quarta-feira, 21 de abril de 2010

A Medicina do Século XXI


Crónica de António Piedade publicada ontem no "Diário de Coimbra":

A potencial aplicação de células estaminais no tratamento de leucemias foi o tema central do programa Falar Global, da SIC Notícias (ver aqui), do dia 31 de Janeiro de 2010. Pelo menos nove doentes com leucemia já foram resgatados de uma morte anunciada através do uso destas células. A dificuldade em encontrar um dador de medula óssea compatível com o doente faz desta terapia celular uma última esperança para muitos. As investigações que decorrem no âmbito do programa MIT-Portugal nesta área, visam também desenvolver tecnologias de multiplicação do número de células estaminais, para ampliar os horizontes terapêuticos e, por exemplo, transformar esta doença quase sempre fatal, numa doença crónica.

Mas voltemos ao programa Falar Global, aqui em questão. A certa altura, as notas em rodapé começaram a surgir sob o título genérico “Medicina Científica”. O espanto instala-se e solta uma dúvida: Então? A medicina não é uma ciência? O que é que se quer dizer com a adjectivação científica à Medicina?

No século XX assistimos a avanços sem precedentes nas ciências da vida e da saúde. Com a higienização, a prevenção de doenças através da vacinação, o transplante de órgãos e tecidos, a democratização de farmacoterapias, as diversas técnicas de suporte avançado de vida, entre tantos outros desenvolvimentos, em cem anos a humanidade quase duplicou a sua longevidade média. Espantoso! Nesse percurso, a evolução do conhecimento médico ficou a dever-se, primeiramente, a investigações e práticas clínicas suportadas por dados epidemiológicos e, na segunda metade do século, a uma medicina baseada na evidência, caracterizada por uma investigação clínica metodologicamente científica.

No último quartel do século XX assistimos a uma explosão de conhecimentos através da força motriz chamada Biologia Molecular. Na alvorada do século XXI, um dilúvio de dados sobre a natureza das interacções moleculares intrínsecas à vida passou a jorrar digitalmente através da Internet. O mapeamento do genoma humano e o nascer da proteómica, preencheram muitos elos entre a origem molecular da doença e a manifestação clínica da mesma. O conhecimento da unicidade genética de cada um fertilizou o terreno para uma terapêutica (ajustada) às especificidades. As entretanto estabilizadas e robustecidas técnicas laboratoriais bioanalíticas passaram a estar ao serviço da Medicina. A possibilidade de uma terapia “feita” e ajustada ao meu caso, sem ter de esperar 20 anos pelos resultados epidemiológicos, ou muitos anos para acumular as evidências, vem dar uma renovada esperança à medicina do séc. XXI. Com o lema “do laboratório à cama do paciente” e vice-versa, esta investigação clínica e a medicina que a alberga são designadas por translacionais. Compreendemos agora a que medicina científica se referiam os editores do Falar Global?

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