segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Votos de Boas Festas: Como educadores, temos de construir a esperança


"... em todas as profissões, 
quando não as exercemos por dinheiro, mas por amor,
chega um momento em que o avançar dos anos 
nos parece levar a um vazio."
Robert Musil, O homem sem qualidades.

"A educação é (…) onde decidimos se
amamos as nossas crianças o bastante para não as expulsar
do nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, 
nem lhes arrancar das mãos a oportunidade
de realizar alguma coisa nova e imprevista.”
Hannah Arendt, A condição humana.

“…a breve prazo sou pessimista… a longo prazo muito optimista, 
tal como poderia ser um homem que tivesse ideias sobre o futuro 
na altura em que fechou a Escola de Atenas, 
em que acabou o tipo de ensino ou de estudos greco-romanos.” 
Agostinho da Silva, Vida conversável.


Gostaria de deixar aqui, neste final de um estranho ano (não só, mas também) para a Educação, os meus votos para o ano que daqui a minutos aí estará, e que são inspiradas nos comentários dos Leitores ao meu post "Treinei-me para deixar de sentir" ou quando a Escola se desumaniza.

Entendo que fazer votos significa desejar que alguma coisa se realize e, em simultâneo, empenhar-se para que essa coisa se realize. Não é, ou não deve ser, uma simples declaração; deve ser uma atitude investida de busca.

Então, os meus votos são os seguintes: que a Escola Pública se (re)construa, possibilitando o acesso ao aperfeiçoamento humano.

Essa finalidade última, que parece não se vislumbrar em nenhum horizonte, requer professores e directores que não "abandonem" as crianças e os jovens aos seus próprios recursos, que não as "expulsem" do mundo fabuloso que é o pensamento académico. Palavras de Hannah Arendt.

Sabemos (a investigação apresenta-nos dados credíveis) que os melhores professores e directores estão esgotados e tristes, um sentimento de vazio perpassa as suas vidas. Talvez seja a idade e as contas a que ela obriga, ou o grande esforço que fazem todos os dias e que vêem desfazer-se como fumo. É a hipótese de Robert Musil, que eu não quero que esteja certa. A idade mais avançada e o amor de que fala, tal como Arendt tem de ser uma mais valia, é preciso que a procurem algures em si, pois as novas gerações dependem substancialmente dela.

Temos de ser (muito) optimistas, não idiotamente mas lucidamente. Lucidamente, como Álvaro de Campos. E talvez a longo prazo, como recomenda Agostinho da Silva.

Mas, como educadores não podemos perder a alma. Se deixarmos que isso aconteça, arrastaremos aqueles que dependem de nós. A nossa responsabilidade é grande demais!

Nota: Não, não falo dos políticos, nem dos investigadores, nem da sociedade... Não vale a pena. A educação pública tem de voltar à escola, à sala de aula, aos professores e aos alunos. É aí que reside a esperança.
_________________________
Referências bibliográficas:
- Arendt, H. (1957/2006). A crise na educação. In H. Arendt. A condição humana (pp.183-206). Lisboa: Relógio D’Água. 
- Musil, R. (2008) O homem sem qualidades. Lisboa: Dom Quixote, p. 45.
- Silva, A. da (1994). Vida conversável. Lisboa: Assírio e Alvim, p, 175.

4 comentários:

Mário R. Gonçalves disse...

Um bom ano de 2019, Helena Damião, oxalá o seu apelo seja ouvido . O meu cepticismo pode ter fundamentos, mas não leva a nada. Viva a Educação inspirada no humanismo, nas artes e nas ciências, recuperemos a herança do Iluminismo.

Anónimo disse...

O poeta da “Pedra Filosofal” e da “Lágrima de Preta” , António Gedeão (Rómulo de Carvalho) , foi sobretudo um homem renascentista do século XX, que ganhava o pão de cada dia dando aulas de Ciências Físico-Químicas, no liceu. Segundo os critérios da época, era considerado um bom professor porque ensinava bem!...
Como o mundo mudou de lá para cá!...
Apesar da sua boa reputação, é evidente, pelos testemunhos de alguns dos seus antigos alunos - hoje, pessoas ilustres -, que não era propriamente adorado por todos! Até se conta que, antes do 25 de Abril, um reitor prepotente, segundo os critérios da época, do Liceu Camões, em Lisboa, pressionou-o para que subisse a nota de um aluno que pretendia entrar na Universidade. Rómulo de Carvalho reagiu com um pedido de transferência para outro liceu. Quer dizer, Rómulo de Carvalho ensinava Física e Química, e os alunos, para serem aprovados na sua disciplina, tinham de saber Física e Química. A rejeição absurda destas evidências, que as novas autoridades educacionais, em Portugal, entendem como sacrilégios cometidos contra a escola inclusiva das aprendizagens essenciais com currículos flexíveis, só pode conduzir, a breve prazo, ao colapso da escola pública!
Já depois do 25 de Abril, quando um estudante do Liceu Pedro Nunes, que controlava, de pau na mão, as entradas do estabelecimento de ensino, lhe deu autorização para passar, Rómulo de Carvalho decidiu que estava na hora de pedir a reforma.
António Costa escolheu para Ministro da Educação um rapaz que, apesar de ter feito Erasmus, não está, minimamente, à altura da exigência do cargo.

Bom Ano Novo, também para si, Professora Helena Damião!

Anónimo disse...

Uma vez ungido educador, educador para sempre?
Talvez Musil esteja "certo": com a idade tornamo-nos (os educadores também) desatualizados, catastrofistas e maníacos.
É bom ter um, ou mais muros de lamentações.

Anónimo disse...

Desejos utópicos Doutora Helena...
A escola pública portuguesa está moribunda naquilo que mais a devia caracterizar: O ensino rumo à perfectibilidade (com tudo o que isso implica).
Os professores estão transformados em burocratas, exaustos de tantas mudanças infrutíferas já não têm vontade,força,disponibilidade, para remarem contra a maré. Nas escolas impera o espírito do rebanho e, em muitas, o medo está instalado.

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