quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

EINSTEIN PARA TODA A GENTE


Meu artigo no último JL:

Desde muito cedo me enamorei pela figura de Albert Einstein, o «ícone do século XX» sobre o qual acaba de sair um novo número da VISÂO - Biografia. Em adolescente, e fora dos circuitos da escola nos quais Einstein infelizmente não aparecia, inteirei-me da vida e obra científica de Einstein em livros como A Evolução da Física, de Einstein e de Leopold Infeld (Livros do Brasil, s.d.), A Relatividade para Todos, de James Coleman (Ulisseia, 1964), A Relatividade, de Paul Couderc (Arcádia, 1967), e ABC da Relatividade, de Bertrand Russell (Europa-América, 1969). Quando aprendi a teoria da relatividade restrita, que remonta a 1905, no curso universitário de Física, já sabia o essencial: compreendia a contracção do espaço, exibida por réguas em movimento, e a dilatação do tempo, mostrada por relógios em movimento (é famoso o paradoxo dos gémeos, segundo o qual um gémeo envelhece mais devagar do que o outro só porque viajou até uma estrela e voltou); e compreendia também a mais famosa equação da física, que diz que a energia é igual à massa vezes o quadrado da velocidade da luz. Mais tarde, embora de forma insuficiente, entrei nos meandros da teoria da relatividade geral, que é de 1915, cuja conclusão principal é que o espaço-tempo (formado pelo espaço a três dimensões e pelo tempo) é deformado pela matéria-energia. Hoje esta conclusão está na base do nosso entendimento do Big Bang, dos buracos negros e das ondas gravitacionais.

Ao contrário dos anos 60, não são hoje comuns pequenos livros que expliquem de modo acessível e, portanto, para toda a gente a teoria da relatividade. Existem, é certo, alguns bons livros - distingo as Viagens no Espaço-tempo, do saudoso Jorge Dias de Deus (Gradiva, 1997) e o imprescindível Subtil é o Senhor, de Abraham Pais (Gradiva, 1993) -, mas são edições com mais de vinte anos, ou esgotadas ou escondidas porque as livrarias só mostram as obras mais recentes. Foi, por isso, com agrado, que recebi o pequeno livro Relatividade Restrita. Crónica de uma Visita Guiada, acabado de sair nas Edições Sílabo, da autoria de Luís Rodrigues Costa, engenheiro de minas pelo Instituto Superior Técnico, e, como vem na biografia muito sumária da contracapa, «estudioso e divulgador de temas da física e filosofia da ciência». Na mesma contracapa, o especialista em teoria da relatividade Paulo Crawford, professor aposentado da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, faz a apologia do livro, à qual me quero juntar: «Neste livro apresenta-se um texto de iniciação à teoria da em relativizar de numa forma muito criativa e original. (…) a teoria é exposta de uma forma muito acessível no contexto de um diálogo entre amigos, com diferentes formações e interesses, mas que se encontram com um propósito: entender o novo mundo da teoria da relatividade de Albert Einstein». Os encontros entre os amigos são oito: no primeiro surgem os conceitos essenciais de referencial de inércia e de princípio da relatividade, segundo o qual as leis da física devem ser as mesmas para todos os observadores, e no último são descritas algumas experiências que comprovam a teoria da relatividade restrita, incluindo uma com relógios atómicos a bordo de aviões. Uma reflexão final completa o livro com comentários sobre a natureza da realidade, a procura de uma teoria unificada e a persistência de grandes enigmas ligados à energia e à matéria escuras.

O narrador dá pelo nome de Abel A. Albuquerque, funcionário de um cartório notarial, e os participantes na «tertúlia relativista» são os seus antigos colegas do Liceu Passos Manuel, em Lisboa: Tomás (que não é Kuhn), professor universitário de história da ciência; Alberto (que não é Einstein), investigador num laboratório de telecomunicações; Bernardo (não Riemann, o matemático), que trabalha numa empresa de topografia; Leonardo (não Euler, outro matemático), que trabalha numa companhia de seguros; e Vasco (não Santana, o comediante português), que é o dono de um local de diversão nocturna em Lisboa. Os amigos divertem-se em diálogos bem dispostos em que uns ajudam os outros a descobrir a teoria da relatividade. O livro, com claro intuito pedagógico, contém vários esquemas e equações. Mas estas não são muitas nem são muito difíceis, já que a teoria da relatividade restrita se faz com matemática do secundário, ao contrário do que sucede com a teoria da relatividade geral. Dois breves anexos têm um conteúdo mais matemático. O livro serve bem o seu propósito de iniciar o leitor comum a entrar no pensamento do grande sábio que, tendo nascido numa Alemanha, nunca quis ser alemão, preferindo ser cidadão suíço e norte-americano.

A teoria da relatividade teve um impacto não apenas na ciência, mas também fora dela, designadamente na filosofia e na arte. Para o ano passam os cem anos de uma famosa polémica sobre o tempo entre Einstein e o filósofo Henri Bergson, que defendeu a ideia de um tempo intuitivo, muito afastado do tempo dos relógios. Na arte são numerosas as manifestações de recepção da relatividade. Por exemplo, D. H. Lawrence escreveu um pequeno poema que começa assim: «Gosto da teoria da relatividade e da teoria quântica/ porque não as percebo (…)». E Lawrence Durrell escreveu o Quarteto de Alexandria, uma obra em quatro volumes inspirados no espaço-tempo einsteiniano.

Achei há dias numa livraria um contributo nacional para esse tipo de glosas à obra de Einstein: um livrinho  de capa dura intitulado três-vezes-dez-elevado-a-oito-metros-por-segundo, da autoria de noiserv, o pseudónimo de David Santos, músico que se tem feito notar pelo seu projecto artístico inovador. O livro, com um design gráfico assaz original do Estaminé Studio, tem buracos com a forma de círculos e rectângulos. O autor conta, em prosa poética, a história de três luzes que se acenderam ao mesmo tempo em três janelas. Ao mesmo tempo? Einstein analisou a questão da simultaneidade. Se a velocidade da luz é contante para todos os observadores (o seu valor, 300 000 quilómetros por segundo, dá o titulo ao livro), então as lâmpadas, a distâncias diferentes, não se acenderam ao mesmo tempo. Um livro que dá gosto ler, pois acende em nós a chama da curiosidade.

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