quinta-feira, 5 de junho de 2008
A história dos elementos químicos
Há livros que contam histórias e há livros que têm uma história. E há também livros que contam histórias e têm uma história que vale a pena contar. É o caso do livro “Os Elementos Químicos”, com o subtítulo “A história fascinante da sua descoberta e dos famosos cientistas que os descobriram”, de Nechaev e Jenkins, que acaba de sair na editora Replicação de Lisboa.
As histórias são as histórias das descobertas dos elementos químicos, dos principais elementos que compõem a Tabela Periódica que o químico russo Dmitri Mendeleev descobriu em 1869. Para o leitor ficar com uma ideia do estilo simples e cativante de Nechaev (Jenkins entra só no fim, já lá vamos) transcrevo no post anterior um trecho do capítulo consagrado precisamente a Mendeleev. Esse capítulo relata-nos como é que, a partir das suas aulas, muito populares, um jovem químico perseguiu e alcançou a ideia de unidade no mundo químico.
Mas a história do livro é talvez ainda mais interessante do que qualquer uma das histórias da história da química. A obra recém-publicada em português saiu originalmente na Rússia em 1939. Conheceu várias reedições e acabou por ser publicada, em tradução para inglês, nos Estados Unidos em 1942 e na Inglaterra em 1944 (tudo isto se passou, portanto, durante a Segunda Guerra Mundial). O livro foi envelhecendo nas estantes das bibliotecas... Eis senão quando um químico inglês, Jenkins, em 1994 encontra o velho livrinho (a edição de 1944) e lhe acha graça. Publica-o em 1997, acrescentando-lhe um capítulo final com as devidas actualizações. Mas houve um problema inultrapassado: não se conseguiu encontrar nem o autor nem sequer a mínima pista dele. No prefácio, o segundo autor perguntava se algum dos leitores saberia sobre quem seria Nechaev. Teve sorte. Um professor norte-americano de Matemática, do College University of New York, Victor Pan, chegou à nova edição absolutamente por acaso, com a ajuda de um seu aluno. Acontece que ele conhecia a velha edição russa. Tinha sido escrita pelo pai dele, Yakov Pan, sendo Nechaev um mero pseudónimo.
Yakov Pan foi um judeu ucraniano, de origem muito humilde. Era um de 18 irmãos, dos quais só 10 atingiram a idade adulta. Conseguiu, pelo estudo, chegar a uma escola de Moscovo e depois formar-se em química numa das melhores universidades técnicas da capital russa. “Os Elementos Químicos”, o seu livro de ciência popular de 1939, foi um êxito instantâneo. Infelizmente, morreu em 1941, com 35 anos, na luta contra os alemães. Tinha-se oferecido como voluntário para o Exército Vermelho apesar de sofrer de tuberculose.
O filho único, nascido dois anos antes da morte do pai, sobreviveu à guerra. Em 1976 emigrou para os Estados Unidos, trazendo consigo o livro do pai assim como uma velha fotografia dele. E foi a história da vida do pai, acompanhada pela fotografia que, numa carta, ele enviou com muita simpatia a Jenkins. A comovente carta vem publicada na edição portuguesa e só fico com pena de não ver a foto.
Parabéns à Replicação, uma pequena editora que já tem 25 anos, que assim alarga a sua colecção de ciência, com um título a quem os anos não fizeram estragos. O ar arcaico dos desenhos, de Boris Van Lonn, dá um certo encanto ao livro. Não hesito em recomendá-lo para todos os que apreciem uma aproximação popular à ciência química, que neste aspecto tem sido – injustamente, acrescente-se – desfavorecida relativamente à física, à matemática e à biologia. A Química é tão divertida como as outras ciências!
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3 comentários:
A Química é tanto ou mais divertida do que a física, à matemática e à biologia! Só foi pena que na lista se esquecesse da Geologia - e, já agora, quando é que diz alguma coisa das espécies de morcegos da Biblioteca Joanina e que os espeleólogos vão determinar as espécies...?
Caro Fernando Martins:
Não sei se leu bem. Eu acho que, no que respeita a livros de divulgação, a Geologia, ou mais em geral as Ciências da Terra, está numa posição de desfavorecimento, tal como a Química (assunto da minha recensão), relativamente à Física, Biologia e até à Matemática.
Basta ver, por exemplo, uma colecção de referência como a "Ciência Aberta", mas nisso ela parece-se com outras colecções lá fora. Por isso é que não falei da Geologia. Talvez tenha uma explicação para esse facto...
Quanto aos morcegos darei notícias quando as houver.
Um abraço
Carlos Fiolhais
Caro Doutor Fiolhais:
Está perdoado... Nós, cá em Leiria, ficamos à espera do catálogo taxonómico dos seus ajudantes comedores de insectos da Joanina.
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