segunda-feira, 29 de maio de 2023

A NORMALIZAÇÃO DA QUEIXA (TAMBÉM) NO ENSINO SUPERIOR

Por Maria Helena Damião e Isaltina Martins

Extractos de um texto assinado por Raquel Varela, professora universitária, e publicado no facebook
(...) o que temia está a generalizar-se: a expropriação da autonomia do professor universitário, como antes do secundário. Os alunos a fazer queixa de professores, incluindo do conteúdo leccionado, e os directores a chamar professores a justificar-se (...). 
Um colega meu foi "acusado" pelo aluno de ensinar um antropólogo altamente complexo, o aluno escreveu ao director um resumo ridículo, dizendo que não sabia porque aquilo era ensinado, o director em vez de o mandar tomar um banho gelado aceitou e deu procedência ao email pedindo ao professor para se justificar!; noutro caso um colega meu usou a palavra "miúdas" na turma como só tinha mulheres, seguiu para queixa; e noutro a mãe fez queixa do professor demasiado exigente com o filho com mais de 20 anos, ao que esse meu colega respondeu que iria chamar a mãe, com mais de 70 anos, para responder! (...). 
(...) uma parte dos alunos e pais, minoritários felizmente, mas o suficiente para criarem problemas, se consideram não alunos mas "clientes" que querem receber um certificado o mais rápido e com a melhor nota possível. Essa é a noção que têm alguns de Universidade. 
Recordei-me com orgulho da primeira vez no ISCTE ainda como aluna, há mais de 20 anos que me entregaram um papel anónimo para preencher e "avaliar" os meus professores e eu, em voz alta, perante toda a turma, disse que não avaliava professores, muito menos de forma anónima (...) 
E se não regressa a democracia às universidades o caminho vai ser dramático. Sairão de lá alunos daqui a uns anos depois de ver 500 vídeos, não ler um livro, prontos para irem para o mercado de trabalho apertar botões e obedecer. 
O assédio contra os professores universitários, em tempos de transformação digital e ensino-máquina, está aí. Estão a retirar-nos a liberdade de ensino para "adaptar a Universidade ao mercado de trabalho". 
Não, o mais grave na Universidade não é o poder dos catedráticos, é a destruição em curso da autonomia de ensino (...). Certamente com gestores-directores, a dar procedência a queixas que não são mais do que assédio contra professores (...). 
Por "milagre" já se sabe os melhores professores, apaixonados por ensinar, críticos, exigentes, receberão mais queixas, os piores, que odeiam alunos, chegarão rapidamente ao topo da direcção onde exercerão o poder usando as queixas como arma."

Sobre a "nova" convivência no ensino superior deixámos várias notas, por exemplo, aqui e aqui

4 comentários:

Anónimo disse...

Mutatis mutandis, faço minhas as palavras, carregadas de indignação, da Professora Raquel Varela, que, diga-se de passagem, muito admiro. Sou professor do ensino secundário, da área das ciências, e fui despojado, por lacaios ao serviço do próprio Ministério da Educação, da autonomia que tinha para ensinar, vendo agora as minhas funções reduzidas a assinar por baixo o relatório médico, ou as grelhas de avaliação estapafúrdias, a que todos têm direito na escola inclusiva do sucesso universal. Na universidade, ou no politécnico, também cheio de "faculdades", como agora dizem os alunos, o que interessa mais é obter rapidamente o canudo, o que interessa menos são os professores que ensinam.

Helena Damião disse...

Prezado Professor Anónimo, é clara aqui a existência de uma cadeia que sabemos onde termina mas não sabemos bem onde começa. Termina nos alunos, os mais directamente prejudicados, que são fruto da desautorização de professores, mas também de coordenadores e de directores/reitores desautorizados, levados a acolher "orientações" políticas, que vêm de fora... Sendo o "fora" muito diverso, é aí que está o começo, a ponta do novelo. Trata-se de uma cadeia, ao mesmo tempo, mais simples e mais complexa, do que à primeira vista possa parecer, mas, sem dúvida, bem articulada. O resultado está à vista: cresce o número de alunos que não é possível reconhecer como pessoas educadas, tal como seria de esperar face a percursos escolares alongados.
Cumprimentos, MHDamião

Anónimo disse...

Como proceder para se conseguir que aumente o número dos estudantes entre os alunos e o número de discípulos entre os estudantes? Esta pergunta fazia o matemático de renome mundial, José Sebastião e Silva na entrevista dada ao jornal a Capital em 4 de Dezembro de 1968.
E prosseguia "Há mais de 2000 anos, Sócrates mostrou como se podem formar discípulos. Diz-se e eu aceito que os Diálogos de Platão fazem parte dos fundamentos da Cultura Ocidental. E,contudo, o ensino em Portugal encontra-se hoje, praticamente, numa fase pré-socratica. Aliás, é preciso notar que Sócrates já está ultrapassado: nos Diálogos, o mestre aparece a impor discretamente o seu ponto de vista, conduzido os discípulos onde quer que eles precisamente cheguem... Mas hoje é necessário mais: é necessário que o diálogo assente inteiramente numa base de compreensão mútua. Quer dizer: dantes, o professor falava, para que os alunos se aproximasse dele humildemente e se esforçassem por comprendê-lo; agora é preciso, além disso, que, reciprocamente, o professor se aproxime dos alunos, com humildade, e se esforce por compreendê-los,isto é, por compreender o ponto de vista de cada um deles e por encorajá-lo a sair do casulo e a encontrar por si novos caminhos; mais ainda: é preciso encorajá-lo a pôr os seus problemas e a encontrar o seu próprio caminho. Eu sei que esta ideia de o professor se aproximar dos alunos com humildade poderá escandalizar muita gente. Com efeito, quando se atribui a actual efervescência da juventude a uma crise da autoridade dos pais, dos educadores, etc.,,tende-se a confundir a verdadeira autoridade (que essa, realmente está em crise) com orgulho, egoísmo e arbitrariedade. Mas, não, a verdadeira autoridade não é incompatível com uma atitude mental e humana de humanidade: eu creio que o exemplo também já vem de longe; as pessoas é que continuam a sofrer de falta de memória. Mas este assunto obrigar-me a tratar de que lhe estão directamente ligados. (...)"

Porque será que a Raquel Varela quando vai para a rua manifestar-se na luta pela defesa dos professores não é assunto para as autoras, isso diz muito do quanto este texto é infeliz.

Anónimo disse...

Vossa Excelência sabe o que são, na prática, as medidas de apoio aos alunos do ensino secundário com necessidades educativas especiais?
São um simulacro de aulas, "lecionadas" por um professor do ensino especial, normalmente especializado em monodocência (antigo ensino primário e educação infantil). No dias da reuniões de avaliação, o referido especialista apresenta-se acompanhado por toda uma parafernália de exames e relatórios médicos dos seus "alunos especiais", e, perante tanta ciência, os professores do conselho de turma só podem deliberar no sentido de salvaguardar o sucesso educativo de todos os alunos.
Estou de acordo com José Sebastião e Silva na defesa de um "aperfeiçoamento" da escola de Sócrates, mas, atualmente, a menina dos olhos, dos métodos de ensino/ aprendizagem, para o Ministério da Educação e seus lacaios, é, desgraçadamente, a Filosofia Ubuntu!

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