segunda-feira, 7 de setembro de 2020

CLASSIFICAÇÃO DA DISCIPLINA DE EDUCAÇÃO FÍSICA PARA ACESSO A MEDICINA

 2012 - Centro de Ténis Faro

“Em Portugal país de magricelas, de derreados de espinhela caída, nada mais importante do que a Educação Física, e a ginástica não é uma questão de circo nem de barraca de feira, é uma alta e grave questão de educação nacional" (Ramalho Ortigão, 1836-1915).

Em 30 de Setembro de 2016, aqui, no “De Rerum Natura”, publiquei o “post”: “Jogos Olímpicos e Actividade Física”.

Passados dias (18/10/2016), recebi o seguinte mail que me foi endossado pela SPEF (Sociedade Portuguesa de Educação Física), e que reproduzo, devidamente autorizado, com a satisfação de um simples soldado de um combate duro, estrénuo e sem tréguas, em que Colegas da SPEF e do CNAPEF (Conselho Nacional de Associações de Professores e Profissionais de Educação Física) atingiram estrelas de generalato pela sua persistência, desvelo e empenho na defesa da disciplina de Educação Física,  por uns tantos políticos com responsabilidades no sistema educativo nacional, de cultura duvidosa amputada por nunca se terem debruçado sobre grandes figuras da verdadeira  Cultura, como, por exemplo, Ernest Krestchemer, médico psiquiatra alemão, doutor honoris causa, em Filosofia pela Universidade de Wurzburg e Católica do Chile, que nos ensinou que “o homem pensa com o corpo todo!”

 Era escrito nesse mail da  SPEF:

 “Caro Rui Baptista:

 Não sendo um blogger tento acompanhar de lés-a-lés alguns dos mais interessantes e persistentes - o De Rerum Natura é um dos que vou visitando. Também por isso agradeço o facto de me dar a possibilidade de revisitá-lo.

 No seio da direção da SPEF, já comentámos a importância da sua participação neste blog para o mundo da Educação Física e do Desporto - é importante (determinante) que a nossa área ocupe, também na opinião, um lugar de destaque.

 O seu texto, com estilo muito próprio que lhe é característico, demonstra a perfeita sintonia em que nos encontramos em relação às questões essenciais que (ainda) constrangem o devido desenvolvimento da EF e do Desporto.

 Relevo a sua capacidade de nos fazer encontrar com o que já aconteceu - a ideia de revisitar o que tanto Ramalho Ortigão, como a Sociedade de Ciências Médicas há muito tempo valorizavam (o agora tema central do simpósio por nós divulgado), demonstra  que mais do que conhecimento sobre o assunto, é a falta de vontade dos decisores que impede uma merecida valorização da atividade física, educação física e desporto.

Creio já ter lido esta sua referência (ou idêntica) num artigo seu no jornal "Público", na sequência da entrevista por mim dada acerca da EF. Aproveito para agradecer esse artigo que veio reforçar o impacto da entrevista.

 A nossa ação (SPEF) tem procurado junto de muitos (políticos essencialmente) demonstrar o valor educativo da nossa área - não só pelas questões ligadas à saúde, que muitas vezes parecem ocupar o universo valorativo da nossa área, mas também pelo valor que as atividade físicas e desportivas (estas de forma muito particular) representam para a construção do indivíduo e, por consequência, para toda uma construção social (já o referia o saudoso José Esteves). É importante termos sempre presente o impacto da prática de atividades desportivas, no contexto da disciplina de EF ou do treino, para o desenvolvimento de múltiplas capacidades; temos tentado contrariar discursos que centram a validade da atividade física apenas em questões salutogénicas - posições exclusivamente higienicistas reduzem, em muito, as potencialidades educativas da nossa área.

Concluo reforçando a nossa satisfação (e gratidão) pelas ações que tem desenvolvido. A qualidade dos argumentos que conseguirmos trazer para a opinião pública ajudarão, mais cedo ou mais tarde, a que se concretizem as alterações tão necessárias ao reforço do papel central da atividade física, da educação física e do desporto, num país culturalmente mais evoluído.

Manifestamos a nossa disponibilidade para o que considere importante da nossa parte.

 Os melhores cumprimentos,

Nuno Ferro (presidente da SPEF).”

 Bem a propósito, acabo de ler esta informação da SPEF e do CNAPEF, razão de júbilo para os professores de Educação Física e de enorme reflexo na formação integral da juventude escolar portuguesa que transcrevo no essencial:

“O Conselho Nacional de Professores e Profissionais de Educação Física (CNAPEF) e Sociedade Portuguesa de Educação Física (SPEF) vêm por este meio congratular-se com o anúncio público, efetuado pelo Ministério da Educação, de que a classificação da Educação Física voltará a ser contabilizada para a média de conclusão do Ensino Secundário e na média de acesso ao Ensino Superior.

 Esta decisão repõe o estatuto (classificativo) da disciplina, em situação de paridade com as restantes disciplinas do currículo, situação esta que havia sido alterada com a entrada em vigor do decreto-lei 139/2012, sem qualquer justificação pedagógica”.

 Mas foi sol de pouca dura, que desapareceu, no ocaso da desesperança, este meu jubilo porque, tendo-me dado ao cudado de consultar a legislação dos nossos dias que rege o acesso ao ensino superior no que respeita  à classificação da disciplina de Educação Física, obtive o seguinte e desolador resultado:

“Candidatos titulares de cursos de ensino secundário ao abrigo do Decreto-Lei n.º 286/89, de 29 de agosto:

A classificação final de ensino secundário, para efeitos de acesso ao ensino superior, é média aritmética simples, calculada até às décimas, sem arredondamento, da classificação final de todas as disciplinas que integram o plano de estudos, com exceção das disciplinas de Educação Moral e Religiosa, de Desenvolvimento Pessoal e Social e de Educação Física, e convertida para a escala de 0 a 200”..


Causa-me escândalo repulsivo ser colocada a Educação Física, disciplina de tradição no currículo escolar, em paridade com a neófita ensinança de “Desenvolvimento Pessoal e Social”. Sem comentários de tão evidentes aspectos negativos que perante o seu estranho e aberrante “statu quo”, dedico ao responsáveis do poder político e institucional  seus responsáveis este naco de prosa da ramalhar figura, substituindo a palavra “eram” pela palavra “são”: “Não eram homens de ciência nem sequer homens do mundo. Como cultura física inteligência igual à cultura mental. Se falando metem os pés pelas mãos, calados metem os dedos pelo nariz. Não têm toillete, não têm maneiras e têm caspa”.

E este “statu quo” é tanto mais escandaloso se tivermos em atenção esta carta de repúdio de natureza científica assinada por professores universitários, na grande maioria de Medicina.

“Exmº Senhor

Ministro da Educação e Ciência
Professor Doutor Nuno Crato

O documento ‘Matrizes Curriculares dos Ensinos Básico e Secundário’ merece-nos uma reflexão no que diz respeito à disciplina de Educação Física, por ser uma disciplina que ao promover a prática regular da actividade física, promove a saúde e a qualidade de vida.

O sedentarismo é uma condição indesejável e representa um risco acrescido para várias patologias. Estudos epidemiológicos bem desenhados têm demonstrado, de uma forma muito expressiva e inequívoca, a associação entre um estilo de vida ativo e uma menor morbilidade e mortalidade por diminuir os fatores de risco associados a doenças crónicas, sejam cardiovasculares, metabólicas ou degenerativas e, inclusive, do foro psicológico e psiquiátrico.

São vários os benefícios que o exercício físico promove, contrariando as chamadas doenças da civilização como a obesidade, a diabetes melitus, a depressão, as doenças cardiovasculares isquémicas e o cancro, que são na realidade as epidemias do século XXI. Também numa sociedade em que a esperança de vida aumentou, o exercício físico é fundamental para um envelhecimento saudável, designadamente para que curse sem incapacidade física ou mental.

As acções governamentais deverão ter em conta que a promoção da saúde, na qual se inclui o combate ao sedentarismo, deverá começar cedo sendo a escola um lugar privilegiado para valorizar as atitudes e incutir hábitos de vida saudável que irão nortear o indivíduo ao longo da vida.

Promover a actividade física nas escolas é, pois, contribuir para uma sociedade mais saudável e, por conseguinte, ter uma saúde mais custo-efetiva no futuro. A promoção da actividade física permitirá ao Estado poupar significativamente gastos na Saúde.

Nós, professores da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra envolvidos no ensino e promoção de estilos de vida saudáveis onde se enquadra a actividade física, pedimos a Vossa Excelência que reconsidere pelas razões expostas o documento ‘Matrizes Curriculares dos Ensinos Básicos e Secundário’”.

A relevância do desporto na educação dos jovens foi também evidenciada  pelo Parlamento Europeu (em finais de 2007) ao aprovar  por ampla maioria (590 votos a favor, 56 contra e 21 abstenções) um relatório em defesa de uma carga horária de educação física no ensino básico e secundário que contempla um mínimo de três horas semanais. Este relatório refere ainda que os jovens portugueses, espanhóis e italianos excedem em 30% os níveis de peso e obesidade nas crianças entre os 7 os 11 anos. E acrescenta que este excesso de peso não se fica tanto a dever a uma elevada ingestão mas a uma declarada inactividade física: essas crianças não comem mais, mexem-se menos. Para contrariar este “statu quo” foi proposto um equilíbrio entre os períodos de tempo dedicados às actividades intelectuais e físicas nas escolas.

Este importante relatório de um parlamento directamente eleito pelos cidadãos da União Europeia para representar os seus interesses devia merecer do Ministério da Educação de Portugal a melhor das atenções para que a execução das medidas aí preconizadas fosse levada a efeito com a urgência requerida numa cultura e numa sociedade cada vez mais vitimadas pela inactividade física. Por consequência, povoada de jovens que são “ostras fixadas ao rochedo (Jean-Pierre Gasc)”!

E no caso de Medicina, responsável por a classificação da Educação Física poder prejudicar o respectivo ingresso, contraponho o facto desta profissão ser das mais exigentes sob o ponto de vista físico pela maior carga horária dos médicos, acumulando, por vezes, tarefas hospitalares com medicina privada e serviço de banco e, essencialmente, no caso dos cirurgiões que nos blocos operatórios estão sujeitos a esforços físicos e mentais de grande intensidade. Assim, entre um candidato que, porventura, esteja em boa  forma física e um outro, em má forma,  o chamado, na gíria académica. “urso”, por  escassa percentagem de classificação nas disciplinas ditas  teóricas, por qual optar?

Pobre país que deu novos mundos ao mundo e hoje tem o atrevimento de se julgar na vanguarda dos melhores métodos  de preparar os seu jovens futuros timoneiros  de uma nau a meter água por rombos do casco por ir de encontro a rochedos escutando ao longe  cantos de sereias do Mar Tirreno que lhe prometem o saber,  mas  dando-lhe, apenas, a ignorância. 

Sem comentários:

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