terça-feira, 27 de maio de 2008
Educação Física e sucesso escolar
Novo post de Rui Baptista sobre a prática de exercício físico (na figura caricatura de Agustina Bessa-Luís, por André Carrilho):
“Quanto maior e mais activa for a força lúdica mais a criança é inteligente e disponível para um destino superior”.
Emile Planchard
Pelo facto de, ao nos debruçarmos sobre a história dos acontecimentos, podermos avaliar a sua influência no tempo futuro, regresso a Ramalho Ortigão e à sua denodada campanha em prol dos exercícios físicos da juventude portuguesa quando chama a atenção da Câmara dos Pares para um estudo ter demonstrado que os exercícios ginásticos são úteis não só ao desenvolvimento físico, porque nas escolas inglesas em que se introduziu a ginástica os alunos aprenderam mais e em menos tempo do que naquelas em que a ginástica não existiu.
Ora, sobre Ramalho não pode recair a suspeição de se ter feito juiz em causa própria. Não consta de nenhum dos seus registos biográficos que o escritor, para além da leccionação da disciplina de Francês, no Colégio da Lapa, da cidade do Porto, tivesse exercido o magistério das práticas gimnodesportivas de que, todavia, foi um devotado e incansável defensor.
Passado quase um século, trabalhos de investigação, levados a efeito, na década de 50, em França (Vanves, Tourangeau, Montabaun) e na Bélgica (Bruxelas), confirmaram a influência benéfica da Educação Física no rendimento escolar, quer sob o ponto de vista físico, quer de aprendizagens cognitivas e não só. O próprio Dr. Fourestier, responsável pela experiência de Vanves, não se exime em declarar entusiasmado: “Com métodos pedagogicamente novos não criaríamos apenas uma raça fisiologicamente nova. Faríamos, possivelmente, homens moralmente novos, e mais fraternos uns com os outros”.
Aliás, é para esse “homem moralmente novo” que vai também o apelo de C. S. Lewis, professor de Cambridge: “Fabricamos homens sem coração e esperamos deles virtudes e magnanimidade. Rimo-nos da honra e surpreendemo-nos se há traidores entre eles.”
No decurso do ano de 1969, Olivier Guichard, ao tempo ministro gaulês da educação, justificava a necessidade de haver seis horas semanais para a prática física dos alunos do ensino primário com o argumento de “o horário de então reflectir uma concepção intelectualista dando prioridade à matéria ensinada”.
Em Portugal, foi levado a efeito um estudo sobre a influência da ginástica na melhoria da fadiga intelectual de 36 crianças do ensino primário na realização de provas de ditado. De uma forma muito resumida, os resultados demonstraram que nos dias em que a prova de ditado era precedida de 15 minutos de ginástica os erros ortográficos dados eram em menor número relativamente aos dias em que a ginástica não era ministrada. Este trabalho de investigação científica esteve a cargo do então director do INEF/Faculdade de Motricidade Humana e três dos seus docentes, tendo merecido um prémio científico da prestigiada Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa, em1963.
Neste contexto, respaldo-me no formosíssimo testemunho de Agustina Bessa-Luís que, sem estudos académicos especializados, apenas pela fina intuição de festejada literata do comportamento humano, em entrevista concedida a Clara Ferreira Alves ("Expresso", em 1989), se torna sequaz do filósofo francês Gabriel Marcel (1889-1973): “Não se tem um corpo; é-se um corpo”. Da entrevista, destaco este diálogo lapidar:
“Clara Ferreira Alves: Observa as pessoas como quê? Personagens? Não é bem isso, pois não?
Agustina Bessa-Luís: Robots divinos. O ser humano é um robot perfeito. Quando há uma determinada reacção quero saber qual a mola que saltou, a engrenagem que não funcionou.
Clara Ferreira Alves: Qual a realidade desses robots? Que corpo têm? Têm corpo ou são só inteligentes?
Agustina Bessa-Luís: O corpo é uma inteligência”.
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8 comentários:
Gostei do post, que subscrevo, mas creio que a esta ligação entre educação física e desempenho mental deveria ser adicionada a componente fisiológica: o porquê desse acréscimo de atenção e de desempenho nos ditados. Provavelmente terá a ver com a redução dos níveis de stress, com aumento de certos marcadores bioquímicos que aumentam a concentração (a actividade física humana estará evolucionariamente ligada à caça ou à fuga, ou seja, à sobrevivência) ou com o aumento de concentração necessária para o desempenho das tarefas de coordenação motora que a actividade física exige...
É isso messmo. Excelente artigo.
A ciência tem que se preocupar mais com as possibilidades de transformação da educação do indivíduo global em toda asua experiência humana num contexto e paradigma da corporalidade (embodiment) da mente.
Sigo aqui as ideias de Andy Clark em “Being There: Putting brain, body and world together again” – MIT Press, 1997.
Segundo este autor a mente não é simplesmente “encarnada” e subsequentemente separada do corpo, mas é ela própria uma propriedade emergente, inseparável de um organismo cognoscente em interacção com o seu meio ambiente.
A cultura científica canónica precisa de interiorizar mais nos seus estudos que os nossos corpos são simultaneamente estruturas físicas e estruturas experienciais vividas (parte biológica e parte fenomenológica) e perceber melhor o seu entrelaçamento, uma vez que estes dois aspectos da ‘corporalidade’ não são antagónicos. É preciso compreender melhor o conceito de ‘corporalidade’ do conhecimento, da cognição e da experiência. ‘Corporalidade’ no duplo sentido: corpo como estrutura experiencial vivida e também como o contexto ou o meio de mecanismos cognitivos.
Se o exercício físico é assim tão benéfico explique-nos por favor porque é que os desportistas profissionais não contribuem com avanços científicos importantes?
A desculpa de que têm de treinar muito tempo (o que é verdade) é uma falácia porque estudaram com os que fazem descobertas importantes e depois do seu período de actividade profissional podem continuar a treinar de forma menos intensa e dedicarem-se às actividades intelectuais e científicas de que tanto gostam visto o desporto as fomentar.
Quanto à frase " Faríamos, possivelmente, homens moralmente novos, e mais fraternos uns com os outros" basta ver um qualquer jogo de futebol, corrida, caso de dopping ou algo do género para a falsificar de forma total e completa a ponto de sentir pena de quem sinceramente acredita nisto.
De tão parvo e desesperado que é este texto até se torna divertido.
Fico à espera de que um desses alunos que necessita de média elevada para entrar em Medicina faça justiça com esta laia.
Um professor de EF mal formado moralmente que lhe dê uma nota miserável para se vingar da sua própria estupidez pensará (se for capaz) duas vezes na próxima.
Agradeço o comentário de ramlhaortiga pelo esforço dispendido no seu forcejar em arranjar antíteses para justificar que "de tão parvo e desesperado que é este texto até se torna divertido".
A leitura dos 3 comentários anteriores ao seu, pela seriedade com que foram feitos e pelo valor do seu conteúdo temático serão certamente capazes de modificar a sua opinião sobre o texto. Por meu lado, reconheço que o Corpo (constituído por cérebro, coração, pulmões e as próprias vísceras) ainda possa ser considerado “túmulo em vida da alma” (Platão) e, daí, o desprezo que lhe é votado em vida. Estranhamente, assume ele uma inesperada dignidade quando matéria pútrida, sem sombra de vida ou nobreza d’alma, sendo esta espécie de remorso que na morte não consentiu, durante séculos, o estudo da Anatomia Humana. Em resumo, para o corpo, desprezo em vida e honra na morte.
Segundo Rasch & Burke (1977), “antes do século XVIII poucos músculos tinham nomes; nas suas ilustrações, Galeno usou números e Da Vinci, letras”. E, com isso, a medicina marcou passo até atingir o estatuto que lhe é hoje reconhecido, pese embora muito do seu avanço se ter ficado a dever ao avanço de cientistas de outras áreas do saber, v.g., Pasteur.
Sem dúvida, a genealogia teorizante do Corpo projecta funestas sombras seculares sobre as actividades corporais. Disso mesmo nos dá conta o filósofo da nossa contemporaneidade Jean-François Lyotard em texto crítico: “Toda a energia pertence ao pensamento que diz o que diz, que quer o que quer; a matéria é o fracasso do pensamento, a sua massa inerte, a estupidez”. Nesta perspectiva, e só nela, concedo que este texto possa ser tido como "parvo e desesperado", embora suportado por experiências, uma delas com reconhecimento científico reconhecido pela própria Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa.
O falecido presidente dos Estados Unidos,John F. Kennedy, soube traduzir este conceito de forma exemplar: "A aptidão física não é apenas uma das mai importantes chaves para se ter um organismo sadio, é a base da actividade intelectual criativa e dinâmica. A relação entre a saúde do corpo e as actividadew da mente é subtil e complexa. Ainda falta muito para ser entendida. Os gregos, porém, ensinaram-nos que a inteligência e a habilidade só podem funcionar no auge da sua capacidade se o corpo estiver sadio e forte; que os espíritos fortes e as mentes confiantes geralmente habitam corpos sadios".
Para simplificar as coisas, tornando-as mais terra-a-terra: as actividades corporais na infância e na juventude não transformam um "estúpido" numa pessoa inteligente. Mas podem torná-lo menos "estúpido".
Onde, por lapso, escrevi (penúltima linha, 4.º§)"com reconhecimento reconhecido pela própria Sociedade de Ciências...", deverá ler-se: "com reconhecimento científico da própria Sociedade..."
Temos sofista desportista com léxico abrangente!
Mas depois destes malabarismos retóricos a pergunta continua por responder.
Que pergunta?
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