade inútil, inclinação formalista exercendo-se como no vácuo por gosto de si própria.” Um pouco adiante, Régio fecha o seu argumento e conclui, no seu modo cauteloso de pesar os prós e os contras: “Se, com se qualificar Junqueiro de retórico, se pretende sustentar que ele é vãmente declamatório e oratório, grandiloquente ou enfático sem necessidade, inutilmente prolixo, - várias vezes se terá alguma razão; e outras vezes razão nenhuma! Porque, se na obra de Junqueiro vários trechos e muitos versos estão contaminados deste gosto pela inflação não correspondente a nenhuma necessidade interna verdadeiramente poética, não é menos verdade que um poderoso fôlego dramático e uma admirável diversidade rítmica se desencadeiam no belíssimo poema "Pátria"; que em "Os Simples" abundam as estrofes e os versos duma contenção e uma capacidade sugestiva admiráveis; que uma graça, uma verve e uma facilidade luminosas se expandem, por exemplo, em grande parte de "A Musa em Férias", como em tantas das poesias mais despretensiosas, e até das sátiras, do nosso poeta; e que o seu excepcionalíssimo dom verbal, se, por vezes, o embriaga, arrastando-o a fáceis efeitos oratórios que pouco têm a ver com a poesia, outras vezes se afirma dominador e empolgante, exercendo-se com uma propriedade que uma crítica relativamente objectiva tem de reconhecer. Em parte nos não desagrada, ou até fere, o poder verbal de Junqueiro senão porque o não possui a pontilhosa literatura contemporânea, ou não está na moda a maneira como se afirma, ou quaisquer outras razões por igual temporais, pessoais, precárias. Já aceitamos, porém, a retórica gongorizante e pontilhosa do Ricardo Reis (que pode ser tão escassamente poética como a inflação junqueiriana) ou a artificialmente furiosa declamação (aliás riquíssima em fantasia inventiva) do tantas vezes retórico Álvaro de Campos. Tudo coisas do tempo!” Neste texto que achei por bem citar longamente, Régio arrasa implacavelmente os que pretendem erigir ao estatuto de crítica fundamentada um mero arrazoado de “preferências” e que julgam só “valer”, nos tempos de hoje, a poesia rarefeita e seca (despida de “retórica”), e não ter direito de cidade a poesia de vasto fôlego e inspiração caudalosa – aquilo a que Eugénio de Andrade (grande poeta mas, às vezes, fraco pensador) chama, pejorativamente, de “charanga”. A “charanga” que afinal serviu de veículo a tanta grande poesia contemporânea.
Não vou aqui referir e, menos ainda, comentar todos os tópicos versados, com maior ou menor profundidade, no corpo deste livro rico e fascinante. Tópicos como, entre muitos outros, o cristianismo, (matriz cristã), anticlericalismo, jacobinismo, modernidade, misticismo, espiritualidade e religiosidade, virtuosismo, poesia e ciência, lirismo, epopeia, sátira, biografia e criação, Panteão, metáfora, ritmo e rima, influência de Victor Hugo, componente trágica na poesia junqueiriana, romantismo, contrastes, Junqueiro e Pessoa, poesia e música, conversão religiosa, validade da obra para o leitor de hoje, dom de visualismo, profetismo, Unamuno e Junqueiro, etc., etc.
Só uma pequena observação, relativa ao tópico interessante que é o de “poesia e ciência”. No seu belo e valioso depoimento, Fernando Guimarães afirma que coube à geração de 70 a responsabilidade atribuída à poesia “de estar atenta à ciência”. Ora isto não é bem verdade, visto que já o poeta romântico Wordsworth, no prefácio às Lyric Ballads (edição alargada de 1800) antevia como inevitável que a poesia viesse a incorporar elementos científicos, no seu território de exploração. Mais precisamente, Wordsworth exprimia-se nestes termos: “As mais remotas descobertas do químico, do botânico ou do mineralogista serão objectos tão adequados à arte do poeta como qualquer outro no qual ele actualmente se empenha, se alguma vez chegar a verificar-se que essas coisas se nos tornaram familiares e as relações sob que são contempladas se tornaram manifesta e palpavelmente material para nós, seres humanos, que fruem e sofrem.” Setenta bons anos antes dos dias em que o espírito triunfalista da ciência euforizava as mentes dos amigos de Eça, um poeta romântico inglês, que assistira, in loco, ao eclodir da Revolução Francesa, escrevia já as palavras certeiramente proféticas que acabo de citar. O mesmo Wordsworth que, segundo reza a história, autorizava o seu cão a criticar-lhe os poemas em processo de serem escritos: passeando no jardim, lia em voz alta os versos que andava a escrever, atento à reacção do animal – se este ladrava, algo estava errado no ritmo ensaiado; o silêncio do cão era sinal de que tudo ia bem no reino da música da poesia. Junqueiro , meticuloso caçador de ritmos inatacáveis, teria aprovado.
Resta-me desejar ao Junqueiro ressuscitado pelas mãos laboriosas e competentes de Henrique Manuel Pereira uma segunda vida longa e abençoada pela atenção carinhosa dos leitores. Esse Panteão – a atenção dos leitores – é o único que vale a pena".
Eugénio Lisboa
REGRESSO A JUNQUEIRO (1)
Pedinchão inveterado de textos do ensaísta Eugénio Lisboa, recebi dele este mail cuja divulgação pública será desculpada pela sua longa e, para mim gratíssima, amizade: “Caro Rui, acabo de te enviar um texto sobre Guerra Junqueiro. É o posfácio que escrevi para o livro 'À Volta de Junqueiro', organizado por Henrique Manuel Pereira, edição da Universidade Católica, Porto.
Com o agrado de sempre, publico-o com a certeza do seu valioso contributo como tema humanístico para um sistema educativo que das humanidades tão arredado parece andar porque prisioneiro em grilhos que, salvo raras e honrosas excepções, não primam pela correcção.
"Este acervo de entrevistas dedicadas à personalidade e à obra de Junqueiro constitui-se num autêntico acto de justiça. E, como se trata de um riquíssimo e variado conjunto de depoimentos, bem se pode dizer que é justiça pela medida grande. Pois é assim – e só assim – que ela deve fazer-se, quando, por fim, se faz justiça: já alguém observou, com acerto, que a moderação na busca da justiça não é uma virtude. Por outro lado, é também sabido – e tem sido justamente reiterado – que não só se deve fazer justiça, como se deve providenciar no sentido de se ver que ela está a ser feita. Desejo, por isso, que este volumoso livro, devido à excepcional competência de Henrique Manuel Pereira e à sua quase inconcebível capacidade de trabalho, tenha a maior divulgação possível, assim permitindo que o excepcional poeta que foi – e é – Junqueiro regresse à atenção carinhosa de escolas, universidades, institutos de investigação e público em geral.
A desproporção entre a atenção e aplauso ruidoso de que o poeta de Os Simples desfrutou em vida, e o silêncio pesado e opaco que o envolveu durante as décadas que se seguiram à sua morte, em 1923, chega a ser obscena. Para esta desproporção têm-se buscado causas várias e a de uso mais corrente é a que, neste livro, indica Mário Soares, ao considerar “muito injusto” o ensaio de António Sérgio, O Caprichismo Romântico na obra do Snr. Junqueiro (1920), no qual o grande ensaísta mimoseava o bardo de Pátria com primores deste jaez :”pitonisa histérica de barricada, grande versejador e pequeno espírito, espirrador de frases vácuas que ainda se admiram por aí além”. Seguiu-se-lhe Vieira de Almeida, que também não foi macio: “Não é um artista, em nenhum dos sentidos da palavra; é um retórico de impropriedade redundante, verbosidade frouxa e arranque disparatado.”
Com o devido respeito devido a Mário Soares, não estou de acordo com o facto de se considerar ”injusto” o ensaio de Sérgio: agressivo, quase truculento (na esteira do Junqueiro satírico, de resto...), talvez; injusto, não, na medida em que o autor dos Ensaios explicitamente observa que, no seu texto, “se não trata de críticas literárias a um poeta, e de coroar com elogios, ou de apear com repreensões, a beleza ou fealdade que possam existir nas suas obras”. Sérgio reconhece em Junqueiro “muito talento” e “poder de verbo”, simplesmente nota que lhe falta “finura de inteligência” e “grandeza de alma”. Sérgio critica a “natureza dos seus [de Junqueiro] livros como instrumentos de formação humana, como temperadores e orientadores da mentalidade de quem os lê”, porque se sente autorizado a fazê-lo pelo próprio Junqueiro, quando este avisa (e quem me avisa meu amigo é) que “a arte, e especialmente a poesia, tem uma acção directa na vida e nos costumes”. É ao pensador, ao formador, ao filósofo, que Junqueiro ostensivamente quer ser – é a estes que se dirige Sérgio, inculcando que o talentoso poeta não é nada daquilo que aspira a ser. Goethe observava que Byron só era grande quando cantava, mas, desde que se punha a reflectir, não passava de uma criança. Não se diga que Junqueiro era exactamente uma criança, mas fazer dele o grande pensador, o grande filósofo ou o grande místico que alguns nele quiseram ver só pode levar, por reacção, ao exagero contrário dos que o acusam de “verbosidade frouxa” e de primarismo de pensamento.
Exagero puxa exagero, de sinal contrário e dimensão idêntica. Voltaire dizia do comediógrafo francês Pierre Marivaux que este passava a vida a pesar coisa nenhuma em balanças feitas de teias de aranha. Em reacção ao hiper-filósofo que alguns contemporâneos viram no autor de "A Musa em Férias" (Raul Brandão pasma literalmente perante a suposta bossa filosófica do bardo), pode cair-se na tentação vingativa de aplicar-lhe o vinagre do autor de Candide. Sem vantagem para ninguém. De resto, acho sempre pouco saudável atribuir-se o descrédito em que, entre nós, caem certos valores ao que deles disse o Sr. Fulano ou o Sr. Cicrano. Que as críticas de Sérgio tenham anulado durante nove décadas o estatuto de Junqueiro não prova nem o poder aterrador de Sérgio nem a nulidade deprimente do poeta: expõe, tão só, a menoridade intelectual e cultural de gerações que se vergaram, timoratamente, a um único juízo proferido por um “clerc” de grande gabarito. Foi assim que Almada “apagou” Júlio Dantas (a quem, aliás, pediu desculpa, mas isso não contam os trovadores) e que Eduardo Lourenço quase “deliu” a presença – não pela força dos argumentos aduzidos, antes pela menoridade intelectual dos consumidores. É este um fenómeno que caracteriza a nossa vida cultural, que vive de subserviência e , não pouco, de um inquietante teor de provincianismo.
Sérgio soube sempre separar as águas: para um lado, a coisa literária, com os seus valores próprios, para o outro, valor formativo, social, moral das obras. Nuno Júdice, no seu aliás muito belo depoimento, nota que “António Sérgio é um homem que não adere muito à poesia”, o que julgo ser menos verdade".
Eugénio Lisboa
(Continua)
SOBRE A ESTAÇÃO ESPACIAL INTERNACIONAL
O físico norte-americano Robert Park, na sua coluna semanal What's New, opina sobre a Estção Espacial Internacional e o vaivém espacial (na figura a Atlantis):
"LEFT BEHIND: WAIT, WAIT! YOU FORGOT SOMETHING.
Don't worry, that's just the international space station. It isn’t "our" space station of course; its operation is overseen by five separate space agencies. Nevertheless we bear a major responsibility for this $160 billion monument to the age of manned space flight. Left alone, it’s a 417,000 kg missile that will return to Earth traveling at 28,000 km/h. I leave it to the students to calculate the energy. I raised this point in 1998 when ISS assembly began and was told it would be disassembled and the parts returned to Earth on the shuttle. President Obama might prefer to see this done with commercial space vehicles, except they don't exist yet. Controlled or uncontrolled, the ISS will return to Earth.
STS-135: THE FINAL MISSION OF A PUBLIC RELATIONS PROGRAM.
The space race with the Soviet Union ended with Apollo-17. Both countries explored the Moon, brought back piles of moon rocks, and took astounding photographs, but today few even remember that the USSR had a Moon program. They had chosen to do it with robots; more technologically advanced than Apollo perhaps, but it counted for little in the hearts and minds of the public. You can't give robots tickertape parades down Broadway. Apollo was followed by the Space Shuttle. For a time, every space mission had to begin with a shuttle launch, guaranteeing a constant supply of heroes but the shuttle could not keep up with the demand for launches. Atlantis is now being prepared for a July 8 launch. A prosaic 12-day "UPS" flight to deliver supplies and equipment to the International Space Station, it will be the final mission in the 30-year-old shuttle program. Sold to Congress as a cost-effective way to get into space, the shuttle will be remembered as the most expensive launch system ever devised."
Robert Park
sexta-feira, 24 de junho de 2011
CARTA ABERTA A JOÃO BOAVENTURA: SERÁ A CRIAÇÃO DA ORDEM DOS PROFESSORES UMA UTOPIA?
“As realidades importantes do presente já foram utopias no passado; assim acontecerá no futuro a todas as utopias” (António Feliciano de Castilho, 1800-1875).
Em resposta ao comentário de João Boaventura, ínsito no meu post, “Um comentário sobre a Ordem dos Professores” (23/06/20111), apraz-me escrever, porque, como escreveu Irene Lisboa, “assim me apetece/ que o entendam ou não/ que o admitam ou não”.
Em resposta ao comentário de João Boaventura, ínsito no meu post, “Um comentário sobre a Ordem dos Professores” (23/06/20111), apraz-me escrever, porque, como escreveu Irene Lisboa, “assim me apetece/ que o entendam ou não/ que o admitam ou não”.
Meu bom amigo João:
Daquilo que me conheces (e conhecemo-nos há longos anos que a nossa condição de ”jovens” octogenários consente e a nossa amizade justifica), sabes bem que nunca me moveram intenções pessoais nas lutas por mim travadas em defesa daquilo em que acredito, ainda que, por vezes, venha a reconsiderar, de braço dado com o passar do tempo que tudo clarifica, e a abandonar tudo o que possa ser simples teimosia. Mas está longe de ser este o caso, numa altura em que comentários de apoio à criação de uma Ordem dos Professores se vão avolumando, quais pequenas bolas de neve que se não derretem com os raios de sol escaldantes dos seus detractores, porque força humana alguma as pode deter, a exemplo das avalanches provocadas pela Natureza.
Como deves estar recordado, referindo-se à minha pessoa, julgo que na intenção amiga de me enaltecer, escreveu um grande amigo, Augusto Cabral, falecido anos atrás, no prefácio a um dos meus livros de início dos anos 70: “Não é de admirar que tenha defendido, desde que o conheço, a sua posição, em particular, e da sua classe em geral. Defesa essa em que tem sido intransigente, mesmo quando fica sozinho e luta até ao último alento. Mesmo, até, quando lhe falta o apoio daqueles que sobre estes assuntos se deviam pronunciar, e o não fazem, limitando-se a colher os benefícios, quando os há, da luta que ele tem travado”.
Finalmente, embora fosse meu desejo ter essa criação com corolário de uma acção constante do Sindicato Nacional dos Professores Licenciados, de cuja presidência da Assembleia Geral me demiti, passada uma dúzia de anos, por discordância frontal com a sua adesão a uma "Plataforma Sindical", de tristíssima memória, tanto se me dá como se deu, ser ela criada através da Pró-Ordem dos Professores ou de qualquer outra associação sindical ou entidade associativa ou não.
Venha, portanto, a Ordem dos Professores que será muitíssimo bem vinda por mim, que me basta a companhia de apoios a favor da sua criação, como alguns comentários de estímulo aqui publicados, e em outras locais e ocasiões, que se perdem ou esquecem com o passar dos anos, mas mantêm em mim, todavia, a certeza de se não se tratar de uma utopia transformada em realidade, apenas, lá para as "calendas gregas”. De entre eles, o teu comentário bem estruturado e devidamente clarificador de uma acção e de um período que bastantes pessoas desejavam esquecido ou mesmo enterrado na memória, sejam elas a favor ou contra a criação de uma desejada, e sempre adiada, ORDEM DOS PROFESSORES!
Um grande e grato abraço, meu caro João, a que associo todos aqueles que lutam por essa hora que há-de chegar mesmo sem ser em dia de nevoeiro num país sebastianista por mau fado e tradição contumaz.
Como escolher um bom problema científico
Sugestão de leitura para jovens e menos jovens cientistas sobre a escolha de uma questão para investigar:
http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1097276509006418
Concerto na Capela da Universidade
Informação chegada ao De Rerum Natura.
Concerto na Capela da Universidade de Coimbra hoje, dia 24 de Junho, às 21h30.
"O programa proposto é constituído exclusivamente por música destinada às Vésperas da Assumpção da Virgem (15 de Agosto). Embora o conceito de se escrever música destinada a ser tocada unicamente ao pôr-do-sol de determinado dia (14 de Agosto, neste caso) possa causar estranheza ao ouvinte moderno, o facto explica-se pela importância desempenhada pela música (cantochão ou polifonia) nas práticas litúrgicas durante o Renascimento.
Era sobretudo nas festas mais importantes (como o Natal, Páscoa, Assumpção da Virgem, etc.) que os maiores dispositivos vocais e instrumentais eram convocados afim de conferir maior importância e solenidade à ocasião. A profusão de obras polifónicas para estas ocasiões nos manuscritos e impressos é assim um reflexo natural dessa prática e oferece ao investigador moderno um excelente ponto de partida para uma reconstituição da dimensão sonora desses momentos.
O concerto segue o alinhamento das vésperas da Beata Virgine e todas as obras foram seleccionadas de fontes manuscritas portuguesas actualmente conservadas na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra. Assim, apesar do reportório se encontrar destituído de toda a sua dimensão litúrgica, as obras conservam a relação de diálogo inerente ao momento “original”. A abordagem dos intérpretes procura expressar não só o reportório como as práticas interpretativas históricas a ele associadas."
Concerto na Capela da Universidade de Coimbra hoje, dia 24 de Junho, às 21h30.
"O programa proposto é constituído exclusivamente por música destinada às Vésperas da Assumpção da Virgem (15 de Agosto). Embora o conceito de se escrever música destinada a ser tocada unicamente ao pôr-do-sol de determinado dia (14 de Agosto, neste caso) possa causar estranheza ao ouvinte moderno, o facto explica-se pela importância desempenhada pela música (cantochão ou polifonia) nas práticas litúrgicas durante o Renascimento.
Era sobretudo nas festas mais importantes (como o Natal, Páscoa, Assumpção da Virgem, etc.) que os maiores dispositivos vocais e instrumentais eram convocados afim de conferir maior importância e solenidade à ocasião. A profusão de obras polifónicas para estas ocasiões nos manuscritos e impressos é assim um reflexo natural dessa prática e oferece ao investigador moderno um excelente ponto de partida para uma reconstituição da dimensão sonora desses momentos.
O concerto segue o alinhamento das vésperas da Beata Virgine e todas as obras foram seleccionadas de fontes manuscritas portuguesas actualmente conservadas na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra. Assim, apesar do reportório se encontrar destituído de toda a sua dimensão litúrgica, as obras conservam a relação de diálogo inerente ao momento “original”. A abordagem dos intérpretes procura expressar não só o reportório como as práticas interpretativas históricas a ele associadas."
quinta-feira, 23 de junho de 2011
UM COMENTÁRIO SOBRE A ORDEM DOS PROFESSORES
“A profissão docente é a corporação mais necessária, mais esforçada e generosa, mais civilizadora de quantos trabalham para satisfazer as exigências de um Estado democrático” (Fernando Savater, catedrático de Ética da Universidade do País Basco).
A necessidade da criação de uma Ordem dos Professores era, até há pouco, apenas sussurrada entre uns tantos elementos da classe docente. Nos dias de hoje, em que os professores passaram a ter constante acesso à Internet avolumam-se os comentários favoráveis à respectiva criação.
A prova disso está na transcrição parcial que aqui faço - como uma ponta de orgulho que uns compreenderão e outros não, mas pouco me importam estes - de um comentário (23. Junho 10:27), publicado no meu post "A formação de professores nos ensinos universitário e politécnico" (21/06/2011). Escreveu o seu autor:
“Se quer que lhe diga, até tenho medo do meu optimismo, quanto maior o voo maior a queda. Mas é esta a minha natureza e estou optimista. Se um dia as gerações futuras tiverem o privilégio de, no final de uma licenciatura de qualidade, se inscreverem na Ordem para depois exercerem funções docentes, e outras, se esse dia chegar em nossas vidas - teria o maior prazer em o comemorar consigo. Aliás, seria uma honra!"
Em balanço de memória, perdi a conta de posts e artigos de opinião de jornais que escrevi em defesa da criação da Ordem dos Professores (OP), de palestras que proferi, de deslocações à Assembleia da República com esse destino, de conversas amenas que tive com crentes e polémicas com infiéis para que, entre outras coisas, os docentes deixassem de ser servos em mãos governamentais ou títeres de palcos sindicais, uma espécie de mercenários preocupados apenas com questões salariais e horários de trabalho, como só de pão vivesse o homem.
Aliás, é esta a perspectiva defendida por professores que fizeram de um sindicalismo puro e duro do século XIX a sua profissão, depois de terem vendido escassos meses ou parcos anos de aulas. Esta uma das muitas causas, como é fácil depreender, da guerra sem quartel, e usando todos os meios, desencadeada contra a criação da OP. A título de mero exemplo, a Fenprof, anos atrás, defendia que “o campo de intervenção de uma Ordem restringe-se ao plano das questões éticas e deontológicas que não são, para já, questões centrais das preocupações dos professores”. E, para fundamentar aquilo que dizia ser (mas não é) um arrabalde das preocupações dos professores, acrescentava em ocupação abusiva da finalidade de um OP, por si "decretada" acima: ”Os Sindicatos dos Professores têm sido e continuarão a ser espaços de análise e discussão das questões da ética e deontologia da profissão”. Mas esta espécie de sindicalismo que diz e se desdiz já teve melhor dias de cofres cheios quando, por exemplo, aceitavam quotas de curiosos sem qualquer curso ou em vias de o terminar que viam na docência uma forma de ganhar a vida enquanto lhes não aparecia nada mais rendoso.
Aliás, é esta a perspectiva defendida por professores que fizeram de um sindicalismo puro e duro do século XIX a sua profissão, depois de terem vendido escassos meses ou parcos anos de aulas. Esta uma das muitas causas, como é fácil depreender, da guerra sem quartel, e usando todos os meios, desencadeada contra a criação da OP. A título de mero exemplo, a Fenprof, anos atrás, defendia que “o campo de intervenção de uma Ordem restringe-se ao plano das questões éticas e deontológicas que não são, para já, questões centrais das preocupações dos professores”. E, para fundamentar aquilo que dizia ser (mas não é) um arrabalde das preocupações dos professores, acrescentava em ocupação abusiva da finalidade de um OP, por si "decretada" acima: ”Os Sindicatos dos Professores têm sido e continuarão a ser espaços de análise e discussão das questões da ética e deontologia da profissão”. Mas esta espécie de sindicalismo que diz e se desdiz já teve melhor dias de cofres cheios quando, por exemplo, aceitavam quotas de curiosos sem qualquer curso ou em vias de o terminar que viam na docência uma forma de ganhar a vida enquanto lhes não aparecia nada mais rendoso.
Do que me lembro, a luta que tenho mantido em prol dessa criação ascende, talvez, a mais de três ou quatro décadas. Hoje aposentado, depois de mais de 40 anos de serviço, tenho a meu favor o facto de nunca, por nunca, me terem movido interesses pessoais ou de simples penacho. No dia (um dia apenas adiado) em que for criada a OP, a honra é de todos nós que nos fizemos seus defensores intransigentes, rejubilarei pela sua criação e sentir-me-ei recompensado pela companhia daqueles professores que sempre defenderam o interesse público de uma das mais nobres, exigentes e prestigiadas profissões.
Obrigado, meu caro HR, pelo seu comentário. Ele, quase por si só, salda as horas por mim consumidas em madrugadas insones e sem fim, por exemplo, na elaboração dos respectivos estatutos e de um livro sobre esta temática. Sem o cunho pós-revolucionário que lhe foi dado décadas atrás: A LUTA CONTINUA!
Na imagem: Capa do meu livro "Do Caos à Ordem dos Professores", edição do SNPL, Lisboa - Janeiro/2004.
terça-feira, 21 de junho de 2011
A formação de professores nos ensinos universitário e politécnico
“As políticas educativas seguidas nos últimos quinze anos foram um desastre. Os resultados estão à vista. Lemos nos jornais e constatamos que a educação está na rua, na lama da opinião pública” (Manuel Ferreira Patrício, ex-reitor da Universidade de Évora, 2002-2006).
Em contraste com o optimismo do Conselho Nacional de Educação, deparamo-nos hoje com posições dos pais dos alunos do ensino básico e até dos próprios alunos do secundário contra o declarado facilitismo de um sistema educativo que deixa passar quem sabe e quem não sabe, em nome de uma igualdade que, como escreveu Pessoa, “sob o aspecto de justiça ideal tem paralisado tantas vontades e tantos génios e que, aparentando salvaguardar a liberdade, é a maior das injustiças e a pior das tiranias”.
Mas em que país vivemos nós? O candidato que não entra numa faculdade, por não ter classificação bastante, passa, recorrendo ao ensino politécnico, a estar habilitado para ensinar, simultaneamente, Matemática e Ciências da Natureza no 2.º ciclo do básico, enquanto ao licenciado universitário só lhe é reconhecida competência em concursos públicos para ministrar a disciplina de Matemática.
Em flashback, recordo os resultados de uma verdadeira aberração que quer fazer prevalecer o princípio de quanto pior for a preparação dos professores melhor serão os resultados dos alunos, apesar de um relatório nos ter dito que “zero foi a pontuação obtida na realização de problemas matemáticos por 40% dos 118 mil alunos, do 4.º e 6.º anos de escolaridade, que efectuaram provas de aferição, no ano lectivo de 2000/2001” ("Público", 09/02/2002).
Mas julgo que ninguém ousará duvidar que um sistema educativo que não se preocupa em defender os direitos de diplomas universitários, rendendo-se a poderosos lobbies do ensino politécnico, de sindicatos de professores ao serviço dos interesses específicos dos seus associados ou de docentes com habilitações de escassa exigência científica, sofre de maleita grave, necessitando, por isso, de uma terapia urgente que se não compadeça com mezinhas ou paninhos quentes. Exige cuidados intensivos por parte de governantes competentes, corajosos e não comprometidos com um sistema educativo servo de dados estatísticos para consumo interno e uso externo, como que a modos de pacóvio orgulho nacional face a países subdesenvolvidos. Parecemos estar em fuga permanente a comparações mais exigentes, na tentativa desesperada de anunciar, urbi et orbi, uma saúde de ferro capaz de uma recuperação económica nacional sustentada na força produtiva de uma juventude formada num sistema educativo exigente e devidamente planificado .
De uma forma geral, os alunos do politécnico, entrando com notas mais baixas, saindo com classificações mais elevadas do que aqueles que seguiram a via universitária e apadrinhados (ou mesmo trazidos ao colo) por vias sindicais ou mesmo governamentais, perseguem novas conquistas – agora, uma docência no próprio ensino secundário! - em clima permissivo de leis frouxas que poderão contribuir para o encerramento de faculdades que formam professores, muitos deles já nas garras impiedosas do desemprego. O dobre a finados desta morte anunciada ecoou no sino da torre da mais antiga universidade portuguesa quando os seus licenciados em Matemática (via ensino) , como escrevi em artigo de opinião, “se manifestaram recentemente contra este ‘statu quo’” ("Público", 18/03/2001).
Indo ao cerne da questão, ou seja à Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º46/86, de 14 de Outubro) traz-me ela à lembrança uma passagem de um livro de Pio Baroja que nos descreve a advertência de um ministro espanhol para o seu secretário: “Senhor Rodriguez, faça o favor de verificar se o decreto está redigido com a devida confusão!” Terá sido idêntica intenção que presidiu à redacção do texto sobre a Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE)?
Vejamos, por exemplo, o aspecto nebuloso dos objectivos dos ensinos universitário e politécnico:
- “O ensino universitário visa assegurar uma sólida formação científica e cultural e proporcionar uma formação técnica que habilite para o exercício de actividades profissionais e culturais e fomente o desenvolvimento das capacidades de concepção, inovação e de análise crítica” (ponto 3 do artigo 11.º da LBSE).
- “O ensino politécnico visa proporcionar uma sólida formação cultural e técnica de nível superior, desenvolver a capacidade de inovação e de análise crítica e ministrar conhecimentos científicos de índole teórica e prática e as suas aplicações com visto ao exercício de actividades profissionais” (ponto 4, ibid.).
Como escrevi em artigo de opinião, há cerca de vinte anos: “Nestes dois formulários as finalidades do ensino universitário e do ensino politécnico parecem-me não diferir muito na essência, exceptuando, talvez, a ordem que as palavras neles ocupam, gerando, assim, desnecessárias dificuldades, ou mesmo confusões, na respectiva interpretação. Existe em ambos os articulado legais, uma diferença digna de nota: o ensino politécnico ‘ministra conhecimentos científicos de índole teórica e prática’, sendo, todavia, o texto omisso no que respeita ao conhecimento prático dos universitários. Serão estes, apenas, futuros homens de bata branca, ratos de biblioteca e técnicos de fato e gravata? Uma espécie de treinadores de bancada incapazes de da um simples pontapé numa bola de futebol?
Por outro lado, é dada ênfase à sólida formação cultural e técnica ‘de nível superior’ do ensino politécnico. Redundância desnecessária porque o ponto 1 do art. 11.º da LBSE determina que ‘o ensino superior compreende o ensino universitário e o ensino politécnico’. Logo, a formação ministrada neste subsistema do ensino superior nunca poderia ser de ‘nível inferior’! Agora se o não é (pelo menos em alguns casos) , isso é outra ordem de ideias que não cumpre os objectivos legais.
Quanto à investigação científica, pão para a boca do ensino universitário, nem uma simples referência. Mas será que a interpretação que faço desta importante legislação que plasma os princípios a que deve obedecer o ensino superior não faz jus à intenção do seu legislador? Ou seja, aquilo que ele quis escrever e não escreveu, e aquilo que escreveu e não quis escrever?” ("Diário de Coimbra", 07/01/1992).
Por coincidência ou não, mas que me apraz registar, na revisão da LBSE, 30.Agosto.2005, nos objectivos do ensino universitário, é intercalada, citada por mim entre parêntesis, a frase: “O ensino universitário ( orientado por uma constante perspectiva de promoção, de investigação e de criação de saber) visa assegurar (…)”. No que respeita ao ensino politécnico, é intercalada a frase: “O ensino politécnico (orientado por uma constante perspectiva de investigação aplicada e de desenvolvimento, dirigido à compreensão e solução de problemas concretos) visa assegurar(…)”.
Como o leitor mais atento terá verificado, finalmente, a investigação assume um papel que lhe não foi assegurado inicialmente. Mas, seja como for, trata-se de uma simples cosmética que continua a suscitar dúvidas sobre as competências dos ensinos universitário e politécnico criando zonas cinzentas de oportunismo nos pilares em que assenta todo o corpus do sistema educativo nacional que se tem desmoronado, de há décadas para cá, pese embora tentativas falhadas de escoramento das suas debilidades, no que se refere ao seu importante papel social na formação dos professores e ao seu reflexo no rendimento escolar dos alunos.
São estes alguns dos desafios que esperam o hoje empossado Ministro da Educação, Nuno Crato. E, simultaneamente, despertam a esperança (ou mesmo certeza) de uma desejável e substancial melhoria futura do sistema educativo para que não nos confrontemos com a desilusão de Roger Gaudry quanto ao futuro: “É tão belo o mundo da cultura; à falta de futuro, deu-me um passado”. Mas, para grande desdita nossa, um passado de triste memória!
segunda-feira, 20 de junho de 2011
Uma sociedade que desperta?
O caso do “copianço” geral numa disciplina do Centro de Estudos Judiciários tem aspectos interessantes. À primeira vista houve demasiada indignação, tendo em conta que copiar é uma façanha de que muitos alunos se orgulham. Os piores, em geral, mas não só. É o que se tem dito: temos uma cultura que convive bem com a fraude, o pequeno golpe e, como sabemos, a esperteza saloia é um dos nossos pontos fortes, porque é quase sempre premiada. Somos um organismo que transporta e alimenta germes patogénicos, mas tão habituais e actuando há tanto tempo que nem se dá por eles. É como as doenças crónicas que se vão mantendo estacionárias, com algumas crises, mas que logo voltam ao crónico.
O facto de ser no Centro de Estudos Judiciários deu origem ao escândalo. Que o é de facto, mas que, no essencial, não é diferente das outras escolas, nem pior. Reparem que se têm verificado casos de plágio em provas de mestrado e até de doutoramento, e isso, que atesta a miséria moral e intelectual do candidato, e que devia implicar a sua irradiação, tem sido, num ou noutro caso, resolvido em surdina, para evitar o mau nome da instituição. O que é um erro grave, pois deviam imediatamente ser postos na praça pública esses casos, e condenados exemplarmente. Não o fazer é deixar que possa pairar sobre a instituição e sobre todos os seus membros uma desconfiança letal. E injustíssima.
Este caso, como se trata de futuros juízes, escandalizou muita gente. O que é bom sinal mas revela inocência porque os juízes, e por maioria de razão os aprendizes, não são pessoas diferentes das outras e beberam o leite de uma cultura que vive bem com a pequena fraude. É muito provável que alguns desses senhores tenham criado o hábito de copiar ao longo da sua escolaridade. A solução encontrada pelo Centro de Estudos Judiciários de dar 10 a todos é um disparate, porque é injusto e mancha a instituição. Se não é possível saber quem de facto copiou, e anular definitivamente as provas, deverão fazer novos testes e dispor as coisas para que ninguém copie. E arranjem data onde for preciso. Não ouvi falar dos professores vigilantes, mas a sua acção, nestas coisas, é determinante. A qualidade profissional de um professor implica também eficácia neste aspeto. Já se sabe que, se o professor não fizer uma boa vigilância, haverá sempre quem copie, e isso é não só injusto para os que não copiam, mas é um golpe na credibilidade da instituição e, a prazo, uma infinidade de golpes no corpo social.
Há, porém, algo novo neste caso. A sua repercussão na comunicação social parece querer dizer que está a surgir uma consciência colectiva mais exigente e atenta. Ter-se-á percebido que não podemos querer ultrapassar crises e crescer e ficar ao nível dos países evoluídos mantendo e alimentando todas estas pequenas facadas sociais, toda esta multidão de falcatruas e desleixos e impunidades em que somos peritos e que desculpamos uns aos outros?
Vamos ver como o Conselho Pedagógico do Centro de Estudos Judiciários resolve agora o problema. Se a sua solução for no sentido de anular as provas aos que de facto copiaram e não lhes dar mais hipóteses, ou, no caso de não haver maneira de apanhar os copiões, obrigar todos a nova prova rigorosa e justa, estamos a criar forças para uma recuperação social e cultural. O seu exemplo terá repercussões. Se prevalecer a solução do dez para todos, bons e maus, honestos e desonestos, então a doença nacional vai continuar e vamos vegetar de crise em crise, como até agora. Não podemos querer passos-coelhos e sócrates e cavacos de primeira com esta desleixada miséria moral por aí à solta e impune.
João Boavida
O facto de ser no Centro de Estudos Judiciários deu origem ao escândalo. Que o é de facto, mas que, no essencial, não é diferente das outras escolas, nem pior. Reparem que se têm verificado casos de plágio em provas de mestrado e até de doutoramento, e isso, que atesta a miséria moral e intelectual do candidato, e que devia implicar a sua irradiação, tem sido, num ou noutro caso, resolvido em surdina, para evitar o mau nome da instituição. O que é um erro grave, pois deviam imediatamente ser postos na praça pública esses casos, e condenados exemplarmente. Não o fazer é deixar que possa pairar sobre a instituição e sobre todos os seus membros uma desconfiança letal. E injustíssima.
Este caso, como se trata de futuros juízes, escandalizou muita gente. O que é bom sinal mas revela inocência porque os juízes, e por maioria de razão os aprendizes, não são pessoas diferentes das outras e beberam o leite de uma cultura que vive bem com a pequena fraude. É muito provável que alguns desses senhores tenham criado o hábito de copiar ao longo da sua escolaridade. A solução encontrada pelo Centro de Estudos Judiciários de dar 10 a todos é um disparate, porque é injusto e mancha a instituição. Se não é possível saber quem de facto copiou, e anular definitivamente as provas, deverão fazer novos testes e dispor as coisas para que ninguém copie. E arranjem data onde for preciso. Não ouvi falar dos professores vigilantes, mas a sua acção, nestas coisas, é determinante. A qualidade profissional de um professor implica também eficácia neste aspeto. Já se sabe que, se o professor não fizer uma boa vigilância, haverá sempre quem copie, e isso é não só injusto para os que não copiam, mas é um golpe na credibilidade da instituição e, a prazo, uma infinidade de golpes no corpo social.
Há, porém, algo novo neste caso. A sua repercussão na comunicação social parece querer dizer que está a surgir uma consciência colectiva mais exigente e atenta. Ter-se-á percebido que não podemos querer ultrapassar crises e crescer e ficar ao nível dos países evoluídos mantendo e alimentando todas estas pequenas facadas sociais, toda esta multidão de falcatruas e desleixos e impunidades em que somos peritos e que desculpamos uns aos outros?
Vamos ver como o Conselho Pedagógico do Centro de Estudos Judiciários resolve agora o problema. Se a sua solução for no sentido de anular as provas aos que de facto copiaram e não lhes dar mais hipóteses, ou, no caso de não haver maneira de apanhar os copiões, obrigar todos a nova prova rigorosa e justa, estamos a criar forças para uma recuperação social e cultural. O seu exemplo terá repercussões. Se prevalecer a solução do dez para todos, bons e maus, honestos e desonestos, então a doença nacional vai continuar e vamos vegetar de crise em crise, como até agora. Não podemos querer passos-coelhos e sócrates e cavacos de primeira com esta desleixada miséria moral por aí à solta e impune.
João Boavida
Sobre Bento de Jesus Caraça (1901-1948)
Novo post de António Mota de Aguiar:
Bento de Jesus Caraça, nascido em Vila Viçosa no seio de uma família de camponeses, fez parte da geração dos brilhantes matemáticos portugueses que viveram nas décadas de 30 e 40 do século passado. Ao contrário de alguns matemáticos desta época que se formaram em universidades europeias, Caraça licenciou-se em Lisboa no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (actual ISEG), em 1923, onde mais tarde leccionou como professor catedrático.
Se repararmos que se licenciou aos 22 anos e morreu aos 47, concluímos que em escassos 25 anos construiu uma vida com extraordinário valor onde pontifica a obra matemática e pedagógica que nos deixou. Bento Jesus Caraça não foi tanto um investigador, mas mais um pedagogo, que deu um notável contributo à educação nacional, contribuindo de forma relevante para a preparação profissional da juventude do seu tempo.
Caraça foi co-fundador, em 1936, do Núcleo de Matemática, Física e Química e, em 1938, do Centro de Estudos de Matemáticas Aplicadas à Economia, além de ter participado na criação da Gazeta de Matemática., que ainda hoje se edita.
Publicou muitos artigos, deu conferências, como A Cultura integral do Individuo – problema central do nosso tempo, que ficou justamente célebre, e publicou alguns livros como: Interpolação e Integração Numérica, Lições de Álgebra e Análise, Cálculo Vectorial, e, sobretudo, Conceitos Fundamentais de Matemática, obra ainda hoje citada e divulgada.
Em 1941, fundou a Biblioteca Cosmos, dedicada à edição de livros de divulgação científica e cultural, que foi um marco da história da cultura em Portugal do século XX. Ao longo dos 7 anos de vida a Editora Cosmos publicou 114 títulos (sob os mais diversos ramos do saber), 145 volumes, composta por 7 secções, com uma tiragem de cerca de 800.000 volumes. A Biblioteca Cosmos foi, no século XX, a pioneira da moderna cultura científica em Portugal, panorama onde se destaca hoje a colecção Ciência Aberta, da Gradiva.
No prefácio dos seu livro Conceitos Fundamentais de Matemática, Bento de Jesus Caraça, escreveu:
“(…) A matemática é geralmente considerada como uma ciência à parte, desligada da realidade, vivendo na penumbra do gabinete, um gabinete fechado, onde não entram os ruídos do mundo exterior, nem sol, nem os clamores dos homens. Isto, só em parte é verdadeiro.
Sem dúvida, a Matemática possui problemas próprios que não têm ligação imediata com os outros problemas da vida social. Mas não há dúvida também de que os fundamentos mergulham, tanto como os de outro qualquer ramo da ciência, na vida real, uns e outros entroncam na mesma madre”.
Esta obra recebeu da parte de António Sérgio uma virulenta crítica, por este entender que a ciência devia aparecer completamente desvinculada da esfera do sensível, enquanto Bento de Jesus Caraça combatia esta concepção de ciência, defendendo que a intuição do sensível é o fundamento do entendimento do mundo, o objectivo da própria ciência. Deixaremos para outra oportunidade a análise desta temática.
Bento de Jesus Caraça foi militante do Movimento de Unidade Democrática e membro do Partido Comunista Português. Em 1946 foi preso e em Outubro desse ano expulso da sua cátedra de professor do ISCEF. Com o avolumar dos problemas políticos, como a prisão, a doença do coração de que sofria agravou-se e, no dia 25 de Junho de 1948, faleceu.
Dele disse Ruy Luís Gomes:
“E sacrificando tudo, desde a cátedra, de que foi afastado, até às exigências da sua saúde precária, aos grandes valores morais – inteireza de carácter, sentimento de solidariedade e coerência de princípios – deu-nos a todos a melhor lição da sua vida”.
António Mota de Aguiar
(Investigador do Instituto de História Contemporânea da FCSH da UNL)
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