sábado, 18 de junho de 2016

"Tenho pena de quem tem que andar no público"

Fotografia de Inácio Rosa/Lusa publicada hoje no jornal Expresso (aqui)

Recebemos, em comentário, há bastante tempo - muito antes da última gritaria (supostamente) em defesa da escola pública e da escola privada - o texto que se segue que, a ser verdadeiro, presumo ter sido escrito por uma aluna do 3.º ciclo do ensino básico ou do ensino secundário.
"Eu tenho a dizer que, graças ao estado comparticipar o ensino privado, pude ter o privilégio de estudar numa das melhores escolas do país, não só em termos de conteúdos leccionados, mas também em termos de princípios morais e cívicos... Se assim não tivesse sido, os meus pais não teriam como me proporcionar este tipo de ensino pois a verba familiar era reduzida e eu teria sido uma infeliz na escola pública, onde fui vitima de bulling e a direcção nunca se preocupou, onde as minhas notas estavam a piorar de dia para dia porque eu era apenas mais uma aluna na sala de aula (turma com 17 alunos) e os professores não tinham qualquer interesse em ajudar os alunos... Na escola privada em pouco mais de mês e meio já era uma das melhores alunas da turma, porque despendiam de tempo para me ajudar (turma de 31 alunos), a escola estimulava os alunos com imensas actividades culturais... E posso dizer que sou hoje o que sou, graças aos meus pais e aquela escola, que me fez crescer longe de tanta malícia, em que o foco era MESMO a minha educação... Eu tive as duas experiências publico e privado... Tenho pena de quem tem que andar no público".
Guardei este texto por me ter impressionado de diversas formas. Uma delas, a que serve para a presente nota, é que há nele diversos elementos verdadeiros, os quais, não podendo se generalizados, deviam fazer-nos pensar.

As escolas públicas são as que mais se têm ressentido da aplicação de políticas e medidas internacionais e nacionais desastrosas que negam a sua própria missão: o ensino e a aprendizagem académica. São também as mais frágeis face à sedução e pressão que as mais diversas entidades, com destaque para as que têm poder económico, exercem sobre elas, fazendo infiltrar interesses marginais a essa missão.

As escolas privadas têm a seu favor uma maior margem de manobra no que respeita à aplicação dessas políticas e medidas, e também de aceitação dessas pressões. E algumas fazem-no da melhor maneira.

Talvez seja esse o caso das escolas que a aluna que nos escreveu frequentou ou frequenta.

Na verdade o sistema não se pode dividir em dois tipos de escolas: as boas, que são as públicas, e as más, que são as privadas; ou o contrário as boas, que são as privadas e as más, que são as públicas. 

Não retirando uma vírgula ao que antes disse neste blogue - o sector público e o sector privado podem coexistir apesar de o Estado não poder, de modo algum, comparticipar financeiramente o privado -, entendo que o que está em causa é proporcionar escolas boas para todos.

Escolas que sejam pensadas e funcionem em função de uma noção consistente de Bem: para os alunos, para a sociedade e para a humanidade. Trata-se de uma questão filosófica a que temos de voltar quanto antes.

Gostava de ter visto essa questão aflorada na manifestação que hoje levou milhares de pessoas a Lisboa em defesa da escola pública e gostava de ter visto isso nas manifestações anteriores em defesa da escola privada. Mas não vi, o que vi foram os slogans do costume que nada têm a ver com os a defesa do ensino e da aprendizagem.

Será impossível um país unir-se em favor da Escola?

9 comentários:

Céu Gonçalves disse...

Não. Penso não ser possível a união na defesa de um bem comum porque as pessoas têm perspectivas diferentes. Sei que qualquer discussão sobre qualquer assunto, ainda mais este, em que está em causa não só a educação mas interesses económicos, não é fácil de se tomar partido em defesa do essencial - a educação.
Se apelarmos as experiências enquanto argumento de defesa da escola pública ou privada, talvez se corra o risco de nos distanciarmos do que devia estar em causa.
Apesar disso, e na sequência da carta agora transcrita, não posso deixar de expressar a minha vivência, sem prejuízo do anteriormente dito.
Tenho uma filha que estudou sempre na escola pública. Foi acompanhada por bons professores. Os professores disponibilizavam-se a dar aulas suplementares com horário fixo e pré determinado. Nessas aulas suplementares estavam 3 a 4 alunos, e os melhores das turmas. Os alunos com maior dificuldade económica e de aprendizagem pagavam explicações. Nunca um professor se recusou a ajudar um aluno que fosse. (Sempre fui representante de pais).
Tenho familiares que fizeram todo o secundário na escola privada. Não vi efetivamente a diferença. Todos estão neste momento a frequentar o ensino superior. Atividades extra curriculares podem ser ditas pelos pais. A escola privada tem uma vantagem não para os alunos, mas antes, para os pais que os desresponsabiliza da educação dos seus filhos. Na privada, os pais despejam os filhos.
Sou a favor da escolha. Sou a favor da escola privada mas os encargos desta escolha deve ser da total responsabilidade de quem beneficia desde que exista oferta na escola pública.

António Pedro Pereira disse...

Prof.ª Helena Damião:
Concordo plenamente com o fundo da questão que nos pôs para nos interpelar.
E acredito que o caso relatado, mesmo que não seja verdadeiro, e se não for foi construído com bases numa realidade que permite pudesse ter (ou tivesse) existido.
Agora deixo-lhe outro, este verdadeiro, passado com um familiar muito próximo.
Andava num colégio privado sem Contrato de Associação, o melhor do distrito nos rankins que existem desde há alguns anos e um dos melhores a nível nacional também nesses rankings.
Na turma desse meu familiar, no 6.º ano, entrou um aluno que já vinha sendo escluído de outras escolas devido à instabilidade emocional e aos comportamentos perturbadores que manifestava permanentemente nas aulas e fora delas.
Apesar do ambiente de convivência e de aprendizagem excepcionais, o aluno não melhorou absolutamente nada o seu comportamento.
Nas férias da Páscoa, limite temporal para as transferências de escola, os pais foram chamados à direcção, tendo-lhes sido dito que a escola não tinha solução para o seu filho, apesar de todos os esforços feitos.
Portanto, restava-lhes encontrarem outra para onde o transferir.
Perante a recusa destes, foi-lhes invocada uma norma interna do colégio onde se dizia que cabia inteiramente a este escolher (e fazer sair) os alunos.
O aluno acabou por ser transferido para outra escola que os pais, contrariados, encontraram.
Isto não é invenção minha, estou disponível para o provar, com os nomes das instituições e das pessoas, se o problema da prova se pusesse.
Se se tratasse de uma escola pública não poderia forçar a saída do aluno, o ambiente da turma e o rendimento dos restantes alunos continuaria a deteriorar-se até ao final do ano.
Também por isso a escola pública pode apresentar piores resultados muitas vezes.
Portanto, retomando a sua questão inicial, o problema deve ser pensado essencialmente fora da dicotomia em que tem sido publicamente discutido.
O que não anula o oportunismo e o reconhecimento da impossibilidade prática deste caminho suicida de financiar paralelamente, com dinheiros públicos, uma rede paralela, redundante, de escolas privadas.
Só um iluminado como o Crato podia ter deixado a situação armadilhada para 3 anos como ele deixou.

Helena Damião disse...

À leitora Céu Gonçalves Pereira
Subscrevo o “não” com que começa o seu comentário considerando que ele traduz o essencial do que é, efectivamente, a realidade. Os discursos sobre a escola enganam: em nome dos alunos, sempre em nome deles, são tomadas decisões que nada têm a ver com o que é essencial para a sua formação. Isto é, obviamente, muito antigo: “os poderes com o poder” para chegar à escola sempre a viram como um contexto apetecível para moldar mentalidades. O que temos no presente são novos poderes e com novas estratégias. De modo que, como diz, não é fácil chegar a esse “essencial”: a educação para todos, conduzida pelos mais elevados padrões que conseguirmos estabelecer e cumprir. Mesmo advogando – e esta é a minha posição – que o privado e o público devem ser financiados separadamente e que o Estado não pode nunca pagar o privado, o que não tenho visto nas lamentáveis manifestações de ambos os lados é algo básico e simples, algo que vem primeiro, que é da ordem dos fundamentos: o sentido de Bem que a Escola, no sentido mais amplo, tem de perseguir, seja esta ou aquela escola financiada por que entidade for, pois é na Escola que as crianças e os jovens farão uma parte substancial das suas aprendizagens. E, neste sentido, vejo a escola pública muito desprotegida, face a pressões das autarquias, dos sindicatos, das empresas, dos partidos políticos, enfim… de todos aqueles que a consideram um campo aberto para fazerem vingar o que lhes interessa, não para fazer valer um interesse maior que uma sociedade deve defender.
MHD

Céu Gonçalves disse...

Claro que tem relevância o que invoca nomeadamente a questão da falta de protecção atual das escolas. Apenas deixei o registo da minha experiência face ao teor da carta transcrita. Quanto ao título do artigo não deixo de lamentar. A autora do texto deveria ter algum cuidado porque pensado bem deve colocar se a seguinte questão:se tivesse no público entraria na faculdade? Isto é, teria entrado se as notas fossem reais, ou nao valorizadas? Termino sugerindo Um novo título 'tenho pena daqueles que para entrar para a faculdade necessitem de um colegio.A menina ao longo da sua vida profissional terá muitas vezes necessidade de colégios.

Anónimo disse...

Resumindo, o problema não é a dicotomia Escola Pública ou Privada. O problema é a cultura que se está a impor sobre o conjunto da sociedade portuguesa, onde o Estado surge sempre com poder reforçado. À imagem do que foi a revolução cultural chinesa que tentou rasgar com uma tradição milenar, por cá, seja à Esquerda ou à Direita, cada um à sua maneira, ataca às três instituições sociais básicas: a religião, a família e a propriedade privada.

João Alves disse...

O que ressalta do texto é que devemos subsidiar os colégios privados porque esses permitem retirar da escola pública os bons alunos, impedindo que estes sofram bulying dos alunos que não querem saber da escola para nada. A isto chamava-se há uns anos, segregação: apartheid. Estou farto desta discussão que não leva a lado nenhum. A escola pública tem de ser pública e tem de ser melhor. A escola privada tem o direito de existir, mas não pode ser segregacionista há custo do Estado.

João Alves disse...

A propriedade privada é uma instituição social básica? Não é isso que diz um santo da Igreja Católica: Thomas More. Não é isso que se passa nas sociedades mais antigas e tradicionais.

João Alves disse...

à custa do Estado, como é evidente.

marina disse...

a escola pública não pode ser segregacionista , mas reformatório já pode ? porque os alunos que não querem saber da escola para nada não deviam ser condenados a gramá-la , não acha ? a isso chama-se tortura :)

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...