Crónica publicada no "Diário de Coimbra":
O genoma do orangotango foi agora publicado na revista Nature, e apresenta cerca de 3% de diferença com o nosso. Mas a química do orangotango não é diferente da nossa.
Muito pelo contrário, partilhamos com este primata, assim como com todas as espécies vivas, muitas coisas em comum. Tanto o comum à vida como as diferenças na base da biodiversidade estão inscritas em longas sequências de quatro de moléculas (guanina, adenina, timina e citosina) integrantes do biopolímero que vulgarmente designamos por DNA (ácido desoxirribonucleico). É a diferente sequência daquelas moléculas alinhadas na dupla hélice de DNA que funcionaliza a mensagem química dos genes.
Em que é que diferem aquelas quatro moléculas? Diferem em arranjos e proporções diferentes de átomos de carbono, oxigénio, nitrogénio e hidrogénio. As diferenças nas vizinhanças químicas locais na dupla hélice de DNA expressam genes diferentes, que por sua vez corporizam instruções para proteínas com funções diferenciadas e específicas. O resultado global é uma espécie de organismo diferente. Um braço peludo mais comprido, uma posição bípede mais vertical, etc.
Recorde-se, a propósito do presente Ano Internacional da Química, que se deve muito à Química (mas também à Física, à Matemática e à Biologia, entre outras disciplinas) o conhecimento que está na base da genética molecular e que permite hoje, de forma multidisciplinar, a sequenciação genómica. Vejamos, de forma breve, porquê.
Como se disse, o genoma é constituído por longas moléculas de DNA. Este foi descoberto em 1869 pelo químico alemão Johann Friedrich Miescher (1844 – 1895) no núcleo de glóbulos brancos. Miescher escolheu estas células por serem relativamente grandes e também por possuírem núcleos grandes. Esta descoberta não permitiu associar de imediato o DNA à “molécula da hereditariedade”. De facto, foram necessários cerca de mais 80 anos para que se confirmasse que são os ácidos nucleicos os componentes estruturais e funcionais dos genes. Durante todo este tempo muitos cientistas defenderam que eram as proteínas, e não os ácidos nucleicos, as moléculas de que os genes eram feitos. Parecia estranho toda a diversidade da vida poder ser codificada pela monótona constituição molecular do DNA, pelo que a genética deveria ser escrita com a maior diversidade apresentada pelas proteínas.
Duas experiências foram determinantes para esclarecer a comunidade científica sobre a "molécula dos genes".
Em 1944, o médico e bioquímico Oswald Avery (1877 – 1955) e seus colaboradores demonstraram que só o DNA (o “princípio transformador” como lhe chamaram), era “capaz” de “transformar” estirpes diferentes da bactéria pneumococo (R e S) umas nas outras.
Em 1952, o trabalho do microbiologista Alfred Hershey (1908 -1997) e da geneticista Martha Chase (1927 – 2003) colocou um ponto final e abriu um novo capítulo à genética molecular com a experiência de transferência de DNA viral (do bacteriófago T2) para bactérias, na qual ficou claramente demonstrada que era o DNA e não as proteínas a argamassa genética da vida.
Martha Chase
Em 1953, o biólogo James Watson e os físicos Francis Crick, Maurice Wilkinson e Rosalind Franklin, através dos estudos por difracção de raios X de cristais de sais de DNA, recolheram a informação física e química necessária para propor a estrutura tridimensional em dupla fita helicoidal do DNA. Note-se que esta descoberta resultou de um trabalho fundamentalmente de física e química. Diríamos hoje de biofísica e bioquímica.
Rosalind Franklin
Neste ano também dedicado às mulheres na química é de realçar nesta história que tanto Martha Chase como Rosalind Franklin não foram galardoadas com o prémio Nobel, enquanto os seus colaboradores directos o foram pelas mesmas descobertas.
António Piedade
5 comentários:
Caros Colegas e leitores
Este é a minha contribuição número 100 neste Blogue. Quero, por isso, agradecer a oportunidade que o Professor Carlos Fiolhais me deu em poder publicar, no De Rerum Natura, os escritos que me saem dos dígitos a partir das notícias de ciência e tecnologia que leio.
Mas quero, e muito, agradecer a todos os leitores, os silenciosos e aqueles que através dos seus oportunos e convenientes comentários me ajudam a aprender mais.
Agradecido
António Piedade
Caro António Piedade,
Por favor, deixe-me felicitá-lo e dizer-lhe Obrigado.
Os seus artigos, aqui no De Rerum Natura, são sempre de uma qualidade científica elevadíssima e, para mim, de um valor inestimável.
Bem haja por isso.
1 Abraço do
José Couto
Porto
Os prémios, em geral, não são atribuídos exclusivamente por razões de merecimen, mas vezes sem conta por inconfessáveis motivos de variadíssima ordem, designadamente em Portugal, onde o caso de Pessoa é paradigmático (vejam lá que, em Coimbra, até se terá atribuído o prémi "Inês de Castro" só porque o galardoado tinha o nome de Pedro!). A (des)propósito, escrevi recentemente:
PARÕES POÉTICOS
Os prémios quase sempre em Portugal,
há que dizer sem medo esta verdade,
são dados aos poetas que em geral
não têm qualquer valor ou qualidade.
Uma questão será de caridade
dos júris nomeados para tal
ou mais precisamente nulidade
de todo o respectivo pessoal.
O que mais pesa na apreciação
é o verso sem nenhuma inspiração,
que mais parece incoerente prosa.
Será que abandonando a sepultura
Camões teria, nesta conjuntura,
mais que uma trivial menção honrosa?!
JOÃO DE CASTRO NUNES
Corrijo, no título, a gralha PORÕES por PADRÕES.
JCN
Também eu faço questão de agradecer as lições de ciência, em prosa poética, de António Piedade. Pelo proveito e pelo prazer. Parabéns.
E, já agora, agradeço também os versos de João de Castro Nunes, pelo seu modo já raro de fazer poesia, que muito aprecio.
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