Um homem é mais homem
por aquilo
que cala do que
por aquilo que diz.
Albert Camus
Os grandes escritores dizem muito mas calam mais do que dizem. É contra o pano de fundo do seu obstinado silêncio, que se destaca melhor o cintilar inquietante das palavras ditas. O que dizem pressupõe, com estremecimento, o que ficou por dizer.
Régio – e não só ele – passou a vida a confessar-se e a sugerir, sibilinamente, que calava mais e melhor do que aquilo que ousava dizer. Que o que dizia era apenas a ponta visível de um enorme iceberg. Que o que dizia era sobretudo um modo de esconder o que não dizia. Nada mais de desconfiar do que uma confissão, mesmo ardente.
Quem se confessa também se esconde. É neste cache-cache que se movimenta – e secretamente se diverte – o instinto criador. Declarar que vai “dizer tudo” é um truque do departamento de publicidade que o escritor traz consigo. E é talvez um modo enviesado e pérfido de dar a entender que vai esconder muito mais do que vai dizer.
Homero avisava que os poetas mentem muito. A mentira é um seu essencial utensílio de trabalho. Tenta penetrar no que não digo e analisa com cuidado o que digo.
Tolstoi pregava freneticamente a castidade, enquanto assaltava sexualmente a mulher, com uma repetida gula que a importunava. A sua célebre e panfletária SONATA A KREUTZER (título roubado a Beethoven) é para ser lida sob suspeita.
Os versos de Régio, colhidos, curiosamente,
num livro intitulado BIOGRAFIA – “Que eu vivo a expor minh’alma nas estradas / Com chagas inventadas retocadas / Para esconder bem fundo as verdadeiras” – estão longe de denunciar apenas o percurso singular do autor de HISTÓRIAS DE MULHERES. Elas aplicam-se igualmente e talvez paradoxalmente, a todos os grandes confessados da literatura universal, não excluindo nem Santo Agostinho nem o turbulento Jean-Jacques Rousseau. As entrelinhas das grandes confissões estarão prodigiosamente ricas de surpresas.
Eugénio Lisboa
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