quinta-feira, 2 de junho de 2016

"A escola mudou pouco e é natural"

Reproduzimos extractos de um depoimento de António Rodrigues, director do Centro de Competência Entre Mar e Serra (Cf. Jornal de Leiria, entrevista "A escola não deve ser a Disneyland das crianças") pela clareza com que trata algumas questões que têm vindo a lume neste blogue.
A escola mudou pouco e é natural. Sendo uma instituição que transmite à nova geração os valores da anterior é normal que seja conservadora. Os alunos também não mudaram assim tanto. O que mudaram foram os contextos em que eles são criados. As crianças têm uma enorme capacidade de aprender o mundo em que vivem. Se o mundo em que vivem é rodeado de tecnologia, é natural que a aprendam. Há também aspectos da mudança da estrutura familiar e demográfica que alteram o nível e o tipo de relação que as famílias têm com as crianças. Acredito que sejam os contextos sociais e familiares que alteram de forma mais significativa o comportamento das crianças e não propriamente aquelas ideias mirabolantes de que as crianças mudaram em ruptura com a geração anterior. 
(...) a maior mudança parece resultar do facto de a escola de hoje ser para todos. No meu tempo havia jovens que abandonavam a escola porque consideravam que não tinham jeito para ela. A partir do momento em que a escola é para todos (querendo os jovens ou não) tem de haver respostas muito diferenciadas, de acordo com as especificidades de cada um e isso cria os desafios mais complicados às escolas e aos professores. 
A escola está organizada e os professores foram formados para o que se designa por “escola de massas”, em que se desenham estratégias que se acredita serem adequadas à generalidade dos alunos, mas que, muitas vezes, falham para determinados grupos de alunos. Há poucas formas aceitáveis de ensinar quem não quer aprender, pois a aprendizagem é um acto voluntário e que exige algum esforço (...). A escolaridade obrigatória vai até aos 18 anos. Como motivar jovens que não querem lá estar? A diferenciação pedagógica na sala de aula e a diversidade no modo como se organizam os planos de estudos são a chave para o sucesso de uma escola que tem de lidar com a diversidade. 
A maior parte das vezes, os alunos não aprendem porque não têm a disciplina necessária para suportar a natureza e modelos de organização do trabalho escolar. O mais fácil é rotulá-los de preguiçosos (“não aprende porque não quer”) como se estar ou não estar motivado dependesse apenas da sua vontade (...). 
Não sou adivinho, mas posso garantir que a escola do século XXII, terá professores do século XXI e pedagogias do século XX pelas simples regras da aritmética e da vida. A escola nasceu com o pecado genético de nunca estar preparada para a geração actual e requer permanentemente a sua reinvenção (...). Revejo-me na previsão de Alvin Toffler, que caracterizou o nosso tempo com o das “múltiplas minorias”.  
Obviamente que a escola tem outros problemas de circunstância que tornam esta questão muito mais complicada, como a desmotivação dos professores, que foram muito maltratados nos últimos 10/15 anos (...). 
Há uma enorme diferença entre o que é informação e o que é conhecimento. Há também uma grande diferença entre a acessibilidade à informação e o saber procurá-la. Não tenho dúvidas de que os alunos têm acesso facilitado à informação factual, mas, quando passamos para aprendizagens mais conceptuais, as coisas complicam-se na capacidade dos alunos utilizarem essa informação na construção do seu próprio conhecimento (...). 
Quando começámos a usar a tecnologia em sala de aula ela produzia uma motivação para aprender. Actualmente, os computadores, tablets e smartphones vulgarizaram-se e deixaram de produzir aquele “brilhozinho nos olhos”. Temos agora um grande dilema: ou utilizamos a tecnologia quando ela é realmente eficaz na melhoria das aprendizagens (e para isso é necessário avaliar os seus impactos) ou a utilizamos para fazer uma escola mais divertida. 
A ideia de que o desígnio primordial da escola é ser divertida para as crianças é tão abominável como o seu contrário, pois ela deve preparar para a vida e esta nem sempre é uma festa. Se aprenderem de uma forma mais divertida melhor, mas custa-me ver concepções em que a escola nos aparece como Disneyland ou a Las Vegas dos mais novos.

5 comentários:

Anónimo disse...

Concordo plenamente, excelente selecção Srª Helena. É normal que a Escola seja conservadora, isso é até bom que assim seja, sem referências não há aprendizagens efectivas. O problema está em conciliar uma Escola conservadora com a ideologia dominante de Esquerda que age fundada numa 'fé metastática', para usar um termo de Voegelin.

António Pedro Pereira disse...

Quatro perguntas ingénuas:
1.ª - A escola conservadora de hoje (que assim se deverá manter, na opinião do post e do Anónimo (porque será que há tantos portugueses chamados Anónimos?) será ainda igual à Escola dos primórdios da sua fundação?
2.ª - O fim da História da evolução da Escola (que a malvada Esquerda a quer abocanhar, retirando-a da boca da benigna Direita, concretamente através do fim progressivo dos contratos de associação redundantes) foi fixado agora?
3.ª - Porquê?
4.ª - Por quem?

António Pedro Pereira disse...

No meu comentário anterior esqueci-me de referir um importante artigo do Prof. João Lobo Antunes e do Investigador António Coutinho, no dia 21/05/2016.
Precisamente sobre o que é ensinar hoje, o que é relevante e como se devem preparar as novas gerações para o futuro.
Pode encontrar-se nele resposta para o que está no post.

Anónimo disse...

Os anónimos são pessoas que pretendem que se olhe para a mensagem e não para o mensageiro.

A 'evolução' da Escola, o circo para crianças, é simplesmente um passo no sentido infantilizar tudo e todos, a União Europeia TOTALITÁRIA tens planos para nós todos, 'Brexit' Tuga (TUGA-EXIT) precisa-se com urgência, e com ele uma restauração da sanidade na política nacional, especialmente, no sentido cívico:
Isto é a Marca da Besta - Communication on Online Platforms and the Digital Single Market Opportunities and Challenges for Europe - https://ec.europa.eu/digital-single-market/en/news/communication-online-platforms-and-digital-single-market-opportunities-and-challenges-europe

Anónimo disse...

Na preparação das gerações futuras a "parte de leão" deve ser a proporcionada em casa. Crianças e jovens educadas pela, ou melhor, abandonados à tecnologia ( tv na mais terra infância, depois os tablet ....),que nem podem pôr o nariz fora de porta pois os papões estão todos para a atacar ( o que acontece tanto na grande cidade como na vila mais pequena) e sem tarefas destinadas à sua integração na vida doméstica e progressiva responsabilização torna a tarefa de qualquer escola muito mais difícil.
Portanto, na base está a família e precisamos de repensar o que se está a fazer às famílias , elas também ao sabor da Disneyland ou de Las Vegas.

CARTA A UM JOVEM DECENTE

Face ao que diz ser a «normalização da indecência», a jornalista Mafalda Anjos publicou um livro com o título: Carta a um jovem decente .  N...