quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

"Escola Pública: tempos difíceis, mas não impossíveis"

Em 2017, a Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) centrou as comemorações do seu 45.º aniversário no debate sobre o ensino brasileiro, num contexto social e político particularmente adverso que vai além das fronteiras do país. Sob coordenação da professora Nora Krawczyk, realizou-se o Congresso Internacional Escola Pública: tempos difíceis, mas não impossíveis.

Um dos produtos foi um livro de acesso livre com o mesmo título (aqui), cujo intuito é:
"... ampliar o debate sobre os rumos que vem tomando a educação nos últimos anos, marcados pelos ataques à escola pública e o cerceamento ao trabalho docente. Os artigos (...) mergulham no momento atual, para desvendar os interesses em jogo e como estes se expressam nas recentes medidas de política educacional. “Nosso objetivo tem sido produzir conhecimento, função da universidade que só se realiza com autonomia para pensar, debater e confrontar diferentes visões”, explica a diretora da faculdade, Dirce Zan. Ela [reforça a] tomada de posição da Faculdade de Educação contra as tentativas de cercear a liberdade de ensinar e contra as estratégias de delação de professores, promovidas por movimentos como “escola sem partido” no Brasil, “con mis hijos no te metas” em diversos países hispano-americanos”. 
"Os artigos do livro não se limitam a analisar a escola pública e defende-la. Tratam de desmontar as falácias que fazem do estado uma espécie de origem de todos os males, que exaltam o privado e procuram destruir tudo o que tenha caráter público. Ao mesmo tempo, mostram como os ataques à escola pública não têm fronteiras: estão em ascensão tanto no Brasil, quanto na Europa e nos Estados Unidos. 
Infelizmente, é esse o momento que estamos vivendo, com uma forte campanha voltada à sua destruição e substituição por modelos que retiram seu caráter público e democrático. O discurso político alarmista e maniqueísta do fracasso do Estado na condução da educação básica e universitária é legitimado numa produção de conhecimento dominada pelo economicismo e pela supremacia dos interesses privados." 
"O ataque à escola pública não é mais nem menos que uma investida na ignorância que se dá, paradoxalmente, num tempo chamado ‘era do conhecimento’. Nega-se um espaço democrático onde se possa aprender a ser tolerante com as injustiças, a conviver com o diferente. Um espaço que estimule a curiosidade e o gosto intelectual de apreender. Um espaço que transcenda as crenças e os valores particulares de grupos e famílias. Uma escola que esteja disposta a contrariar destinos. 
O ataque à escola pública não é mais nem menos que um ataque à soberania nacional. A escola pública é um espaço estratégico de formação de valores e é fundamental no desenvolvimento de uma sociedade democrática e independente. Um espaço que, por sua própria condição de público, deve estar orientado pelo interesse coletivo. A universidade pública é o lugar, por excelência, de desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação, em prol do interesse coletivo, econômico e social. 
A destruição dos espaços públicos e a apropriação da educação escolar por interesses particulares – ideológicos e econômicos – são dimensões do processo regressivo das conquistas sociais adquiridas ao longo de décadas e que estamos vendo serem destruídas, produzindo nem mais nem menos que a precarização e a desagregação da sociedade . É nosso dever resistir à destruição da escola pública, pois ela, apesar de todas as suas contradições, inerentes ao sistema no qual está inserida."
Nora Krawczyk (organizadora da obra)

3 comentários:

Carlos Ricardo Soares disse...

A escola pública, sendo a única cujas condições de "desinteresse" ideológico ou religioso, clubístico, económico..., permitem a desejada e imperiosa independência relativamente a doutrinas partidárias..., é um valor da República, que tem de ser preservado, porque é uma das suas garantias e um dos fundamentos da democracia.
Todas as escolas privadas promovem o que lhes aprouver, num quadro de legalidade e de liberdade ideológica, sem afronta do cientificamente estabelecido, que ao Estado compete tutelar.
Cada partido pode ter a sua escola, assim como cada religião, ou clube, ou movimento...
Mas os deveres da escola pública são mais específicos e mais condicionados porque a escola pública não pode, nem deve, estar ao serviço de grupos, ideológicos, religiosos, económicos, ou outros, sendo seu escopo servir todos em geral e nenhum deles em particular.
Aliás, a escola pública é a única que está em condições de ter e proporcionar essa independência e este não é o menor dos seus trunfos distintivos.
Todavia, isto não é garantia de que realmente o seja, uma vez que pode haver partidarização ou doutrinação da escola pública, ou até mera negligência no cuidado devido pela preservação da neutralidade ideológica como um ponto de honra dos professores.
Por outro lado, e nos aspetos científico-pedagógico-didáticos..., nada garante que as escolas privadas sejam muito melhores, ou impede que sejam muito piores, do que a escola pública.
De qualquer modo, os fins da escola pública e a própria razão de ser, não coincidem nem têm de coincidir com os das escolas privadas, nomeadamente quanto ao lucro, ou quanto à doutrinação dos alunos.

Anónimo disse...

Resumindo e concluindo, a Escola Pública para Carlos Soares deve ser inócua e assética, ao abrigo das terríveis infeções ideológicas, religiosas e clubísticas, entre outras. Na Escola Pública, um benfiquista ferrenho não tem mais nem menos direitos do que o mais humilde adepto do Ala-Arriba! Um professor da escola pública deve ter como ponto de honra não revelar, perante a turma, o seu clube de futebol preferido!

Carlos Ricardo Soares disse...

Se fosse eu a resumir, diria que a Escola Pública não deve, pelas razões apontadas e outras, até sob pena de infração criminal, ser usada como balcão comercial ou púlpito de propaganda de ninguém, e muito mais se tivermos em atenção a menoridade dos seus públicos-alvos e a situação de sujeição-subordinação-disciplina-avaliação...destes.
Por mais difícil que seja compreender e aceitar estas realidades.

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