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Nota: Da obra referida e de outra o De Rerum Natura deu notícia aqui e aqui.“O que é preciso para se ser bom numa coisa onde o erro pode acontecer com tanta facilidade? Quando era estudante e depois interno, a minha preocupação mais profunda era ser competente. Mas o que aquele interno sénior revelara naquele dia era mais do que competência – compreendera não só a forma como uma pneumonia normalmente evolui e deve ser tratada, mas também a maneira de a detectar e combater naquela paciente específica, naquele momento específico, com os recursos e os auxiliares específicos que tinha ao seu dispor.
Muitas vezes as pessoas procuram nos grandes atletas lições de desempenho. E, para um cirurgião como eu, os atletas têm realmente lições a dar – acerca do valor de perseverança, do trabalho árduo e da prática, acerca da precisão. Mas o êxito em medicina tem dimensões que não podem ser encontradas num campo de jogos. Para começar, há vidas em risco. As nossas decisões e omissões, consequentemente, são de natureza moral. Também enfrentamos expectativas assustadoras. Em medicina, a nossa tarefa é lidar com a doença e possibilitar que cada ser humano tenha uma vida tanto mais longa e liberta de fragilidades quanto a ciência permitir. Os passos são muitas vezes incertos. Os conhecimentos que é necessário dominar são simultaneamente vastos e incompletos. No entanto, espera-se que sejamos céleres e firmes (…). Também se espera que façamos o nosso trabalho de forma humana, com carinho e preocupação. Não é só aquilo que está em jogo numa situação concreta, mas também a complexidade do exercício da medicina que torna as coisas tão interessantes e, ao mesmo tempo, tão perturbadoras (…).
Como médicos, assumimos este trabalho pensando que é tudo uma questão de diagnósticos cuidados, competência técnica e alguma capacidade para criar empatia com as pessoas. Mas não é, como rapidamente descobrimos. Em medicina, como em qualquer profissão, temos de lutar contra sistemas, recursos, circunstâncias, pessoas – e também contra as nossas limitações. Enfrentamos obstáculos de uma variedade aparentemente interminável. E, contudo, temos de andar para a frente, melhorar, aperfeiçoar (…).
Os capítulos deste livro analisam três condições essenciais para o êxito em medicina – ou de qualquer esforço que envolva riscos e responsabilidade.
O primeiro é a diligência, a necessidade de prestar atenção suficiente ao pormenor, para evitar erros e ultrapassar os obstáculos. A diligência parece uma virtude fácil e de menor importância (basta prestar atenção, não é?). Mas não é nenhuma das duas coisas. A diligência é ao mesmo tempo fundamental e cruelmente difícil para o exercício da medicina (…)
O segundo desafio é fazer bem. A medicina é uma profissão profundamente humana. Como consequência, está sempre a ser perturbada por falhas humanas, falhas como a avareza, a arrogância, a insegurança, o equívoco (…)
A terceira condição para o sucesso é o engenho – pensar de novo. O engenho é muitas vezes incompreendido. Não é uma questão de inteligência superior, mas de carácter. Exige, acima de tudo, a vontade de reconhecer o fracasso, de não tapar o sol com a peneira – e de mudar. Resulta de uma reflexão deliberada, quase obsessiva sobre fracasso e de uma procura constante de novas soluções. Estes são comportamentos difíceis de cultivar – mas estão longe de ser impossíveis (…)
Melhorar é um trabalho constante. O mundo é caótico, desorganizado e incómodo e a medicina não escapa, de modo nenhum, a essa realidade. Para complicar as coisas, nós, na medicina, também somos humanos. Somos distraídos, fracos e estamos imersos nas nossas próprias preocupações. Mesmo assim, a vida de médico está ligada à vida de outras pessoas, à ciência, e nós vivemos no ponto de união desordenado e complicado entre as duas. Temos uma visão de responsabilidade. A questão, então, não é saber se aceitamos a responsabilidade. Pelo simples facto de fazermos este trabalho, já aceitámos. A questão é, uma vez aceite essa responsabilidade, como fazer bem este trabalho.”
3 comentários:
De tudo, ficaram três coisas:
A certeza de que estamos sempre começando...
A certeza de que precisamos continuar...
A certeza de que seremos interrompidos antes de terminar...
Portanto devemos:
Fazer da interrupção um caminho novo...
Da queda um passo de dança...
Do medo, uma escada...
Do sonho, uma ponte...
Da procura, um encontro...
Fernando Pessoa
Desta arte se esclarece o entendimento,
Que experiências fazem repousado.
Luís de Camões
(Lusíadas, Canto VI, Est. 99).
O exemplo do notável cirurgião Gentil Martins bem documenta a destreza óculo-manual e de motricidade fina a que não é, por certo, estranha a sua prática e participação em provas olímpicas de tiro.
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