segunda-feira, 15 de maio de 2023

GUERRA E PAZ NOS 14 ANOS DO ARTES

Minha contribuição para o número de aniversário da revista "As Artes entre as Letras", que está a fazer 14 anos:

A Nassalete Miranda – essa grande maestra do As Artes entre as Letras - pede-me, nos 14 anos da revista, um texto sobre a paz. Esse tema tornou-se ainda mais actual após a invasão da Ucrânia pela Rússia no ano passado. Se, na maior parte dos anos do tempo que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, vivemos numa «guerra fria», o termo usado para designar uma paz imposta pelo equilíbrio de armas nucleares das duas maiores superpotências mundiais, os Estados Unidos e a União Soviética, o conflito na Ucrânia é uma «guerra quente» entre a Rússia e seus aliados, e não apenas a Ucrânia, mas o mundo ocidental, que inclui os Estados Unidos e a União Europeia. Embora seja inimaginável o uso dessas armas pelas consequências catastróficas que podem ter à escala global, voltámos infelizmente a ouvir falar delas.

O chamado «Relógio do Juízo Final» ou «Relógio do Apocalipse» é um relógio simbólico criado em 1947, dois anos depois das bombas de Hiroshima e Nagasaki pelo Boletim dos Cientistas Atómicos, que começou a ser editado em Chicago. Esse relógio foi, no início, colocado a sete minutos para meia-noite. Em 2009, quando o Artes começou a ser publicado, estava em cinco minutos para a meia-noite (o mais longe que esteve da meia-noite foi em 1991 e anos seguintes, após a dissolução da União Soviética e os tratados de redução dos armamentos). No presente ano, precisamente por causa da eclosão da guerra da Ucrânia, foi colocado a apenas um minuto e meio da meia-noite. A avaliar pelas preocupações dos cientistas atómicos, nunca estivemos tão perto de uma grande catástrofe.

É bem conhecido o papel que as mulheres e os homens e de cultura têm tido na defesa da paz e, no quadro geral da cultura, o papel das mulheres e homens de ciência. A UNESCO.  Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, é a agência das Nações Unidas, fundada em Paris em 1945, com o objectivo de construir a paz e a segurança no mundo através da educação e das ciências (Portugal só entrou em 1965 para sair em 1971, reentrando em 1974). Nos anos do pós-guerra foram muito nítidos os esforços dos cientistas, infelizmente baldados, no quadro da UNESCO e fora dele, para convencer os governantes que deviam evitar a corrida ao armamento. 

O norte-americano Robert Oppenheimer, director científico do projecto Manhattan que concretizou a construção das bombas que caíram sobre o Japão, afirmou após essas explosões: «Nós, os físicos, conhecemos o pecado». O suíço e norte-americano Albert Einstein, Prémio Nobel da Física de 1921, que de certo modo tinha, na sua própria expressão, «carregado no botão» ao escrever uma carta ao presidente Franklim Roosevelt na qual chamava a atenção para a possibilidade de libertar a tremenda energia do núcleo atómico, fez tudo o que podia em prol da paz. 

É conhecido que escreveu o livro, de 1933 mas hoje ainda em circulação, Porquê a Guerra?, em colaboração com o médico austríaco Sigmund Freud, e que o último documento que assinou antes de morrer, em 1955, foi uma exortação pacifista, o chamado «Manifesto Russell-Einstein» (o primeiro nome é o de Bertrand Russell, a grande filósofo e matemático britânico, distinguido com Nobel da Literatura de 1950), que reuniu as assinaturas, entre outros, dos laureados com o Nobel da Física Max Born (alemão, fugido da Alemanha antes da Segunda Guerra Mundial), Frédéric Joliot-Curie (francês, genro de Madame Curie, que tinha combatido na Resistência Francesa), e Hideki Yukawa (japonês, que permaneceu no seu país durante a guerra)m e do laureado com os Prémios Nobel da Química e da Paz Linus Pauling (norte-americano, único a obter essa dupla distinção).

A corrida às armas de destruição maciça foi uma loucura. Um livro das Publicações Europa-América, saído entre nós em 1955, escassos dias depois do referido Manifesto, intitula-se precisamente A Loucura dos Homens, do francês Jules Moch, delegado da França na Comissão de Desarmamento das Nações Unidas. Foi prefaciado por Einstein, um dos seus últimos escritos, onde ele afirma: «Aquele que não creia na possibilidade de se conseguir uma paz duradoura e firme, ou não tenha a coragem de proceder em conformidade com essa esperança - esse está maduro para a ruína.»

A nossa única hipótese de evitar a ruída moral e material é, de facto, acreditar nessa possibilidade e de ter essa coragem. 

Muitos parabéns ao Artes, que se fosse um ser humano estava agora em plena adolescência, não só pelo seu aniversário, mas também por acreditar na paz e proceder activamente em favor dela, usando esse meio extraordinário que é a cultura nas suas múltiplas dimensões. Entre elas, a ciência, claro.

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