quarta-feira, 29 de junho de 2016

A FÍSICA DO FUTEBOL


Cristiaho Ronaldo falhou um penalti na selecção, mandando a bola ao poste, e pode-se perguntar por que se falham os penaltis.. A jornalista do Observador Marta Leite Ferreira publicou no observador um artigo sobre a física do futebol; aqui. Fez-me para isso algumas perguntas, às quais respondi como está em baixo. O futebol pode ser um bom meio para falarmos de física...

P- Do que depende a trajetória da bola? 

 R- A trajectória da bola só depende das: 1) condições iniciais (se a bola for considerada pontual, bastam a posição e a velocidade da bola, transmitidas pelo pontapé ou equivalente; mas como a bola não é um ponto têm de se acrescentar factores que descrevem a rotação da bola) e 2) das forças que actuam durante o movimento (peso e resistência do ar, podendo a resistência do ar ser dividida numa componente com a direcção do movimento, o "drag" e noutra com a direcção "perpendicular", o "lift") 

P - Que forças atuam na bola no momento do remate, quando ela viaja no ar e quando bate no poste? 

R- No momento do remate há uma força de contacto transmitida pela bota. Durante o movimento só actuam o peso, que é muito simples apontando sempre para baixo, e a resistência do ar, que pode ser muito complicada. Quando a bola bate no poste volta a aparecer uma força de contacto: o ressalto no poste não é muito diferente do que acontece quando uma bola de bilhar bate numa tabela (se a bola não tiver efeitos, valem as leis da reflexão). 

 P - Que leis têm de ser levadas em conta numa situação de remate à baliza? 

 R- Todo o movimento é governando pela chamada Segunda Lei de Newton da mecânica clássica, que apareceu no século XVII: a velocidade que a bola leva é modificada pela resultante das forças e, como a bola tem um certo tamanho, o momento angular da bola ("spin") é modificado pelo momento das forças (este momento é a medida da capacidade que uma força tem de mudar a rotação: por exemplo a força da nossa mão a abrir uma porta tem maior momento quando empurra a porta junto à maçaneta do que junto ao eixo da porta). O momento angular descreve a rotação da bola e o momento da força descreve a modificação dessa rotação. A física explica tudo o que se passa no jogo, embora os jogadores não saibam física: eles limitam-se a aplicar intuitivamente o que aprenderam ao longo de muitos anos. O Ronaldo não estudou física suficiente para saber a explicação científica daquilo que faz!

 P- Como é que a física explica o que acontece durante um pénalti? 

 R- Um penálti é como qualquer outro remate de bola parada. As condições iniciais neste caso são muito simples: posição de 11 metros da baliza e bola impulsionada pela bota do rematador ao apito do árbitro. A física explica a trajectória dadas as forças em presença. Dadas as regras do jogo - o guarda redes não se pode mexer antes da bola partir - é impossível defender se a bola for a uma região muito afastada dele, designadamente perto dos postes e em cima. Um penálti bem marcado é, portanto, indefensável. É aliás por isso que a maior parte dos penáltis resultam em golos. 

 P - Mesmo quando uma bola bate no poste, ela pode entrar na baliza. Do que depende o ressalto da bola? 

 R- Se a bola não estiver a girar sobre si própria, a bola é devolvida pelo poste conforme as leis da reflexão: o ângulo de entrada é igual ao ângulo de saída (os dois medidos relativamente à perpendicular no ponto de embate). Se a bola estiver a girar sobre si própria, isto é, se tiver efeitos, a situação é mais complicada, embora obviamente também seja descrita pela física. Os físicos falam de colisões. P - Que características da bola devem ser levadas em conta quando se estuda a trajectória e o movimento da bola? 

 R- Tem de se tomar em conta o peso da bola, a sua forma e o seu tamanho. Estes aspectos estão normalizados. Também tem importância, por causa da resistência do ar, o tipo de material e o acabamento da bola. Nestes aspectos há alguma variedade. Por isso é que em certos campeonatos, com bolas próprias, alguns jogadores acharam algo estranha a bola. Mas é uma questão de hábito... 

 P - O que são o efeito Magnus, o arrasto, a sustentação, a viscosidade do meio e a camada de Prandtl? E como é que estes aspetos estão implicados no remate? 

 R- Efeito Magnus: Fenómeno físico que consiste num aparentemente estranho encurvamento do movimento da bola: a trajectória desta não é simplesmente parabólica (a parábola é o movimento de um projéctil no ar, sem considerar a resistência do ar). Deve-se aos "efeitos" comunicados pelo rematador: não só a coloca com um movimento de translação, mas também com um certo movimento de rotação. O ar faz o resto: nos pontos onde se o ar se movimenta com maior velocidade, há menor pressão e vice-versa, e  diferenças de pressão causam forças, que encurvam a bola. Embora o efeito tenha sido descrito no século XIX pelo alemão Magnus, Newton já o tinha notado  no século XVII ao observar jogos de ténis. A superfície da bola que está em contacto com o ar é responsável por pequenas diferenças no efeito Magnus. 

 Arrasto: Em inglês "drag" é uma componente da força de resistência do ar a um objecto que se desloca nele. As forças de arrasto dependem da velocidade. Opõem-se sempre ao movimento, fazendo diminuir a velocidade do objecto. 

 Sustentação: Em inglês "lift" é uma outra componente da força de resistência do ar a um objecto que se desloca nele: ao contrário do "drag", é perpendicular ao movimento. Essa é a força responsável pela sustentação dos aviões no ar. É devido a uma diferença de pressões entre as camadas de ar por baixo e por cima do objecto. Depende tal como o "drag" da velocidade do objecto. As forças de resistência do ar dependem da velocidade, pelo que não se exercem sobre objectos parados. 

Viscosidade do meio: Parâmetro do meio onde se dá o movimento que descreve a facilidade com que as suas camadas se deslocam uma sobre as outra (o ar é pouco viscoso). É um parâmetro que entra nas forças de resistência do ar, tal como a densidade do ar. Camada de Prandtl: camada de ar na imediata proximidade de um objecto. É importante para descrever as forças de resistência.

 A física consegue descrever a trajectória das bolas de futebol. Pode não ser simples, isto é, não bastam conceitos da mecânica elementar. 

 P- Quer acrescentar mais alguma coisa?

 R- Sobre as bolas aos postes, que me disse estarem a surgir muitas no Europeu. Apesar de o futebol ser governado pelas leis da mecânica clássica e o jogo ser determinista (as mesmas causas produzem os mesmos efeitos, havendo portanto possibilidade de previsão dos movimentos) o certo é que há onze jogadores de cada lado, cuja acção torna o jogo muito complexo e, por isso, na prática imprevisível. A bola no poste é um azar, porque os jogadores atacantes querem certamente obter golos. Acontece de um modo que podemos dizer aleatório, tal como num jogo de "flippers", em que nem sempre o jogador acerta nos buracos que quer. Num campeonato de futebol haver mais ou menos bolas aos postes é simplesmente acidental.

1 comentário:

Eduardo Martinho disse...

Julgo que a Física no desporto devia ser mais aproveitada no nosso sistema de ensino, por razões diversas, com vantagem para os alunos e para os praticantes.
Este post fez-me lembrar:
(1) uma “brincadeira” em que colaborei com um especialista de programação Scratch para simular o salto em comprimento:
http://tempoderecordar-edmartinho.blogspot.pt/2016/04/fisica-no-desporto-qual-o-limite-do-ser.html
e (2) a conversa que tive com um dos meu netos sobre a prática do skimming:
http://tempoderecordar-edmartinho.blogspot.pt/2012/08/skimming-como-sabes-isso.html .

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