domingo, 2 de janeiro de 2011

Ano Novo: Poesia

Selecção de poesia em português sobre o imaginário que envolve o Ano Novo, e que amavelmente nos foi enviada por João Boaventura.

De Luís Vaz de Camões

Jamais haverá ano novo,
se continuar a copiar os erros dos anos velhos.

De Carlos Drummond de Andrade

Receita de Ano Novo
Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

De Miguel Torga
Recomeça…
Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças…

De Fernando Pessoa

Tudo o que já não é
A dor que já não me dói
A antiga e errónea fé
O ontem que a dor deixou
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.

Também de Fernando Pessoa

Há um tempo em que é preciso
abandonar as roupas usadas,
que já tem a forma do nosso corpo,
e esquecer os nossos caminhos,
que nos levam sempre aos mesmos lugares.
É o tempo da travessia: e,
se não ousarmos fazê-la,
teremos ficado, para sempre,
à margem de nós mesmos.
.
Ainda de Fernando Pessoa
.
Ano Novo
De tudo, ficaram três coisas:
A certeza de que estamos sempre começando...
A certeza de que precisamos continuar...
A certeza de que seremos interrompidos antes de terminar...
Portanto devemos:
Fazer da interrupção um caminho novo...
Da queda um passo de dança...
Do medo, uma escada...
Do sonho, uma ponte...
Da procura, um encontro...

15 comentários:

Leonor Areal disse...

Esses 3 poemas de Pessoa são nitidamente apócrifos. Confira aqui: arquivopessoa.net

Leonor Areal

Leonor Areal disse...

Ah, e o de Camões obviamente também!
LA

Anónimo disse...

Esses 3 poemas, atribuídos a Fernando Pessoa, são realmente tão maus... que só da sua pena poderiam ter saído! Mesmo que assim não seja, façamos justiça a quem deste modo... raciocinou! Quanto ao suposto verso camoneano, não encaixa na sua poética sensibilidade: não tem o seu quilate. Acusa o toque a ouro... falso. JCN

Anónimo disse...

Cada poeta, em seus versos,
que o Ano Novo alardeia
o faz de modos diversos,
consoante a sua ideia.

JCN

Anónimo disse...

Mesmo com contas erradas,
prevê-se um bom Ano Novo
se houver à frente do povo
mentes mais iluminadas!

JCN

Anónimo disse...

Será acaso de Pessoa este soneto sem título, recentemente encontrado, em folha avulsa, num conceituado alfarrabista da capital?

Cada ano que decorre seja novo
para que nossas almas se renovem
e desta forma, regressando ao ovo,
o ser gumano permaneça jovem!

Do velho se faz novo, quando a mente
por força se não deixa envelhecer,
disposta a enfrentar constantemente
a natureza... que nos faz morrer.

Assim vai Portugal, a par e passo,
abrindo o seu caminho sem cansaço
até ver consumado o Quinto Império.

Seja de Deus ou nosso este critério,
a crença não nos falte por virtude
da nossa renovada... juventude!

JCN

Anónimo disse...

No 4º verso corrijo a gralha "gumano" por "humano". JCN

joão boaventura disse...

Cortar o tempo

Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.

Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.

Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente.

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)

joão boaventura disse...

Agradeço a Leonor Areal a chamada de atenção sobre a possível apocrifia dos poemas.

Embora dúvidas suscitassem ainda joguei na hipótese de se tratarem de inéditos, ainda em estudo. Se não os configuram, as minhas desculpas pela minha fiabilidade.

platero disse...

"Charge política
para o arqui-rival JCN"

com mentes iluminadas
para melhor - ninguém nega
que a forte luz das "lampadas"
em vez de iluminar - cega

com um bom abraço
e votos de um 2011 com saúde e inspirado

Anónimo disse...

Para PLATERO, sem rivalidades:

CARTÃO DE ANO NOVO

Que seja novo o ano que começa,
que novo seja em tudo, a começar
por uma forma nova de encarar
quanto Deus queira que nos aconteça!

Num fundo de quimera fabulosa,
reine a beleza em todos os domínios,
alimentando sonhos e fascínios
que a existência tornem cor de rosa!

A par da confiança na justiça,
nunca a bandeira esteja a meia adriça
por falta de bom-senso e pundonor!

Cada ano que vier seja melhor,
embora já não sejam para mim
os frutos deste edénico jardim!

JOÃO DE CASTRO NUNES

Anónimo disse...

"Charge moral
para o arqui-confrade PLATERO:

Das lâmpadas eléctricas a luz,
quando forte de mais, causa cegueira,
mas em termos simbólicos produz
nas almas uma espécie de fogueira!

JCN

Anónimo disse...

Bom poeta Castro Nunes

grande abraço para si

longa e fértil seja a chama que mais do que iluminar o seu caminho não deixará de ser útil mesmo àqueles que obstinadamente se recusam a ver

Maria Pinto disse...

creio que o último poema atribuído ao Fernando Pessoa é do Fernando Sabino...

Anónimo disse...

"De tudo, ficaram três coisas:
A certeza de que estamos sempre começando..." FERNANDO SABINO e não Fernando Pessoa!!!
Que Blog hein....

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