domingo, 16 de dezembro de 2018

"FITescola": poupar em saúde e encontrar atletas de sucesso

No mês passado, no âmbito da Web Summit, que aconteceu em Lisboa, uma empresa internacional de "telecomunicações, conteúdos, media, entretenimento e publicidade, fundada e liderada por [um] bilionário" e com uma forte presença na Europa, incluindo Portugal, promoveu uma conferência "dedicada ao futuro das crianças".

Aí foi apresentada uma plataforma integrada no designado "Programa dos Alunos Ativos:
FITescola", lançado em 2016 e destinado a avaliar, no âmbito da Educação Física, a aptidão e a actividade física dos alunos do ensino básico e secundário bem como promover estilos de vida saudáveis.

São parceiros, agora, a mencionada empresa, uma universidade portuguesa e o ministério da educação de Portugal. De resto, foi o actual Ministro (na fotografia ao lado, muito sintomaticamente com o logótipo da empresa em pano de fundo) que anunciou tal plataforma numa sessão do evento designada por “Igualdade de (Oportunidades – Tecnologia ao serviço da Educação”. São também parceiros a Sociedade Portuguesa de Educação Física (SPEF) e o Conselho Nacional de Associações de Professores de Educação Física e Desporto (CNAPEF).

Os dados recolhidos pelos professores da dita disciplina, com base em instruções específicas, são introduzidos por eles na plataforma. Caso os encarregados de educação dêem autorização por escrito às escolas, tais dados, depois de tratados, terão dois usos:
1) Serão disponibilizadas informações aos professores relativas a cada turma e a cada aluno (situando-os na zona saudável, na zona precisa de melhoria ou na zona atlética). Serão também disponibilizadas informações às famílias sobre os seus educandos, facultando-lhe "dicas" (e alimentação, de auto-conhecimento, desportivas, etc.) que se dizem concorrer para "uma vida mais saudável".
2) Encaminhamento para o Comité Olímpico Português, que "sinalizará" (sic) e "aconselhará" (sic) os alunos mais promissores para terem sucesso em competições internacionais.
Entretanto, à semelhança de diversos outros programas (de educação financeira, para o empreendedorismo, para a saúde, para a sexualidade, etc, etc, etc.), que assentam na declarada boa intenção de salvar todas as verdes almas de todos os males terrenos, também este tem promovido, com a força institucional e financeira que se lhe percebe, uma multiplicidade de eventos: acções junto das escolas (na forma de road show), formação de professores (na forma de oficina de formação), encontros de tipo científico (na forma de simpósios e de congressos), etc. Não faltam, claro está, instruções para os professores realizarem as  mediçõesmateriais para conduzirem as suas actividades de ensino.

Aqui está um programa criado numa perspectiva altruísta, a pensar única e exclusivamente no bem das crianças e dos jovens, pensará o leitor. Bom... ainda que fosse essa a única intenção, ela não justificaria, de modo algum, os meios (agentes externos ao sistema educativo implicados, recolha de dados sensíveis de menores, intrusão na esfera da família, intrusão na esfera de trabalho do professor, etc.). Mas não é só nem principalmente isso que está em causa: além da tentativa de descobrir "o próximo campeão olímpico" há gastos em saúde (de  "900 milhões de euros por ano”, disse o actual ministro da Educação), que é preciso reduzir.

Ver notícias aquiaqui, aqui, aqui.

1 comentário:

Rui Baptista disse...

"Há gastos em saúde (de 900 milhões de euros por ano) que é preciso reduzir", ministro da Educação "dixit".

Há aqui uma confusão, será que as medalhas olímpicas são índice de uma melhor saúde de um país? Em minha opinião entendo que esse índice se alcança pela prática gimnodesportiva praticada da juventude à velhice com os devidos condicionalismos e não pela subida ao pódio nos Jogos Olímpicos.

Aliás, a redução nas despesas com a saúde, já diz o povo que grão a grão enche a galinha o papo, está em marcha de anos para cá com a expulsão da ADSE de cônjuges de titulares que passaram a usufruir reformas de cerca de duzentos euros mensais quer tenham feito descontos ou não para a Segurança Social.

Ora isto tem uma possível explicação: os jovens representam votos futuros e há que acautelar esse futuro em termos eleitorais, porque os velhos, desiludidos da vida, deslocando-se com dificuldade à mesa de votos, são obrigados a ficarem, por vezes, em casa.

Mas voltando às medalhas olímpicas, seja-me permitido chamar a atenção do senho ministro da Educação para o livro do falecido José Esteves, professor de Educação Física, estudioso da Sociologia do Desporto, bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, doutor honoris causa pela Universidade Técnica de Lisboa: "O Desporto e as Estruturas Sociais" (1ª edição 1967).
São dele, a transcrição que aqui faço: “Não troco um êxito desportivo de repercussão internacional, de uma atleta ou de uma selecção, pelo prejuízo da falta de iniciação desportiva de alguns milhares de rapazes e raparigas das nossas escolas do ensino primário”.

Razão continua a assistir a Antero: “A nossa fatalidade é a nossa história"!

P.S.: Tendo detectado gralhas nos meus comentários, eliminei-os substituindo-os por este comentário.

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