Estamos no Ano Internacional da Tabela Periódica, que
representa um cume de unificação da química, que é uma ciência central no
panorama das ciências. O unificador da diversidade químico foi, em 1869, faz
agora 150 anos, o russo Dmitri
Ivanovitch Mendeleiev (1834-1907; tinha 35 anos em 1869), o hirsuto professor
de Química Geral da Universidade de São Petersburgo, na altura capital da
Rússia imperial. A origem da Tabela é
pedagógica. A fama do professor, que, quando propôs a tabela
só tinha 35 anos, estava ascendente quando ele achou que era conveniente escrever
um livro sobre a matéria que ensinava. Intitulou-o “Princípios de Química” o
manual introdutório de química (inorgânica) em dois volumes (1869-1871), o
primeiro tratando os oito elementos
químicos mais comuns e os restantes 55 conhecidos na época. A Tabela que
tem por vezes o seu nome surgiu quando ele tentou fazer uma síntese que
coubesse num pequeno quadro de todos
esses elementos. Em Fevereiro de 1869 publicou um artigo intitulado “Uma
tentativa de um sistema de elementos, baseado no seu peso atómico e na sua
afinidade química.” O peso atómico resultava de pesagem de elementos e, na
altura, existiam alguns erros pois alguns elementos só existiam em alguns
compostos, sendo de difícil separação (por exemplo, para ele o átomo de urânio
(Ur) era só 116 vezes mais pesado do que o hidrogénio, quando sabemos ser 238).
A afinidade química resultava da observação da maior ou menos facilidade de
participar em reacções químicas. A tabela original pouco tem a ver com a de
hoje: não passava de uma lista de cinco colunas, em que os elementos apareciam
ordenados por ordem crescente de peso atómico (de cima para baixo o peso ia
crescendo, desde o hidrogénio até ao chumbo). O génio da “tentativa” de Mendeleiev
estava na “periodicidade”: verificando que certos elementos tinham propriedades
químicas semelhantes, colocou-os na mesma linha: foi o caso, por exemplo, dos
chamados metais alcalinos (lítio, LI; sódio, Na; potássio, K; rubídio, Rb; e
césio, Cs, todos eles muito reactivos), que ele alinhou ao lado uns dos outros.
Periodicidade significa repetição: o lítio e o sódio, por exemplo, têm
propriedades que se repetem, designadamente a sua grande capacidade de reacção
química.
Hoje o aspecto da Tabela Periódica é um pouco diferente, mas
o essencial da ordenação original permanece. Todos os estudantes de ciências
conhecem a tabela aproximadamente rectangular com “torres” dos lados direito
esquerdo (a da direita maior), e uma muralha mais baixa no meio ligando as duas
“torres” (por baixo estão duas linhas que fazem lembrar uma vala do castelo).
Os tais metais alcalinos surgem
alinhados na primeira coluna, na “torre”
da esquerda. Do outro lado, na coluna vertical à direita, estão alinhados os
chamados gases raros (hélio, He; néon, Ne; árgon, Ar; etc.; todos eles muito pouco
reactivos) que, precisamente por serem
raros, eram inteiramente desconhecidos na época em que o químico russo
apresentou a sua proposta (haveria de saber da sua existência em vida, pois
foram descobertos no final do século XIX).
Mas, de onde vem, em
última análise a periodicidade? Por que é periódica a Tabela Periódica? No
tempo de Mendeleiev a base da periodicidade era puramente empírica. O segredo
está nos átomos, que são os blocos dos elementos químicos. O grande químico não
fazia ideia nenhuma da existência dos átomos (na altura essa existência não
passava de uma conjectura, uma ideia que poderia estar afastada da realidade) e
menos ideia fazia da constituição dos átomos.
Foi o físico dinamarquês Niels Bohr
(1885-1962), que em 1913 propôs o modelo atómico que basicamente ainda
hoje se ensina. O átomo é formado por um
núcleo atómico no centro, onde reside quase toda a sua massa (o peso atómico é
praticamente o peso do núcleo, que é feito de protões e de neutrões, pelo que os
núcleos de maior peso atómico são núcleos mais pesados, isto é, com maior
número de protões e neutrões) e por
electrões, partículas muito leves, que circulam muito rapidamente à volta dos
núcleos. A ordem de pesos atómicos significa, portanto, ordem de tamanho dos núcleos e também ordem de tamanho dos
átomos, uma vez que o número de electrões é o mesmo que o número de protões do
núcleo (este número, chamado “número atómico” é, em geral, menor do que o peso
atómico, pois, nos núcleos, para além de protões existem neutrões, com massa
semelhante) A periodicidade é explicada
pelo comportamento dos electrões. Estes, de acordo com a teoria quântica de
Bohr (que mais tarde haveria de ser aperfeiçoada), vão ocupando níveis de
energia cada vez mais altos nos átomos
cada vez maiores, níveis esses que formam
uma espécie de escada. Num certo tipo de nível de energia, dito “s“,
cabem dois electrões: o lítio e o sódio têm um só electrão num nível s e esse
electrão solitário, com energia mais
elevada do que os outros, está facilmente disponível para ligações (ligações
significam uniões de átomos pela partilha ou transferência de electrões); por
outro lado, o néon e o árgon têm dois electrões em níveis desse tipo. Dizemos
que uma camada electrónica está fechada, pelo que não há electrões disponíveis
para estabelecer ligações Por terem comportamentos químicos em absoluto
contraste o lítio e o sódio estão na “torre” do lado esquerdo da Tabela
Periódica, ao passo que o néon e o árgon estão na “torre” do lado direito.
Foi preciso um primeiro génio, Mendeleiev, para ordenar os
elementos e foi depois preciso um outro, Bohr, para explicar, com base numa
teoria física fundamental – a teoria quântica
- a estrutura atómica que preside à organização da Tabela Periódica.
Desenvolvendo a sua ideia dos níveis de energia, Bohr propôs o “princípio da construção” (em alemão Aufbauprinzip), que indica que níveis
vão ocupar os electrões dos átomos. Mendeleiev descobriu uma ordem na variedade
macroscópica, ao passo que Bohr encontrou o mecanismo microscópico que está
subjacente à ordem macroscópica. Por trás das aparências existem partículas
invisíveis que se comportam segundo certas leis. É comum dizer-se que a teoria
quântica descreve o mundo do muito pequeno, mas tudo aquilo que vemos à nossa
volta assenta nesse mundo do muito pequeno.
O que se vê assenta no que não se vê. Portanto, será melhor dizer que a
teoria quântica descreve o mundo. E nós, que compreendemos a Tabela Periódica,
somos parte desse mundo que ela tão bem descreve.
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